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9 de abr. de 2008

Um sonho quando a gente acorda

(Incidência foi criada em 17-11-2007)

O que se faz com um sonho que acaba quando a gente acorda? Aprendi há muito tempo um diálogo que aconteceu entre um mestre zen-budista e seu discípulo:

_ O que você veio fazer aqui?

_ Escutar o cuco.

Ele entra numa sala e fica durante várias horas. Então, ao sair, o mestre lhe pergunta:

_ Escutou o cuco?

_ Não. O cuco não canta no inverno.

_ Mas se você veio escutar o cuco, porque o silêncio do cuco não se fez ouvir?

A gente está acostumado a, apenas, perceber o que é visível, aparente, o que chama a atenção. E, quando, por qualquer motivo, não temos acesso à aparência, perdemos a direção e não somos capazes de reagir de uma forma positiva.

Durante muito tempo, eu trabalhei com música, regendo, tocando piano, flauta ou violão. Uma das coisas mais importantes na execução de qualquer peça era exatamente os momentos de pausa ou silêncio entre uma nota e a outra. Quando bem usada, dava um toque especial à interpretação e criava um clima de encantamento na platéia.

Comecei a trabalhar com artes. Então descobri que não bastava encher a tela com figuras ou informações. Muitas vezes o essencial, para que se pudesse destacar alguma coisa, era fazer com que o espaço em branco em torno da figura principal fosse maior que a própria figura.

Entrei para a faculdade de psicologia e, ainda lá, tive a oportunidade de aprender sobre figura e fundo (gestalt). E percebi que o que torna algo principal no campo de visão é o destaque dado pelo que está por detrás. Da mesma forma, agora visto pela psicanálise, que o inconsciente era o motriz dos acontecimentos que se davam na consciência.

Passei a perceber nas relações amorosas, aquele momento de silêncio, em que tudo está dito, em que o amor se diz plenamente. Descobri o vazio de todos os sentidos, no êxtase sexual: puro silêncio dentro de nós e ao mesmo tempo completude do ser.

Até, que, um dia, eu me encontrei com um anjo peralta. E dizem que anjos não são peraltas…

Mas eu não me importei com isso. Quem sabe era uma nova classe de anjo ainda não classificada pela angelologia dos padres, dos pastores, dos místicos, dos magos e bruxos, dos pretensos sábios? O que importava era que, exatamente naquele encontro, eu descobri um novo tipo.

Alguns poderiam pensar: “Será q isso dá prêmio Nobel?”, “Será que isso vai para os anais da humanidade como uma grande descoberta?”, “Será que isso vai alterar o catecismo, os dogmas ou a hermenêutica?”. Não que eu seja contra, mas de que isso adianta diante do fato da gente ter alcançado o acesso a uma expressão divina?

Do que aprendi sobre anjos, eles são seres enviados por Deus como companheiros que nos auxiliam no dia a dia, ou como nossos guardiões nas situações em que nos sentimos cercados por uma bruma de escuridão, ou como mensageiros da Sua vontade, manifestando-a e retornando para o convívio com Ele.

É claro que eu não sou um especialista em anjos. Mas eu conheci UM anjo. E o encontro com ele foi suficiente para redirecionar a minha vida. Porque ele foi tudo aquilo que eu sabia sobre os anjos: companheiro que me acompanhou sorrindo, brincando, zoando e que me divertiu muito, mesmo nas horas em que eu estava mais deprimido, trazendo uma luz para dentro daquele lugar escuro que havia se tornado meu coração: foi a mensagem divina de que a vida é plena e da importância de aproveitá-la a todo momento. Mas, como todo anjo, veio, cumpriu sua missão e voltou pra Deus.

Pra quem nunca encontrou um anjo, melhor, nunca abriu seu olhar para vê-los ao nosso redor, talvez, seja simples pensar em Vinda–Permanência–Ida como um processo natural e pleno. Não é simples, não! É complicado. A gente se acostuma a ter um anjo por perto, mesmo quando esse anjo apronta das suas travessuras e, por vezes, nos deixa de cabelo em pé, irritados, preocupados, pensativos. É que, na hora, não estamos muito a par do que ele está fazendo: nos aperfeiçoando, nos aprimorando, nos tornando mais próximos daquilo que Deus deseja pra nós.

Comecei por entender meu anjo como um anjo incomodador. É… ele não me deixava em paz por muito tempo, não! A cada vez que eu me acomodava (e pensava: até que enfim um pouco de descanso.), olha ele lá aprontando uma das suas, tirando-me a tranqüilidade e até a seriedade.

Passado o primeiro momento (irritação, reclamação, discussão), o espaço refeito, um carinho, um aceno de paz. Era ele se aproximando com sutileza ou atrapalhado, mas sempre retornando para meu lado, se achegando e se aconchegando em mim e dentro de mim. Como resistir?

E eu achando que seria sempre assim. “Não tem jeito, mesmo!” – dizia-me, muitas vezes.

E fui aprendendo a conviver com ele, seu jeito, suas traquinagens e seus carinhos.

Costume é algo sério: quando a gente vê um anjo todos os dias, pensa que será assim pra sempre.

Mas, um dia, Deus sente saudades do seu peraltinha – é, Deus sente saudades, sim. Minha neta me ensinou isso. Como ela me disse, Ele diz para o Papai Noel vir buscar o anjo e levar de volta pro céu, por que ele tá com saudades. E aí, o anjo não tem nem tempo de se despedir. É Deus quem está chamando. Tem que ir ligeiro, rápido. E se vai, assim, de súbito.

Mas aí, quem fica com saudade somos nós, que nos acostumamos a tê-lo ao nosso lado, a vê-lo se acomodando, incomodando, se dando: raio de luz. Divinamente humano. Humanamente divino. Angélico. Coisa rara de ver.

Imperceptível para olhos desavisados mas que, ainda assim, se manifesta e cumpre seu papel. Mistério de ser e estar.

Mas, há como imaginar um dia sem o sol, mesmo que esteja nublado ou chuvoso? Claro que não! Ele está lá, mesmo que não se veja: meus olhos é que não o vêem. Meu anjo também. Eu é que preciso abrir os olhos da percepção espiritual e sentir, nas marcas que ficaram, a sua presença. Compreender o papel que ele desempenhou na minha vida. E, principalmente, em homenagem a sua vida e a sua presença entre nós, criar um mundo melhor pra mim e pros outros companheiros que ainda se encontram ao meu lado. Quem sabe não são, também eles, anjos que eu ainda não percebi?

Um dia, na antigüidade, uma família foi visitada por estranhos. E só depois perceberam que haviam sido hospedeiros de anjos. Talvez, como seres humanos, ainda limitados, seja essa a nossa sina: a de só perceber a importância das coisas na sua ausência. Só no vazio, na pausa, no silêncio, percebemos a plenitude da vida, seu valor, sua perfeição.

E ouço o Louis Armstrong, cantando a música que toca, neste momento, no meu rádio: “Eu olho o céu que está azul, e eu digo pra mim mesmo: que mundo maravilhoso…”.

Eu olho pra dentro de mim, percebo a grandeza dos desígnios de Deus e, mesmo com uma lágrima teimando em cair, eu canto também: “what a wonderful world…” e agradeço a Deus a presença de anjos na minha vida e na de todos os outros.

(Em homenagem a um anjo chamado Bruno)

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