Pesquisar este blog

21 de abr. de 2017

Caçando equinócios

Caçando equinócios, criado por Wellington de Oliveira Teixeira em 21-04-2017.
Caçando equinócios, criado em 21-04-2017.

Fernão Gaivota viveu solitário o resto de seus dias, mas voou pra muito além dos Penhascos do Fim do Mundo. Sua única mágoa não era a solidão, e sim que as outras gaivotas se recusassem a acreditar na glória do voo que as esperava. recuravam-se a abrir os olhos e enxergar.
E ele aprendia mais a cada dia.

(Richard Bach — Fernão Capelo Gaivota, p.26)


Há um certo regozijo, um prazer que foge da narrativa, que não se deixa capturar; que permanece, que se sustenta em si. E só agora compreendo que é ele o que precisa ser reativado, não a sua motivação momentânea.

Adolescente, percebi que para efetivar o prazer dos meus vôos eu precisava detectar e encontrar sua fonte e sua sustentação. Estavam lá, invisível e potente me elevando como pássaro ou avião, identificável, mensurável e fundamental: um outro ar que diferia do que eu respirava, mas alimentava, em determinado nível, a minha alma.

A vida segue. Vias trilhadas não se eliminam ou se reciclam: tristeza ou dor deixam marcas, exigindo ressignificar seu valor para a própria vida sob a pena de ficar aprisionado em suas garras*. Sonhos despedaçam e é preciso, das partes resultantes, se propor a recomeçar ao criar delas um lindo mosaico.

Imagens quase dizem os sentimentos. Palavras quase ocultam os fatos. São como diminutos sinais, que denunciam o que se sente no que é dito. Tentar interpretar esses resíduos ou efeitos de discursos é como enveredar uma trilha escusa dos simulacros. Tem seu valor, mas não apara as pontiagudas arestas na alma, senão quando há disposição pessoal para assimilar e aprender.

Sentimentos são tortuosos em seu fluxo. Aquietar-se permite o instante necessário para deixar reduzir a potência inicial da tormenta que o capturou. Se antes eu buscava o vento que sustentaria a minha asa, hoje eu atento para a minha respiração e nada mais: acima de tudo, a vida me percorre e eu posso refazer minhas fontes, gerar novos sentidos, produzir outros encontros e, neles, novas formas de ser feliz.

Continua doendo, mas vai ficando menos intenso, deixa de tomar toda a minha atenção, e libera as sombras que encobriram o meu olhar, à pouco. Tem um horizonte, sim. Veja só! Vênus está se erguendo marcando um outro equinócio, onde o dia e a noite ganham a mesma duração. Frio e o calor se sucedem e nos ensinam a entender a vida em seus poderosos, opostos e, por vezes, furiosos fluxos. Na transição de um ponto a outro, o equilíbrio renasce no momento de iniciar uma nova estação, mas exige desprender-se e fluir, corpo e alma.

Wellington de Oliveira Teixeira, em 21 de abril de 2017.

* Espanta o estado atual em que o sofrimento alheio é relegado ao nível da chacota. O mundo está gerando seres deprimidos, com promessas de felicidade duradoura — apenas até a próxima edição ou versão de felicidade duradoura, a ser conquistada (leia-se, comprada).
Uma expectativa de onipotência proclamada por palestrantes dos empreendedorismos, pagos a peso de ouro, frustrada na semana seguinte. Relações pessoais que emergem e se desintegram na mesma proporção: fantasias falaciosas que se desfazem na primeira discussão.
A estagnação e o ressentimento, após tanta fé investida de forma infrutífera, estão colonizando as almas. A maré da medicalização, que alavanca os lucros farmacêuticos em forma de dependência química das tarjas-pretas, se expande inexoravelmente. Até a inquietude natural das crianças é rotulada de 'transtorno'.
Suicídio não é algo banal. A inexistência de qualquer elemento sustentador da vontade de viver é escandalosamente preocupante. Ignorar o contexto em que são produzidos um número imenso deles é mais do que imbecil. É cegueira opcional.
Não vou citar nenhum filósofo ou pensador. Não necessito. Só é preciso que você pense nas vezes em que se entristeceu para valer, quando nada deu certo e o desespero bateu a sua porta.
Sua ação é fundamental para reverter o quadro. Inicie com propostas colaboracionistas, participativas, inclusivas. Isso, por si só, abre portas para encontros potentes para a transformação pessoal e coletiva.