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28 de dez. de 2016

Por uma geração inventora

MMXVII, criado por Wellington de Oliveira Teixeira em colaboração com Beto Lobo e Luis Cláudio da Rocha Prét, em 10-12-2016.
MMXVII*, criado em 10-12-2016.

Encostei a cabeça na parede, escutando o zumbido do silêncio; Eu me exauri especulando se teria colocado em curso o resultado certo ou o errado. Não é uma surpresa que eu não tenha conseguido dormir ontem à noite. Fiquei me perguntando no que daria aquela ligação, se é que daria em algo; se algum sonho ou pesadelo estaria tomando forma no nosso futuro, avolumando-se como uma tempestade, tornando-se real. Mas, também pensei, com aquela velha felicidade astuta: Independentemente do que o amanhã traga, você pode estar certa de pelo menos uma coisa, Edgewater: esta noite você deu a história da Dori a um desconhecido.
(Karen Russel — Doadores de sono)


Profetas de um futuro determinado indicam agarrar com unhas e dentes suas oportunidades, como se fossem exclusivas. Excluem da previsão as miríades de outras que, também, têm algo a presentear, que irão acrescentar elementos essenciais que — ainda que, neste momento, a razão seja incapaz de relacionar — irão compor seu campo de energia e o propulsionará ao adiante, ao novo.

O costume é algo perigoso. Geralmente, ele engessa novas descobertas.

A partir do momento em que o inventário pessoal de experiências permite atalhos reprodutores como o Copia e Cola 'algo está errado que não está certo', nas palavras do quase filósofo Beto Lobo, meu irmão. A vida produz rotatividade, apenas com aparência de repetição, que consiste em agregações. Cada curva ganha um novo patamar e novos elementos são anexados. Degraus de uma espiral ascendente.

Registros de 'tempo' como aniversários, dias primeiro ou segundas-feiras deveriam remeter ao inusitado, ao que iremos experimentar visando ampliar o espectro do que somos capazes – de identificar, de escolher, de vivenciar, de compartilhar – e que permite ultrapassamentos, não apenas reinício ou repetição. Tão óbvio quanto tão pouco entendido ou praticado.

Dói observar o embotamento produzido na alma brasileira, corroída e desgastada. Em que pese que todo o arsenal humano se baseia no desgastar e se reconstituir, o processo é por aquisição de novos elementos, transformar-se no sentido da evolução e não da mesmice. Por isso, as regras que dão continuidade estática, como roteiro de peça onde até o protagonista agoniza sua reprodução esquemática, são apenas induções marionéticas, midiopáticas, comandos viralizados por marketing social.

Ousadia é manipular essas articulações e se permitir inovar o texto, a cada novo contexto. Adaptar tem potencial para ser o passo inicial do inventar.

Quero crer na proximidade de uma geração inventora, contra todas as previsões contrárias. Uma que acolha mais pensamentos criativos que uma razão estruturadora; cujos olhos não estão, por escolha própria, obstruídos, embotados, ou com antolhos; cujo falar, ouvir e expressar provoque questionamentos, [re]avaliações, refazimentos de práticas. Talvez, meu imbatível desbravador de práticas, Luis Cláudio Prét, por me encantar com os movimentos criativos dos antigos e, mais ainda, dos pequenos novos filhotes do meu coração (como os Lucas, Pedros, dentre outros nomes), ou contaminado por essa pequena ruptura das rotinas, promovida pelo final de um ciclo de contagem, vou me permitir vislumbrar um horizonte contrário ao que o pessimismo quer me incutir.

Pouquíssimos ciclos expansivos são conquistados por transição suave, imperceptível; geralmente, por uma atividade coletiva e de intervenção consciente e colaborativa: minhas capacidades se reúnem com outras e se estruturam como um único organismo. No microcosmo e no macrocosmo os indícios me promovem esse pensamento. Alguns, por intervenção de uma ordem de grandeza desconhecida e externa – um pedaço de pedra cai na terra e muda a sua superfície, talvez algo não tão drástico! – que impõe o reequilíbrio ou o desfazimento total.

Aprendi que, na iminência do precipício, uma parcela importante dos seres humanos retoma seu potencial máximo de colaboração e atua para a transformação. A emergência de movimentos estudantis defensores de direitos e promotores de novas conquistas estão me encantando. As formas de colaboração em rede, especialmente as científicas, também. É pouco. Mas, uma vez que o gatilho foi disparado, a reação é em cadeia mundial.

Erros continuarão sendo cometidos. Novas propostas serão abduzidas ou cooptadas por grupos de interesses antagônicos. Novas lideranças serão corrompidas. Sou consciente disso, meu querido Eric Bragança. Inclusive porque essas decomposições das forças de transformação constituem-se como um elemento positivo: nada deve se permitir estagnar. Superação exige, a cada impedimento, refazer o percurso até que a composição de forças permita retirá-lo do caminho. Talvez, algo melhor: transformá-lo e utilizá-lo para alcançar uma propulsão maior.

Wellington de Oliveira Teixeira, em 28 de dezembro de 2017.

* MMXVII (2017, em algarismos romanos) é uma obra colaborativa cuja estrutura básica resultou de um 'papo cabeça' com meu amigo Eric e que recebeu interações de pensamentos com meu filhote Claudinho (Brasília-DF) e com meu irmão Beto. Foi estampada em camisas para a Virada deste ano. Nas costas (não apresentado aqui) está o texto: Impossível, uma fronteira a ser ultrapassada.
Este ano de 2016 mostrou-se nefasto para o olhar do homem comum, em mim. Ao mesmo tempo, para observador atemporal, em mim, extremamente promissor para a efervescência de novos modos de ser e estar coletivos. Dizem que tudo depende da perspectiva, mas, prefiro crer, que tudo depende da percepção de um mundo que alguém se potencialize para construir. Que os fluxos sejam expansivos, potencializadores, inovadores e incendeiem um fogo interior que nos encaminhe para o indizível, o impensável e à plenitude do ser.
[Minha gratidão pelo esforço de elucidação da impecabilidade do guerreiro, Dom Juan!]

17 de dez. de 2016

Da submissão ao amadurecimento social

Submissão, criado por Wellington de Oliveira Teixeira em 16-12-2016.
Submissão, criado em 16-12-2016.

O princípio da diferença é uma concepção fortemente igualitária no sentido de que, a menos que haja uma distribuição que faça com que ambas as pessoas fiquem em melhor situação… uma distribuição igualitária deve ser preferida.
(John Rawls*, 1971, citado por Ben Dupré em O princípio da diferença, p.187)


A história da geopolítica demonstra que dominadores importam-se mais com táticas de dominação grupal. Pessoas, isoladamente, podem agir conscientemente mas multidões ignoram individualidades. Fundamental ao domínio é detectar e desconstruir os elementos de coesão.

Vírus ensinam como desconstruir um corpo. Sujeitos infiltrados os replicam, desacreditando os movimentos legítimos, especialmente aqueles cuja retidão é inatacável. Mercenários de interesses poderosos tumultuam, enfraquecem lealdades, conflituam ideias pacíficas, disseminam a decomposição de forças propositivas.

Impõe-se aos coletivos recapitular, retornar a agir pela mútua proteção, assim como o sistema defensivo protege-se contra corpos invasores. Nas passeatas, cruzar os braços, se imobilizar e apontar para o elemento estranho que tenta desorganizar tornou-se uma ação refletida e eficaz. No apoio, a distribuição das descobertas individuais potencializou a atuação desmascarando os ardis de culpabilização do sistema repressivo: fotografias, streaming de vídeos e áudios disseminados na internet são extremamente velozes e esclarecedores.

Ideias militaristas não nos interessa: como nos filmes de ação hollywoodianos, os protagonistas viram heróis e os coadjuvantes são aniquilados. Nosso projeto é outro. Avançamos em bloco único e todos são protagonistas e cada um a mais importante linha de defesa. Aprendemos com nossos trabalhadores de construção: cada pedra, cada tijolo, cada ferragem, cada argamassa é o que sustenta o edifício.

Isso exige considerar cada um em si — diferente, único, com graus de entendimento variados, inclusive sobre a sua inserção no movimento. Em momentos de desânimo, novatos até questionam o porquê de lutar por quem os oprime, despreza e desqualifica – uma avaliação crítica verdadeira. Ilustrações de pensamentos como mito da caverna, do pensar fora da caixa, do respeito à diversidade visando a evolução é só um caminho. Nesses momentos cada um contribui com o que possui de melhor e uma boa resposta reacende a vontade de conquistar direitos por meio de um coletivo atuante.

Amadurecimento pessoal destrói alienações; o ultrapassamento do egoísmo guia ao coletivismo; sair da inatividade do ouvir 'Plim-Plim' e ir para as ruas afirmar o Não ou o Sim é mover a roda do futuro para um destino não produzido por dominadores, mas a ser descoberto, construído por todos: um por todos, todos por um. Este é o sentido de cooperação.

Quando questionam a falta de individualidade, afirmo que, ao contrário do totalitarismo das abelhas rainhas e assemelhados, o que propomos é a horizontalidade, a interação consciente entre seres diferentes: nossa diferença é o que nos fortalece, pois cada um contribui com o seu potencial. As discordâncias existem, não as escamoteamos, mas produzimos interseções, as referências e ideias em comum, capazes de aglutinar todos. Além disso, cada um se une ao que o toma intimamente, àquilo que entende ser fundamental, àquilo cuja participação pessoal ampliará a potência da ação.

É um ideal, sim, e não somos ingênuos. Somos persistentes, continuamos tentando, sempre de formas novas, ir em frente. Nossa ideologia nos tira a paralisia e nos põe em movimento para frente. Por isso nos chamam de ativistas.

Wellington de Oliveira Teixeira, em 16 de dezembro de 2016.

* A teoria do 'liberalismo igualitário' contribui para harmonizar liberalismo clássico e ideais igualitários da esquerda.
No livro Uma teoria da Justiça, John Rawls hierarquiza princípios (liberdade é anterior e superior ao princípio da igualdade e a igualdade de oportunidades é superior ao princípio da diferença) sob a ideia da justiça. Por definir critérios de julgamento de direitos, deveres e demais bens sociais, avançou para o julgamento da constituição política, das leis ordinárias e das decisões dos tribunais.
Rawls demonstrou que tanto o capitalismo clássico (de livre mercado ou de bem-estar social) como o socialismo estatal produziam injustiças. Um 'socialismo liberal' — propriedade coletiva dos meios de produção — ou uma 'democracia de proprietários' poderia satisfazer, concretamente, seus ideais de justiça.
Com proximidades e divergências mais para uma questão de tonalidades de uma mesma cor, Habermas defende uma democracia deliberativa onde 'os princípios e a estrutura básica da sociedade devem ser definidos pelos indivíduos através de um processo democrático radicalmente aberto ao diálogo e ao entendimento. Seus atores fundamentais são os movimentos sociais e organizações da sociedade civil'.
Me aproximo dos dois na lógica de participação social pois acredito ser fundamental à democracia o princípio de participação cívica e pública nas decisões coletivas (liberdade positiva) e a atuação na redução das desigualdades de oportunidades e de condições sociais. E essa é minha bandeira de luta.

14 de dez. de 2016

Otimismo é um processo

Superação criado por Wellington de Oliveira Teixeira em 12-12-2016.
Superação *, criado em 12-12-2016.

A marca dos níveis mais elevados de inteligência é a capacidade de cometer erros.
(H. Price, 1953)

Verdades irracionais podem ser mais prejudiciais que erros fundamentados.
(T. H. Huxley, 1960)


Enquanto não alcançarmos o conceito de que o que nos torna feliz é o necessário, ficaremos à mercê da perdas e ganhos: para alguém ganhar, alguém precisa perder.

O que muda tudo é como interpretamos os acontecimentos. Mudar para um nível superior pode ser interpretado como uma conquista, fazendo com que alguém se sinta importante, por alguns instantes, até que entenda que o desafio é bem maior nesse novo nível. Comemorar ou se lamentar?

Esse raciocínio permite entender, indiretamente, o porquê de tanta gente paralisar na vida, evitar novos desafios, querer a permanência mais que a evolução, o conhecido à novidade: sucumbiram à vaidade, à vontade dos outros ou ao medo do risco. Esquecem que, como toda água parada…, uma hora os tempos mudam, tornando obsoletos os conceitos anteriores e quem está apegado a eles.

Não há como escapar das interseções que se estabelecem entre interesses convergentes, divergentes e indiferentes. Nem há como estabelecer um controle simultâneo sobre todos. Esse é um desafio que está numa esfera de grandeza imensa e alguns se acovardam, especialmente quem enxerga apenas a sua recorrência infinita durante a vida.

Quem, por outra opção, dia após dia, busca mensurar aquilo que já conquistou e conseguiu acumular, tem mais capacidade para estabelecer prioridades específicas, os prós e os contras momentâneos, e com isso identificar aliados e estabelecer os obstáculos a ultrapassar no momento.

É porque medir suas próprias potências, confirmar os suportes e apoios é um mecanismo importantíssimo para ter sucesso em investidas e tentativas. Se o desafio é imenso, mas há esforço diário visando o aprimoramento e a ampliação das próprias condições, automaticamente a percepção amedrontadora do desafio perde a força.

Pergunte para quem ousou fazer caminhadas, corridas, treinar em academias, passar em exames… (a lista é imensa). A superação é um processo que só quem o iniciou consegue estabelecer. E daí, se a próxima etapa será difícil? A anterior também foi, e foi conquistada. Talvez, por meio das pequenas descobertas que cada etapa do jogo trás, acredito que, quando o game over da vida ocorrer, meu entendimento será: tudo foi necessário.

Pode parecer ingênuo. Pode até não estar tão bem embasado, assim. Mas vou continuar tentando. Otimismo é um processo que inicia quando se decide não estagnar na vida, nem se desqualificar.

Wellington de Oliveira Teixeira, em 13 de dezembro de 2016.

* Como Cícero, na antiguidade grega, as pessoas consideram que a vida é o campo das probabilidades. Acredito nelas, também. Só que aprendi que, para cada nova tentativa, as probabilidades retornam aos cinquenta por cento. Quem disse que probabilidade, dados, números de loteria ou o que quer que seja, tenha memória?
Idem para as questões sociais. Conservadores apostam que, já que deu certo anteriormente, dará certo novamente. Ignoram contextos, as transformações, as épocas, as realidades alteradas.
Isso só demonstra seu imenso medo do novo e da novidade. Chamá-los covardes acredito ser um exagero. Todos apostamos nossas fichas em alguma verdade pessoal, anterior ou ulterior; no imanente ou no transcendente, mundo do aqui e agora ou no povir (o que está por vir, futuro).
Um caminho não deve ser desrespeitado até que queira ser estabelecido como geral: uma verdade é pessoal, não pode ser estendida a todos. A crítica, sim. Esta pode e deve ser expandida. A partir daí, deve haver, individualmente, o direito de decidir o melhor para si.
E contra aquele argumento de que 'vai dar errado', se após a crítica bem feita a questão for superada, vá em frente, ouse o diferente. No mínimo, um novo aprendizado será anexado ao seu repositório. Quem sabe o acúmulo deles alcance o que se define como a 'gota d'água' e transborde e o vinho escape do aprisionamento da taça e encontre um novo rumo? Essa lição, a evolução de todas as espécies de vida nos ensina.

6 de dez. de 2016

Quando a abstração tornou-se abominável

Abominável criado por Wellington de Oliveira Teixeira em 06-12-2016.
Abominável *, criado em 06-12-2016.

O aumento da flexibilidade comportamental faz também vir à baila a prática do oportunismo intra-espécie baseado em engano. É o que se verifica, por exemplo, no caso de algumas variedades de mosca-doméstica nas quais os macho corteja a fêmea oferecendo-lhe como prenda algum alimento. Enquanto a fêmea se delicia e lambuza com a prenda, o macho aproveita para se acasalar com ela. Até aí tudo certo: nenhuma ilusão ou ardil, apenas uma troca tristemente familiar de equivalentes.
O logro só aparece no momento em que surge um macho heterodoxo da mesma espécie que faz a mímica da fêmea interessada, consegue induzir um macho reto a fazer-lhe a oferenda e, na hora do coito, apanha o alimento e chispa para longe. De um pseudotravesti como esse, nem mesmo uma mísera pseudocópula a mosca iludida consegue arrancar…

(Eduardo Giannetti — Auto-engano, p.21-22)


A experimentação simples confirma que o céu mais amplo surge em dia ensolarado, após um de tempestade. Parábola ou metáfora, um conceito a se constituir em aprendizado de vida. Tudo se transforma. Recordei de Iazul, uma linda história aprendida há décadas, e surgiu um sorriso em meu rosto – mas não é por critica ao seu autor.

Seres tornados tão imediatistas, abdicamos do vislumbrar os horizontes, exceto para programar os ganhos financeiros – lição que cada ser humano trabalhador é obrigado a decorar, recitar e praticar, em nome do mercado.

A abstração tornou-se abominável na atualidade por exigir tempo para ociosidade e permitir-se ser conduíte de fluxos da vida: olhar para ver, ouvir para escutar, falar para dizer. Conduzidos, desde a infância, ao ciclo vicioso da repetição, tornamos inominável quem ousar o além disso. Coitados dos avoados, dos estranhos, dos alienados que, continuamente, recebem carga pejorativa de, no mínimo, vagabundos.

Uma sociedade sem pensadores e sem artistas (entre os trabalhadores, fique claro!) é um ideal para qualquer ditadura. Basta quem crie apenas produtivamente.

Contrassenso, ideias e tecnologias inovadoras iniciaram-se com a ficção, criadas para o prazer por Júlios Vernes da vida. Teorias e teoremas inúteis, desqualificados, alçaram-se a paradigmas da contemporaneidade. Acordamos sobressaltados por multiversos (os universos simultâneos), recombinações genéticas e a provocação da atemporalidade linear provocada pelo universo curvo e os buracos de vermes.

Como em uma dor de topada ou outra de maior duração, sem abstrair os aprendizados que nos trazem, erramos e continuamos errando. Queremos aprender a lição e não apreender o acontecimento, o encontro, as potências e despotencializações a que nos submetemos ou somos submetidos.

Aprendemos assim. Reproduzimos assim. Exigimos que continue assim. Afinal reconhecer fracasso de um modelo estruturado para não pensar é algo forte demais para seres comuns ousar. Por isso – hoje mais que nunca — contextualizar, avaliar interesses em jogo e aprender a desaprender são fundamentais.

Sem dúvidas, um processo amedrontador, pois não há garantias de que o novo será melhor – como tudo na vida, é apenas uma tentativa. Mas difere das reproduções por ser algo particular, único, exclusivo, pessoal e próprio que fundamenta a existência de um indivíduo, de um sujeito que se expressa sem submissão.

Exige destronar conceitos e preconceitos. Pior. Força a encarar o repúdio que costumamos dar aos ousados e ultrapassar as rotulações. Mas, repetindo os chavões de forma simples, quem irá preferir ser o diferente, o rejeitado, aquele que não se encaixa nos padrões?

Talvez tenha sido essa a 'intenção' da Ordem natural ao produzir o processo da puberdade, refletido em contextos mais amplos na adolescência. Uma ordem que se quebra, que se volta contra si mesma em prol da transformação e do amadurecimento. Os demais processos de vida são graduais, este exige rapidez e é arrebatador, expansivo, ousado, iconoclasta; exige uma radical reavaliação dos preexistentes em função de um futuro – inclusive, na escala de espécie.

A produção de valores precisa de condições favoráveis, do contrário, resulta em seres replicantes. Cópias sociais, como clones genéticos. Há os que louvam essa forma de ser: o Ser tornou impeditivo o ser autêntico.

Mas, quando observo meticulosamente um adolescente, para além da 'aborrescência' que isso causa aos que desejam ardentemente o ordinário, vejo o extraordinário: o poder de ser suplantar o poder de estar por meio do poder de reestruturar o estabelecido.

Não há dúvidas quanto aos riscos que existem na suplantação de limites, das fronteiras, quando se aventura às descobertas singulares. Aqui é onde entram as tais condições favoráveis que citei a pouco. A rigorosidade aliada à permissividade é uma proposição de equilíbrio em tudo. Cada expansividade exige a transformação em todos os níveis, assim como, braços e pernas maiores geram desequilíbrios e exigem o aprendizado do reequilíbrio.

O redimensionamento da vida (a própria e em sociedade) é algo fantástico porque abre as portas para o infinito: avançar, pelo desequilíbrio, em equilíbrio constante. Como andar de bicicleta.

Wellington de Oliveira Teixeira, em 06 de dezembro de 2016.

* Qualquer um que deseja alcançar um determinado grau de autenticidade precisa ultrapassar o discurso conservador, baseado em engano – a vida de aparências. A hipocrisia acéfala e esquizofrênica foi produzida e se sustenta na midiotização — a adoção passiva e irrestrita de padrões televisivos.
A busca por autenticidade não será bem sucedida sem o processo de desconstrução das máscaras pessoais e familiares, a partir da abstração e do questionamento das produções midiáticas de verdade e de felicidade instantânea.
Encontramo-nos em um momento onde é extremamente desejável um toque de rebeldia, como a dos adolescentes.

3 de dez. de 2016

Práticas instantâneas e legítimas de expressão

Signos da atração, criado por Wellington de Oliveira Teixeira em 26-11-2016
Signos da atração, criado em 26-11-2016.

Os signos mundanos são frívolos, os do amor e do ciúme, dolorosos; mas quem procuraria a verdade, se não tivesse aprendido que um gesto, uma inflexão, uma saudação devem ser interpretados? Quem procuraria a verdade se não tivesse inicialmente experimentado o sofrimento que causa a mentira do ser amado? As ideias da inteligência são muitas vezes 'sucedâneos' do desgosto. A dor força a inteligência a pesquisar, como certos prazeres insólitos põem a memória a funcionar. Cabe à inteligência compreender, e nos fazer compreender, que os signos mais frívolos da mundanidade correspondem a determinadas leis e que os signos dolorosos do amor correspondem a repetições.
Assim aprendemos a nos servir dos seres: frívolos ou cruéis, eles 'posaram diante de nós', eles são nada mais do que a encarnação de temas que os ultrapassam, ou pedaços de uma divindade que nada mais pode contra nós.
A descoberta das leis mundanas dá um sentido a signos que se tornariam insignificantes tomados isoladamente.

(Gilles Deleuze — Proust e os Signos, p.23-24, destaque meu)


A vida de alguém só inicia quando este começa a destruir as imposições, a encarar os desafios para superá-los. Mas, quase um contrassenso, responsáveis e educadores não gostam do que representa a palavra independência.

Que todos tenham motivos próprios para adotar algo ou não, e aprenda a justificar sua escolha, é inteligível. Porém — talvez por terem sido sistematicamente ensinados a adotar, de forma acrítica, a reprodução dos discursos dos antepassados — a maioria destes responsáveis tornou-se o principal impeditivo às transformações e à individualização.

Com a justificativa de proteção, erguem uma barreira que impede os problemas e, por conta disso, enrijece quase todo aperfeiçoamento e a criação de novas práticas. Sem problemas, não se aprende a inventar e a desenvolver soluções próprias.

Com alegria, observo uma crescente parcela, dentre eles, que motivou-se a encarar essa questão: o desafio de repensar e de reavaliar os elementos fundadores de suas práticas e de encontrar os que se sustentam na atualidade e em que nível.

É fácil perceber em mim a repulsa pelas instituições que incentivam decorar respostas preestabelecidas, ao invés de promover a capacidade da crítica. É que isso acarreta uma etapa a mais no processo de desenvolvimento pessoal: é preciso desconstruir as padronizações, rotulações, discursos — conceitos e preconceitos a que fomos submetidos — antes de construir os arcabouços de nossa individualidade, este modo exclusivo e próprio de ser e estar no mundo, que é um processo natural ao ser humano.

A infância nos brinda sistematicamente com as melhores noções de como encarar a vida: a vivência expressiva do momento. Percebe-se que, mesmo que impulsivamente, as crianças vão aos desafios e os encaram; aprendem com as satisfações e as dores resultantes, e seguem, após riso ou choro, em busca de novos.

Há uma expressão que foi capaz de traduzir para mim esse movimento livre e expansivo que ocorre na infância: o devir criança, as práticas instantâneas e legítimas de expressão dos reais sentimentos e pensamentos – inclusive de amores e ódios, fraquezas e fortalezas — em cada encontro.

Por mais que os discursos valorizem a verdade, as práticas de ensino (em casa, na escola, na igreja ou na rua) nos levam às falsidades e, invariavelmente às representações. Aparências têm mais valor social e dá status a quem as adota. Não é de se admirar o fato de que as relações sejam estabelecidas sob esse viés; que o desejo de expressividade seja enjaulado, qualificado como perigoso; que os que apontam seu dedo para a ferida sejam identificados como subversivos e relegados ao escanteio. Na realidade, evitamos os espelhos que nos refletem fielmente, que nos forçam encarar o aterro com acúmulo de elementos tóxicos, nossos lixões internos.

Para superar recalques, somatizações, baixa estima e outras consequências desse modo de viver, precisamos de uma felicidade instantânea (sempre há uma, em preço promocional), a que resolve tudo, sem dar trabalho ou exigir esforço pessoal.

A vida passa, enquanto isso. Uma hora, sem nenhuma das características reais originais, nenhum rosto resistiu, só a máscara. E mesmo assim, sabendo da falência desse processo, já que foi 'obrigado' a passar por ele *, você o reproduz e exige que outros o façam também. Se me pedissem uma avaliação, essa é a maior drogadicção da atualidade, que se mantém pelo reforço e pela sustentação da palavra moralidade.

Wellington de Oliveira Teixeira, em 03 de dezembro de 2016.

* A expressão 'bom selvagem' foi o modo que Jean-Jacques Rousseau (1712-1778) usou para questionar as práticas modernas. Filósofo, teórico político, escritor e compositor autodidata suíço, ele promoveu a metáfora do 'Contrato' social questionando os modos de justiça e a liberdade encontrados na natureza, em um meio social.
A humanidade buscou socialização (sozinho é mais fácil morrer) para sobreviver; produziu cultura para conservar seu modo de viver. Das pequenas comunidades familiares às novas formas de ordenação social e política, a obediência irrestrita (submissão integral à coletividade ou a um Estado) pode tornar-se um elemento determinante da restrição das liberdades individuais (livre-arbítrio) e da igualdade social. O que fazer?
A proposta foi substituir-se a liberdade natural (irrestrita, mas subordinada ao poder do mais forte) pela criação de um pacto social: somente garantindo a liberdade de todos é que as liberdades individuais serão também preservadas, equilibrando ordem e justiça.
Um exemplo de não exclusão dos desejos e práticas individuais é o do direito de fumar. Este pode prejudicar um não-fumante, que em um recinto fechado inala toxinas involuntariamente. Se houver um acordo de todos, restringe-se o fumo a locais adequados. Conserva-se a liberdade tanto de fumantes quanto de não-fumantes e ninguém perde sua individualidade.
Evidentemente, há muito mais que isso. Mas essa abordagem demonstra que, havendo vontade política e social, é possível o desenvolvimento de uma Educação para o respeito e a possibilitação e construção de modos diferenciados de ser e estar no mundo, baseado na cidadania.
(uma breve introdução ao tema encontra-se em no verbete Jean-Jacques Rousseau da Wikipedia)

1 de dez. de 2016

Cidadania plena, apesar de vocês

Ressurgimento inexorável, criado por Wellington de Oliveira Teixeira em  30-11-2016.
Ressurgimento inexorável *, criado em 30-11-2016.

Um dia vieram e invadiram nossos campos. Enfraqueceram gradualmente nossas fronteiras internas via uma incessante contaminação midiática dos pensamentos e práticas ao nosso redor. Demoramos demais a perceber a desconfiguração que se estabelecia: o rastro de destruição que qualquer um identifica, agora.

Mas se assustarão com a nossa resiliência, a nossa capacidade de ressurgir de apenas um pequeno sopro do que somos, com esse entendimento de que as individualidades se estabelecem e se potencializam no coletivo. É que a chama, menos que uma faísca, voltou a incendiar nossos corações e mentes.

E, Louvado Seja!, estamos erguendo as nossas vozes outra vez, tornando as cinzas em que se tornaram nossos sonhos o adubo pra o ressurgimento. Nossas raízes fortes estão se expandindo, rejuvenescidas por meninos e meninas que ocupam os campi e as escolas, que invadem os espaços públicos e ousam encarar seus algozes, aqueles que agem para não ter seu futuro destruído, e soam ousada e unissonante seu Basta!

Os desiludidos, os desesperançados, os desgastados, os mesmos que não acreditavam antes, os que apenas embarcaram na onda mais fácil, continuam aí fazendo nada ou só criticando. Não nós. Não nossos coletivos. Não nossos esforços.

Fomos capazes de lamber nossas feridas, era o que podíamos. Mas nossos gritos de dor estão se tornando os rugidos que voltaram a assustar aqueles que acreditaram em nossa queda. Mesmo nos erguendo pouco a pouco, conscientizamo-nos indefectivelmente de que precisamos nos reestruturar, como um corpo cujos membros padeceram e teve que se prostrar para se recuperar.

A vida é um campo de lutas. Em vários níveis. E cada companheiro que adere à proposta, a torna mais potente, aumenta a aptidão e a certeza de reconquistar nosso espaço; nos incentiva a avançar por aqueles incapazes de fazê-lo neste momento. Já o fizemos antes — em um tempo em que havia uma estridente silenciação de peito, vozes e esperanças – e o faremos de novo!

Avisa para eles que estamos de pé e avançando inexoravelmente para reconquistar o que nos foi tirado.

A chama está acesa e a esperança não é mais apenas um estandarte. Tornou-se um corpo em movimento, um pensamento esclarecido, uma coletivização não mais ingênua: corrente forte e brilhante. Superamos a 'corrente pra frente' ditatorial.

Pensamentos e sentimentos tornam-se corpos lado a lado que avançam livres, firmes, fortes. Se nos tornarmos o último avatar dos que se erguem contra a tirania da corrupção golpista, o faremos com absoluta certeza de que é o necessário, o essencial e a mais potente expressão de um ser que não vive 'pelo e para o mercado' e sim pela humanidade que há em cada um, que merece ser plena e potente.

Avisa pra eles: somos trabalhadores, somos de gêneros diversos, somos índios, somos negros, somos as ditas minorias, sim; somos estudantes, intelectuais conscientes, somos cidadãos que lutam por condições de vida dignas para familiares, amigos, vizinhos, inclusive para quem é desconhecido. Somos os que possuem uma vontade inabalável e se insurgiram contra os obstáculos que colocaram em cada parte de nossos caminhos.

Somos sujeitos do próprio processo de vida. Não aceitamos migalhas. Queremos nossos direitos, não favores. E juntos construiremos nossa cidadania plena, apesar de vocês.

Wellington de Oliveira Teixeira, em 1º de dezembro de 2016.

Hoje você é quem manda: falou, tá falado, não tem discussão. A minha gente hoje anda falando de lado e olhando pro chão, viu.
Você que inventou esse estado e inventou de inventar toda a escuridão; você que inventou o pecado, esqueceu-se de inventar o perdão:
Apesar de você, amanhã há de ser outro dia.

Eu pergunto a você: Onde vai se esconder da enorme euforia? Como vai proibir quando o galo insistir em cantar, água nova brotando e a gente se amando sem parar?
Quando chegar o momento, esse meu sofrimento vou cobrar com juros, juro! Todo esse amor reprimido, esse grito contido, este samba no escuro.
Você que inventou a tristeza, ora, tenha a fineza de desinventar; você vai pagar e é dobrado cada lágrima rolada nesse meu penar:
Apesar de você, amanhã há de ser outro dia.

Inda pago pra ver, o jardim florescer, qual você não queria. Você vai se amargar vendo o dia raiar sem lhe pedir licença e eu vou morrer de rir, que esse dia há de vir antes do que você pensa:
Apesar de você, amanhã há de ser outro dia.

Você vai ter que ver a manhã renascer e esbanjar poesia. Como vai se explicar vendo o céu clarear de repente, impunemente? Como vai abafar nosso coro a cantar na sua frente?
Apesar de você, amanhã há de ser outro dia. Você vai se dar mal Etc. e tal

(Chico Buarque — Apesar de Você )


20 de nov. de 2016

Particularidades, Peculiaridades e Periculosidades

Cinco.Cinco, criado por Wellington de Oliveira Teixeira em 20-11-2016
Cinco.Cinco*, criado em 20-11-2016.

Tenho que ter paciência para não me perder dentro de mim: vivo me perdendo de vista.
Preciso de paciência porque sou vários caminhos, inclusive o fatal beco-sem-saída.
Sou um homem que escolheu o silêncio grande.
Criar um ser que me contraponha é de dentro do silêncio.

(Clarice Lispector — Um sopro de vida, p.29)


Escolhi, antes de iniciar a segunda parte desta década da minha trajetória de vida, verificar se — e o quanto, neste período — as transformações vivenciadas me auxiliaram no projeto de tornar-me um pouco mais eficiente na absorção do que amplia o aprendizado e torna a vida mais agradável, sempre que possível para outros, além de mim.

Muito do que avaliei como importante facilmente se encaixou em três categorias: estão nas particularidades, possuem peculiaridades intrínsecas e exigem uma exposição de um nível especialmente perigoso – o peito aberto ao novo e ao outro. Nenhum admitiu o contato egoisticamente manipulativo. Estavam no caminho onde a doação daquilo que se vai conquistando é o necessário: o mais fundamental ponto de equilíbrio.

Encontros plenos acatam cada particularidade, nas mínimas peculiaridades, mesmo quando promovem riscos — inclusive o de morte. Erro após erro, intercalados de tão poucos acertos, a experimentação foi gerando pequenos centros de conhecimento. Tentativa após tentativa de transmiti-los sem repassar as excentricidades, menos ainda os desequilíbrios, inseguranças e afetos negativos, fortaleceram esses núcleos.

Seria muito bom se os gráficos fossem representados só com cores vibrantes pontuando positividades, embalados por uma música contagiante e efeitos mirabolantes de transição. Aliás, seria fantástico.

Mas, em que pese não ter negativado na maior parte, há resíduos de passado que resistem em interferir — e conseguem! — desconstruindo vários pontos do que considero minha integralidade: há ansiedades que me deslocam o equilíbrio na hora de interferir na realidade; há novas concepções que desafiam o meu olhar perscrutador e avaliativo; há fragilidades ao lidar com intrusões, com decepções, com perdas.

Ainda que os processos racionais tenham avançado, ficaram aquém de outros mais sensíveis ou de níveis holísticos com a Ordem.

Na exterioridade, a 'camaleosidade' foi trabalhada arduamente. Resultou significativamente em maior facilidade de acatar os estranhamentos, assimilar as diferenças, interagir com o desconhecido [quase] sem sucumbir à propensão de desqualificar nenhum e ninguém.

Internamente, as novas configurações restauraram zonas devastadas por outros que (pura incapacidade minha) não consegui impedir; restabeleceram pontos de contato com personalidades que não havia encontrado pontos de identificação (pura imbecilidade minha) para estabelecer conexões potentes; estabeleceram, nos processos de doação de sentimentos, energias e força de vontade, um ponto estratégico onde a integridade não se fragiliza.

Sob esse ponto de vista e de elaboração de pensamentos, acato com felicidade a ideia de que avancei nos propósitos que estabeleci quando zerei a década, cinco anos atrás.

Mas isso exigiu um processo de alquimia e me obriguei, inclusive, a produzir um perímetro de distanciamento de todos: foi o ponto de partida fundamental para poder encarar a segunda metade desta etapa. Falta pouco para o cinco.cinco.

Já que decidi compartilhar essas reflexões, vou cruzar o limite de não explicar as imagens que crio (veja a nota de rodapé desta postagem). É um bom começo flexibilizar sem quebrar as barreiras, os absolutos, os determinantes que constitui estrategicamente: permeabilizar meus pontos de referência.

Pois bem: expus as minhas particularidades, expressei minhas peculiaridades e sei que isso é um processo perigoso, mas necessário. É que eu quis que você soubesse dessa nano transformação em todos os níveis e do fato de que sou agradecido por ter sido parte integrante dela (até você que eu não conheço!).

Um grande abraço, Caiam na PAz!

Wellington de Oliveira Teixeira, em 20 de novembro de 2016.

* Na imagem que ilustra esse texto utilizei de medidas, números e letras que identificam o 5 e o ponto. Seu núcleo foi exclusivamente estruturado em cinquenta e cinco camadas de pentaedros com medidas 5,5 a partir de centésimos de milímetro (o novo computador passou no teste!) para representar a nova idade. Em seguida, percebi que era essencial inserir, também, os elementos incompletos e em reestruturação, até conseguir reconfigurá-los a este ser que me torno.

24 de set. de 2016

Micro contexto e Totalidade

Micro contexto e Totalidade criado por Wellington de Oliveira Teixeira em 24-09-2016
Micro contexto e Totalidade, criado em 24-09-2016.

O saber não implica fazer uma cópia da realidade, mas sim reagir à realidade e transformá-la.
(Jean Piaget, 1971)


As sociedades modificam-se, período após período, sem que as forças conservadoras consigam deter os movimentos de transformação locais ou globais. Como um fluxo que transpassa e influencia os modos de ser e estar de cidadãos e dos que estão à margem da cidadania, a interação que ocorre no interior dos grupos sociais é atualizada, em especial pela mudança de geração. Mesmo naquelas onde o conservadorismo exibe supremacia as pequenas e discretas rachaduras em seus costumes impedem a perpetuação intocada de suas práticas.

Movimentos de preservação e de transformação em micro escala conduzem a distorções da percepção, influenciando as interpretações individuais e promovendo mudanças emocionais. Isso acontece porque não é possível destacar-se plenamente dos contextos em que se está inserido e no qual se está exposto a várias de suas influências.

A partir do momento em que as pessoas são mobilizadas por algum acontecimento, seja por ideologias, por crenças ou por adesão simplória e induzida, inicia-se um processo mais amplo de composição e decomposição de forças. Isso promove a percepção da inserção individual em uma realidade: situar-se (onde estou, como estou e o que sou aqui) e definir como agir torna-se uma tarefa indispensável (imobilidade é um modo de ação, também!).

Apesar de a prática mais comum seja a de moralizar (é bom ou mal) — e não a de avaliar elementos isolados e seu contexto antes de interpretar —, o pensamento crítico precisa abarcar um campo mais amplo e utilizar instrumentos mais eficientes. Assim, as microanálises — que são pontuais e momentâneas — não devem obstruir a visão de um processo maior de transformação e possível evolução.

Convulsão social é uma expressão com contextos diferenciados: no micro contexto, expõe disputas ou intervenções que geram de interseções a exclusões entre os integrantes de um pequeno grupo social; em escala macro, demonstra que um determinado movimento se expandiu e recebeu a adoção por um número representativo de pessoas, ampliando o seu potencial de alteração da realidade. Nenhuma das formas apresentadas é isolada, ao contrário, são simultâneas e interligadas.

O mais importante é que, esse conjunto de elementos e contextos, em sua totalidade, evidencia o desgaste de um modo estabelecido e os elementos que interagem para seu ultrapassamento. É possível considerar isto uma mera atualização do ciclo universal de transformações em que todos estamos inseridos. Porém, só participando poderemos produzir uma determinada direção para a sua trajetória em nossa própria vida, em particular.

Wellington de Oliveira Teixeira, em 24 de setembro de 2016.

* Há conceitos que crianças de sete anos são capazes de assimilar e dominar, que crianças com quatro não conseguem.
No entanto, estratificar os estágios e marcos de desenvolvimento cognitivo é algo temeroso. Um estágio posterior não precisa, necessariamente, trazer algo exclusivo, pois está em estado embrionário ou em desenvolvimento, nos anteriores. Além disso, nem todo processo de evolução tem que ser pleno e sequencial. As parcialidades influem na construção individual. Mas é claro que se torna obrigatório para o pleno domínio de determinadas capacidades cognitivas.
Em função disso, os instrumentos usados no projeto pedagógico e educativo, no lar ou na escola, deve primar por integrar uma variedade de elementos de forma simultânea e permitir que a criança os capte de forma conjunta ou isolada, parcial ou integralmente. É essa singularidade que nos diferencia e nos eleva à condição de ser e, possivelmente, um Ser pleno.

30 de jul. de 2016

Pela renovação da 'mitoscondria'

Mitoscondria, criado por Wellington de Oliveira Teixeira em 30-07-2016.
Mitoscondria *, criado em 30-07-2016.

Mitocôndria
do grego mitos (fio) + a chondrós, em forma de grão + sufixo grego - ia, que serve para formar substantivos — é o centro de energia celular que permite sua reprodução.

Não se amoldem ao padrão deste mundo, mas transformem-se pela renovação da sua mente, para que sejam capazes de experimentar e comprovar a boa, agradável e perfeita vontade de Deus.
(Bíblia — Romanos 12:2-5 )


Os valores, a moral e os costumes socialmente preponderantes não implicam em verdades inequívocas. Entender esse conceito é o caminho para novos horizontes de inclusão social e de aprimoramento dos relacionamentos.

Um neologismo que construí, 'Mitoscondria', poderia designar o modo extremamente parcializado como os mitos se formam e como são apropriados pelas pessoas. Essa granulação, devida a transmissão oral e pessoal das ideias, certamente ocorre de forma idêntica na apropriação das práticas sociais e no que é estabelecido como verdade.

Especialmente a partir da adolescência, a construção de um conhecimento e pensamento pessoal rejeita a adoção da reprodução do senso comum e, pelo desenvolvimento do pensamento crítico, busca desestruturar o estabelecido, refazendo-o ao retirar elementos considerados ultrapassados ou de funcionamento inapropriado para a atualidade.

Essa recomposição permite o avanço dos conceitos e possível redução dos preconceitos: a constituição de novas formas de entender categorias sociais, relacionamentos pessoais e suas implicações em contextos diferenciados é apenas um dos exemplos.

É que não somos quebra-cabeças que sempre se reorganizam da mesma forma. As transformações alteram os encaixes e isso exige atritos para recriar novos. Para alguns, o enrijecimento dos padrões é fruto de uma estagnação, de um envelhecimento não sadio.

O envelhecimento como processo natural é a redução da eficiência dos processos corporais, prejudicando algumas das funções essenciais. No entanto, o metabolismo não é algo fixo. O corpo humano gera mecanismos de rearticulação de tarefas: se um órgão enfraquece, outros vêm em seu auxílio e contribuem com parte de suas funções. Por isso, podemos alcançar idade avançada com pouca redução da qualidade de vida. Mas a matéria não se eterniza e uma hora a máquina para, dando prosseguimento às transformações em escala impessoal — nada se perde.

Os valores pessoais e sociais passam por um processo similar de envelhecimento. Se não forem retroalimentados, definham e morrem. Na natureza é o nascimento de novos elementos que permite a renovação. A juventude, com suas novas práticas e mudanças, é quem impede os engessamentos sociais e a morte das culturas. Princípios se sustentam por gerações quando se adaptam a novos contextos.

O endurecimento, os radicalismos, os fundamentalismos que a cada época tentam impedir o fluxo das transformações, não o consegue. Apenas geram atritos ineficazes no impedimento das mudanças, mas que são extremamente eficientes em incapacitar ou destruir vidas e sua expressividade. Geração após geração, a juventude é marcada por rejeições e imposições que promovem uma psiquê doentia — reprodução das que nossos pais e nós sofremos. E isso, certamente, não precisa ir adiante. Renovai-vos!

Wellington de Oliveira Teixeira, em 30 de julho de 2016.

* O neologismo é explicado no texto.

17 de jul. de 2016

Por um troco qualquer

Cortina de fumaça, criado por Wellington de Oliveira Teixeira em 16-07-2016.
Cortina de fumaça *, criado em 16-07-2016.

Quando eu era pequeno eu achava a vida chata como não devia ser:
os garotos da escola só a fim de jogar bola e eu queria ir tocar guitarra na TV.
Aí veio a adolescência e pintou a diferença, foi difícil de entender.
A garota mais bonita também era a mais rica, me fazia de escravo do seu bel prazer.
Quando eu saí de casa minha mãe me disse:
'baby, você vai se arrepender, pois o mundo lá fora num segundo te devora'.
Dito e feito, mas eu não dei o braço a torcer.
Hoje eu vendo sonhos, ilusões de romance, te toco minha vida por um troco qualquer:
é o que chamam de destino, e eu não vou lutar por isso — que seja assim enquanto é!
(Lulu Santos — Minha vida)


O efeito torcida atua como a perfeita ilusão da harmonia, conduz momentaneamente a um vínculo que produz a sensação de pertencimento, de igualdade, de união. Para bem ou para mal, é efetivo. Sem crítica capaz de desmontar os contextos criados para trazê-lo à tona, tornamo-nos reféns de seus efeitos. Dentre eles, as manipulações que visam padronizações, que tornam as diferenças entre as pessoas em oposições com rótulos superficiais — héteros e outros, direitas e esquerdas, moral e imoral. Todas visam capturar grupos de indivíduos para serem utilizados como fantoches para poderes e interesses nos quais nunca serão incluídos ou participarão.

Tornou-se fundamental ao interesse de algumas elites desarticular ou desqualificar qualquer instrumento de capacitação para a crítica, opiniões divergentes ou minorias insurgentes. A massificação depende de homogeneização: todo mundo veste, fala, age e pensa igual. Se não tá na moda e é novo, não presta. Simplesmente usar o medo de ser um excluído como poder de convencimento para a adoção de suas ideias e práticas.

O mundo midiático atual produz incessantemente a realização dos interesses de poderosos conglomerados internacionais. Em nível tecnológico profissional a propaganda de manipulação estabeleceu modos de interferência mental que poucos escapam. Bombardeados diariamente com frases de impacto que não se sintonizam com o conteúdo que carregam, muitos ignoram o prejuízo que isso acarreta. Da divulgação de produtos reluzentes (mas contaminados com agrotóxicos) a boatos com aparência de fatos, estamos enredados numa teia de interesses alheios aos nossos, geralmente produzidos por quem pode controlar os políticos e a imprensa.

O efeito cortina de fumaça é amplamente usado na fase político-social atual. Este velho truque, utilizado por poderes constituídos ou paralelos, consiste em uma rede de produção e divulgação de falsidades ou de eventos para retirar a atenção de fatos importantes. Ele ganha importância na conquista de subjetividades: seu pensamento e o meu, sua prática e a minha, que estão em leilão para quem for mais hábil no convencimento.

As ações em prol de crítica, de qualidade de vida e de níveis autônomos de coletivização comunitária tornaram-se raras. Então, a resistência aos movimentos de desapropriação da vida precisa buscar e encontrar novas formas de expressão. Coletivos precisam se constituir como instrumento prático-pedagógico (vivências que ensinam) de critica, denuncia, defesa de interesses amplos — isso é efetivo e precisa ser incentivado.

As redes sociais possibilitaram modos de interconexão um pouco mais democratizados, mas muitos ainda carecem de instrumentação para o seu uso: a pedagogia crítica precisa ser a tônica, não apenas uma reação às manipulações; a mobilização como método precisa estimular a horizontalização das ações; os pequenos equipamentos de comunicação capazes de capturar e editar imagens, transmitindo-as instantaneamente devem habilitar qualquer pessoa a tornar-se um propagador de ideias. Como tudo, terá usos com finalidades opostas, sua validade está em retirar a apatia do cenário.

A fase de grandes e reais lideranças pode ter acabado com a produção midiática dos salvadores da pátria — os marionetes a serviço da ideologia do enriquecimento sem fim e do controle social. Só na construção do pensamento crítico se efetivará modos distintos e eficazes de apresentar o que, o porquê e o como transformar na sociedade de modo a permitir que todos tenham a sua oportunidade de expressão, sem prejuízo da do outro. Concordante ou discordante, todos devem se apropriar dos modos diretos de expressão. Nenhuma voz deve ser calada. Nenhuma expressividade deve ser impedida nem assumida, se estritamente necessário, apenas mediada: o outro é apenas mais um eu que não deve se perder por um troco qualquer.

Wellington de Oliveira Teixeira, em 17 de julho de 2016.

* Cortina de fumaça é uma nuvem espessa de fumo capaz de bloquear a visão. Figurativamente, correr a cortina sobre um fato é a ação de esconder ou omitir algo, visando disfarçá-lo. A atuação por detrás da cortina visa dirigir um negócio, uma intriga, sem se comprometer ao figurar nela.

6 de jul. de 2016

O ser e o desejar ser

Ser e Desejar ser, criado por Wellington de Oliveira Teixeira em 06-07-2016.
Ser e Desejar ser, criado em 06-07-2016.

Não vê que isto aqui é como filho nascendo? Dói.
Dor é vida exacerbada. O processo dói.
Vir-a-ser é uma lenta e lenta dor boa.
É o espreguiçamento amplo até onde a pessoa pode se esticar.

(Clarice Lispector — Água Viva, p.58)


A insatisfação em se ser o que se é produz o desejo de ser outra coisa, ter outra forma, efetuar-se de outro modo. Em graus distintos, de forma suave ou brusca, se busca e se produz um vir-a-ser(*) outro. E esse processo tem vertentes distintas: a da evolução do ser e a do seu aprisionamento.

Quando alguém fica enredado nas tramas e nas imposições sociais (como se vestir, se expressar, se mover e atuar) ou acredita que ser aquele modelo da propaganda resolverá todas as suas questões, um grande problema surge: a fantasia não cabe na realidade. Invariavelmente, a frustração domina e amplia o desejo de ser outro que não si mesmo. Isso se torna uma espécie de maldição na vida: o desequilíbrio se expressa constantemente pelo sofrimento e se somatiza, manifestando-se como sintoma de diversos tipos de transtornos ou doenças.

Por outra via, quando, por observação ou busca pessoal, alguém começa a alcançar níveis de competência superior, descobrir ou ampliar suas capacidades, equilibrar-se no meio social sem abrir mão de suas características e peculiaridades, o desenvolvimento do ser se efetua com harmonia. A transição de um estado de ser para outro é benéfica e amplia o grau de felicidade, manifestando-se de forma saudável nas relações pessoais.

Um projeto de vida que se possa definir como expressivo e potente não cede diante de ditames de moda ou modelação de comportamentos. É preciso ter a clareza de que esta proposta difere de reproduzir os padrões sociais ou se opor a eles e reforça um caminho de autoprodução e fortalecimento. Muito mais ação do que reação.

A atitude pedagógica, aqui, é aquela que afirma que viver reativamente enfraquece o ser, que tem uma via muito mais eficaz na construção de alianças para efetuar coletivamente o respeito as diferenciações alheias.

Wellington de Oliveira Teixeira, em 06 de julho de 2016.

* Vir-a-ser ou Devir.
  1. A mudança em si mesma, processo e transição de um estado a outro. Opõe-se ao estabelecimento de um referencial estático e perfeito.
  2. As mudanças sequenciais de modos de Ser. Opõe-se à imutabilidade do Ser.
  3. Um caso especial de mudança, vai do Nada ao Ser e, dele, ao Nada. Afirma-se o Ser imutável mas em contínua transformação.

26 de jun. de 2016

Reacender-se interiormente

Reacender-se
Reacender-se interiormente*, criado em 26-06-2016.

Nossas ideias, que são tudo a que temos acesso direto, formam um impenetrável 'véu da percepção' entre nós e o mundo exterior. […] É apenas restabelecendo uma ligação direta entre o observador e o objeto externo que o véu pode ser rasgado e o cético vencido.
(Ben Dupré — O véu da percepção, p.16-17)


A marca da ignorância caracteriza os [des]propósitos na vida de qualquer indivíduo. Para os que vão alcançando um campo mais ampliado de visão, ela se manifesta na compreensão do quanto há mais para se aprender e a finitude da forma humana a se contrapor. Para a imensa maioria, é um estado rudimentar de entendimento que estreita a visão da realidade em que vivem.

Mesmo sábios, alguns desistem. O que entenderam ou o que não conseguiram absorver determina uma rota de fuga. Em muitos dos casos, suicidária — uma forma de evitar os conflitos inerentes às vivências do que consideram ser a sua realidade. Os abusos diários de alienação o demonstram.

Ter o propósito inflexível de acender cada vez mais o campo de energia alimenta a vida é algo tão raro, mas tão raro, que foi necessário criar mitos, parábolas, contos, para que o conceito pudesse subsistir: superação é algo possível e necessário.

Os fluxos, as forças, as ondas que constituem o movimento do mundo são um mistério que alguns desejam e tentam desvendar ou, pelo menos, encarar, e tornam isso um alvo para a caminhada nessa esfera de vida.

A veracidade desse desejo concomitante com a firme disposição de seguir nesse sentido é o que pode conduzi-los ao inconcebível, no presente.

Acredito plenamente que conforme caminhamos, aprendemos, nos transformamos gradualmente e — como que de repente — compreendemos que a nossa percepção de mundo se desfez e uma outra realidade foi alcançada: engatinhamos e aprendemos a andar sonhando com o correr e o voar.

Wellington de Oliveira Teixeira, em 26 de junho de 2016.

* Nossas impressões sensoriais, o modo como apreendemos a realidade (via audição, olfato, paladar, tato e visão) podem não ser um retrato fidedigno do que existe, por serem apenas uma representação dela. Platão oferece o mito da caverna para tentar demonstrar esse pensamento, colocando prisioneiros humanos numa caverna subterrânea onde vêem apenas as próprias sombras ou a dos outros, pela iluminação gerada pelo fogo: o conhecimento do mundo sendo uma sombra da realidade do que existe, devido aos vários tipos de limitações a que estamos submetidos. Uma contraposição entre a ilusão e o conhecimento, o campo do existir e do ser.

19 de jun. de 2016

Paradigma recorrente

Recorrente, criado por Wellington de Oliveira Teixeira em 19-06-2016.
Recorrente, criado em 19-06-2016.

Não duvido, por exemplo, que a mecânica de Newton representa uma melhoria em relação à de Aristóteles e que a de Einstein representa uma melhoria em relação à de Newton como instrumentos para a solução de problemas. Mas não vejo na sua sucessão um caminho coerente de desenvolvimento ontológico.
(Thomas S. Kuhn (*), citado por Ben Dupré Em Mudanças de paradigmas, p.143 )


Determinadas questões podem tornar-se uma representação do medo e, diante delas, fraquejamos. Quantas mãos atadas ou testas suadas diante da prova escolar, da seleção para a Universidade Pública ou para um emprego, confirmam. Algumas são [re]correntes.

Insegurança é um fator indispensável para ativar os centros de avaliação que possuímos e simultaneamente o poder decisório do encarar ou escapar. Desqualificar um mecanismo que é indissociável aos seres vivos é ignorar seu papel, desde a preservação da vida até na composição de estratégias vencedoras de uma realidade adversa.

Nas artes, quando se identifica elementos-chaves ou palavras que reaparecem com frequência na obra de um autor, deve-se propor uma avaliação: é preguiça (repetição de algo que funcionou antes) ou demonstra o 'ainda' não se alcançou — possui outros contextos, afirmando um processo em desenvolvimento para a sua superação?

Nas religiões, pensamentos místicos se referem a recorrência como carma, algo que em diversas vivências é preciso superar para evoluir.

Há casos onde a recorrência desmascara a covardia, a preguiça, a vontade de impotência (ela existe sim: 'ignorância é uma benção!').

Na vida, o processo de aprendizado é uma determinante e a transformação adaptativa ou superativa é uma imposição da natureza. Ignorar tal fato é sofrer consequências dolorosas — 'o que não se aprende pelo amor, a vida ensina pela dor'. Espécies se extinguiram por conta dessa verdade.

Todavia — e como aprecio quando leio isso — não se obtém solução diversa repetindo-se os mesmos procedimentos ou práticas. É preciso permitir uma abertura ao inusitado, ao diferente, ao adverso, ao estranhamento. Do que vestir a o que falar, quem acolher, experimentar é a porta que abre a passagem para a novidade: a mudança de paradigmas.

Mas não é um vale tudo acrítico. Como tudo na vida, deve estar sob o crivo de uma avaliação crítica. Por isso, esta deve estar sob constantemente aperfeiçoamento e aliada à consciência ética e moral — ainda somos seres sociais.

Wellington de Oliveira Teixeira, em 19 de junho de 2016.

* Artigos que permitem uma introdução interessante sobre as Ladeiras escorregadias proposta pelo Thomas S. Kuhn encontra-se em O legado de Thomas Kuhn após cinquenta anos e Síntese de A Estrutura das Revoluções Científicas, de Thomas Kuhn

4 de jun. de 2016

Efervescências produtivas

Efervescências produtivas, criado por Wellington de Oliveira Teixeira em 04-06-2016
Efervescências produtivas*, criado em 04-06-2016.

O mundo grego é um mundo em que a lei vem sempre em segundo lugar; ela é a potência secundária em relação ao logos que abrange o todo e o refere ao Bem. […] Parece que a consciência moderna do antilogos impôs à lei uma revolução radical. Na medida em que ela rege um mundo de fragmentos não totalizáveis ou totalizados, a lei se torna primordial; ela não diz mais o que é bom, mas é bom o que diz a lei.
(Gille Deleuze — Proust e os Signos, p.130)


Insistir e reproduzir o mesmo é algo antinatural, o modo da natureza agir é produzir novos equilíbrios pelo encontro de elementos parciais e diferenciados, que podem ser de composição ou de decomposição, de união ou de separação, de fortalecimento ou enfraquecimento.

Me encanto de ver um comprimido de vitamina C na água, as pequenas bolhas que, lá do fundo, vão alcançando a superfície. O desgaste do comprimido foi necessário: gerar é [re, de]compor — é assim 100% dos processos que ocorrem nos seres vivos e no mundo mineral.

Sob um olhar atento, processos sociais são nascedouros: circunstâncias, práticas e seus efeitos promovem a gestação do necessário — sementes que abrigam a transição e efetuam a transformação.

Moralizar ou valorizar previamente, além de atrapalhar, deforma a visão do acontecimento. Não se entristece por células da pele, da unha, do cabelo descartadas. Inclusive, isto é a reafirmação da vida: novas composições entre os elementos, surgimento do diferenciado e manutenção das condições para a sua perpetuação.

Agir pedagogicamente é identificar, na fonte, as potencialidades, suas condições e apenas interferir para interceptar as forças que as podem degradar ou enfraquecer.

Não imponha seus conceitos, suas valorizações, suas formas de conquista. Foram úteis e fundamentais à você. Reflita cuidadosamente: cabe ao aprendiz ser dono de seu processo de maturação, não ao mestre determiná-lo.

Wellington de Oliveira Teixeira, em 04 de junho de 2016.

* efervescência
1.evolução de um gás borbulhante em um meio líquido, por efeito de diminuição da pressão ou de ação de um agente químico.
2. ato ou efeito de ferver; ebulição, fermentação.
3. fig. inquietação do espírito; comoção, excitação.

23 de abr. de 2016

Símbolos para exclusão e eliminação

Marcas da exclusão, criado por Wellington de Oliveira Teixeira em 23-04-2016.
Marcas da exclusão *, criado em 23-04-2016.

Virgílio Gaivota, você tem a liberdade de ser você mesmo, seu verdadeiro ser, aqui e agora, e nada pode detê-lo. Esta é a Lei da Grande Gaivota. A Lei que É.
— Está dizendo que eu posso voar?
— Eu digo que você é livre.
Tão simples e rápido como essas palavras, Virgílio Gaivota abriu as asas, sem esforço, e ergueu-se no ar. O bando, adormecido, foi acordado com o seu grito, tão alto quanto ele pode articulá-lo, de 150 metros de altura:
— Eu posso voar! Escutem! EU POSSO VOAR!

(Richard Bach — Fernão Capelo Gaivota, p.81)

Uma marca, uma runa ou um ídolo, potencialmente, carregam uma mensagem positiva. E muitos acreditam que gerar um símbolo para representar ideias essenciais à vida pode perpetuá-las. De um modo fatal, corrompidos pela ideia de difundir e preservar as suas, ignoram que pessoas diferentes também constituirão símbolos para representar ideias de igual importância. Pior. Boas ideias, consumidas por más interpretações, transformam-nas em motor de perseguições.

Os conceitos não são errados ou ruins. É que humanos são mestres em esquecer os princípios originários, assumir postos de guardas ou representantes e adotar práticas que não os corroboram. Por isso, a história elenca diversos tipos de cruzes e cruzadas. Também o é na atualidade. E em comum, como legado inegável, fica o rastro de agressões e mortes.

De novo, vemos cores ou símbolos utilizados para a segregação. Racha-se os fundamentos e as essências — igualdade, liberdade, fraternidade, por exemplo — seguindo-se lideranças ou representantes que, dizendo incorporar tais conceitos, encaminham a população em direção oposta. E vertemos, em nome do amor, o ódio; citando divindades ou afirmando retidões, a exclusão.

Hipocrisias modernas, elegemos corruptos para agirem em conformidade com o que pensamos, não em nome da verdade — o egocentrismo sacraliza o inenarrável. Se é bom para mim, não interessa se produzirá o bem-estar coletivo. Ignora-se até o princípio considerado essencial, o de amar, simultânea e igualmente, ao próximo.

Sistemas, causas, ideologias precisam se manter na esfera de conceitos e irradiar sua energia impregnando ações diretamente conectadas com eles. Não precisamos de líderes, de representantes, regentes se apropriando da fé das pessoas e induzindo-lhes a práticas nefastas. É necessário apenas pessoas que se conscientizem de sua humanidade, que busquem de forma saudável dar vazão aos sentimentos de ódio produzidos pela realidade e não projetá-los em um outro (só porque ele é diferente).

Os fim-de-mundo constantes em todas as profecias reafirmam isso: é um fardo humano corromper tudo o que objetiza. Ao sair da grande esfera dos absolutos ou dos incorpóreos e ganhar status de símbolos humanificados, estes incorporam as graves doenças de alma daqueles que os estabeleceram. Ao fim, destruição e desagregação: irmão contra irmão, filhos contra pais, amigos transformados em inimigos e, todos os que ficarem à margem, excluídos ou eliminados.

Wellington de Oliveira Teixeira, em 23 de abril de 2016.

* Há uma forma especial de expressão da ambiguidade da inclusividade nas igrejas, que é a exclusão das pessoas que professam uma fé diferente. O motivo disso é óbvio: toda igreja se considera uma comunidade de fé sob um conjunto de símbolos, e exclui símbolos concorrente. Sem esta exclusão, ela não poderia existir. Mas esta exclusão a torna culpada de uma adesão idólatra a seus próprios símbolos historicamente condicionados. Por isso, sempre que se faz sentir a Presença Espiritual, começa a autocrítica das igrejas em nome de seus próprios símbolos. Isso é possível porque em todo símbolo religioso autêntico há um elemento que julga o símbolo e aqueles que o usam. O símbolo não é rejeitado, mas criticado e, com isso, transformado. Ao criticar seus próprios símbolos, a igreja expressa sua dependência da Comunidade Espiritual, seu caráter fragmentário e a contínua ameaça de incorrer nas ambiguidades da religião que deveria combater.
(Paul Tillich — Teologia Sistemática, p. 653)

22 de abr. de 2016

Histórias interrompidas

Torturados, criado por Wellington de Oliveira Teixeira em entre 16 e 22-04-2016
Torturados*, criado entre 16 e 22-04-2016

Corpos distorcidos, desfigurados
ocupam valas, sem cerimônias, largados
irreconhecíveis ou carbonizados;
mentes laceradas, mutiladas,
almas despersonalizadas;
famílias desconfiguradas,
histórias interrompidas e
a sociedade se cala, corrompida.
(Wellington de Oliveira Teixeira — Torturados)


É impossível aceitar a relativização, comparações espúrias: tortura não é batalha, não é combate, não é disputa de projeto, não é ideologia, não é meio mas um fim em sim mesma que satisfaz os que dela se comprazem e não apenas os que a perpetuam.

Talvez seja demasiado humana, o fundo do esgoto da alma que brota, emerge, alcança a superficialidade e os discursos dos que não merecem respeito nem consideração, mas que consciências midiatizadas adotam.

— ainda assim, insisto em provocar-lhes o mínimo de sentimentos, desempedrar seus corações, minimizar sua cauterização, exercer de modo consciente um amor que vê o que os olhos não mais conseguem, a mente declina, a alma afasta. Não busco afirmação no campo moral ou pessoal. Sou movido pela ética da vida: toda e qualquer vida é importante, não apenas aquelas que eu avalio sob qualquer ponto de vista.

O faço por consciência de que sintonizar tal frequência de energia promove o absorver, o contaminar-se e submergir em sua podridão. É preciso resistência à barbárie. Os recursos do conhecimento atual não disponibilizam solução, mas em algum momento o poderá fazê-lo. Sonho com a cura para esses indivíduos cujos transtornos mental, de alma e espírito os impelem a incessantemente atuar ou apresentar suas grotescas ideias como se fossem admissíveis.

Antes que me acusem de passividade ou inatividade perante os descalabros presenciados na Casa (que deveria ser) do Povo, vou lutar com peito aberto contra o produto da degenerescência da alma que ainda acalenta correntes de pensamento — extremismos e fundamentalismos estão varrendo a humanidade, e têm representantes bem claros no país.

Mas é inegável que o golpe já foi perpetrado, a beleza de alma foi corrompida, basta ver a nova geração adotando a apologia da tortura. Espíritos embotados, são frutos das hipocrisias e dos discursos de ódio que penetraram a divisão da alma e do espírito envenenando a fonte da vida.

Em outro momento, isso bastaria para eu baixar os escudos, encostar armas e afirmar 'que recebam a sua recompensa'. Só que isso não é uma luta pessoal, urge me superar. Adoto a via do retiro e do silêncio interior que permite manipular o fluxo que percorre todos os seres. Ao acendê-lo, reaprendo que ele é de vida e não de morte!

Uma decisão soberana finalmente ocorre: avaliar as peças espalhadas e o estrago produzido; afirmar que não é de salvadores de pátria que precisamos, é de uma frente coletiva de sujeitos do próprio processo de vida; visibilizar em conjunto a atuação de uma vontade potente para reencaixá-las.

Não é momento para esmorecer o ânimo (guerreiros não desperdiçam o precioso tempo que possuem). Una-se aos que promovem vida e harmonia, que respeitam as singularidades que fortalecem, combinam e compõem e, por esclarecimento, convença os que lutam pelo contrário.

Wellington de Oliveira Teixeira, em 22 de abril de 2016.

* Convido todxs a clicar na imagem e observar os detalhes espalhados (há uma versão maior disponibilizada em separado)

3 de abr. de 2016

Escudos e barreiras

Escudos, criado por Wellington de Oliveira Teixeira em 26-03-2016.
Escudos, criado em 26-03-2016.

Barreira
Obstrução, alfândega (posto fiscal), controle de tráfego, trincheira, limite, linha de defesa (futebol). tudo que for usado para definir certo fluxo de elementos, impedindo alguns e permitindo outros e definindo quantidade e velocidade necessárias a um determinado equilíbrio.


Assistir filmes de ficção científica ou de batalhas ajuda a perceber a importância dos escudos como mecanismo de defesa. Assim como ter contato com alguns casos de transtornos mentais, para constatar que seu uso exagerado promove o aprisionamento em seu interior.

A natureza ensina a necessidade das trocas que fortalecem, nutrem e geram a capacidade de enfrentar elementos hostis que ultrapassam a verificação inicial enganando o sistema de defesa.

Relacionamentos desequilibrados intoxicam a alma: quem por paixão abriu mão de si, o atesta. Por falta de maturidade ou por desconhecimento que o mundo se sustenta nas trocas balanceadas, muitos agem impulsivamente e avançam para os extremos — aqueles pontos que fogem à interação da razão com a emoção. Aliás, são as intempéries emocionais que fazem com que alguém se afogue ou não escape de um incêndios, mesmo quando a solução está ao alcance e evidente.

A vida plena é obtida pelo equilíbrio. Ao contrário de hospitais, onde as pessoas estão com sua imunidade incapacitada, nos ambientes cotidianos assepsia demais é contraproducente: uma pequena dose dos 'maus elementos' ensina o corpo a se defender — o princípio das vacinas.

Permeabilidade é uma palavra para determinados mecanismos de trocas. Na biologia, a semipermeabilidade é a capacidade de filtrar as quantidades em nível ideal dos elementos que entram, erguendo uma barreira contra os excessos. Uma alegoria que pode e deve ser usada em relação ao mundo atual, onde os extremismos estão nos reconduzindo à barbárie(*), é a de vírus e bactérias, que convivem harmonicamente em nossos corpos, tornam-se inóspitos quando se reproduzem massivamente produzindo doenças crônicas ou fatais.

Ao invés de omitir-se, ignorar ou se fechar como proteção, é mais eficiente gerar colaboração, reunir forças para gerar um escudo de positividade, as redes de intervenção e apoio aos submetidos às adversidades, aos ódios, às intolerâncias, aos preconceitos e agressões.

Em outro front de atuação, de modo similar ao aprendizado do corpo humano, que aos poucos discerne o que é veneno do que é alimento, a quantidade da droga que cura da que mata, campanhas de esclarecimento podem minimizar os descontroles via multiplicação: cada um que aprende ensina a vários outros.

Promover o equilíbrio consciente e crítico entre uma ação e a reação desencadeada pode ser o ponto chave para evitar os desgastes, as iras despropositadas, as más interpretações, os desentendimentos e as agressões. Isso porque para ser saudável, em todos os níveis, agir preventivamente é tão eficaz quanto ter um escudo de alta capacidade. Ou mais.

Wellington de Oliveira Teixeira, em 03 de abril de 2016.

* Adorei reencontrar você, minha linda Simone!

2 de abr. de 2016

A produção do indigno

Indigno, criado por Wellington de Oliveira Teixeira em 01-04-2016.
Indigno*, criado em 01-04-2016.

[…] temos por dignidade da pessoa humana a qualidade intrínseca e distintiva de cada ser humano que o faz merecedor do mesmo respeito e consideração por parte do Estado e da comunidade, implicando, neste sentido, um complexo de direitos e deveres fundamentais que asseguram a pessoa tanto contra todo e qualquer ato de cunho degradante e desumano, como venham a lhe garantir as condições existenciais mínimas para uma vida saudável, além de propiciar e promover sua participação ativa e co-responsável nos destinos da própria existência e da vida em comunhão com os demais seres humanos.
(Ingo Wolfgang Sarlet — Dignidade da Pessoa Humana e Direitos Fundamentais na Constituição Federal de 1988, p.62.)


Reunir-se em territórios constituídos como guetos, em diversos países do mundo, é a única forma admitida para os que não se submetem à normatização heterossexual exclusiva ou aqueles que por sua natureza não conseguem atuar nela. O intuito explícito é o de impedir nas cidades a visibilização ou manifestação da afetividade por grupos minoritários.

Uma onda mundial de conservadorismo exacerbado está promovendo leis restritivas (inclusive a de pena de morte), obliterando a dignidade humana e impedido a cidadania plena para uma parcela da população. Retorna os discursos do determinismo do rosa e do azul, do tipo de brinquedos ou formas de brincar impostos desde a mais tenra infância. No fracasso dessa tentativa, a idealização de uma cura para o que não é doença. Por fim, a expulsão para as zonas cinzentas das cidades, os cantos escuros, o lado sem cor e convívio — a vivência sob a égide do segregado, do oculto e do escondido.

Na contramão dessas atrocidades, diversos indivíduos, grupos e organizações de apoio têm constituído redes de intervenção e de apoio visando minimizar os efeitos deletérios dos preconceitos. Campanhas ininterruptas de esclarecimento contra a intolerância tentam construir um mundo onde a qualidade humana de todos prevaleça e o diverso não seja mais o errado, o pecaminoso ou o indigno.
Oculta o sorriso, atua implícito;
o vero omitido, com duplo sentido
só vive o não dito.
Se torna esquizo.

Na sombra recluso, andar clandestino,
expulso sem culpa de ser subversivo:
um ser proibido, por ódio ferido,
marcado e sofrido.

O grito contido, o medo retido,
convívio restrito, descobre escondido
soturno e furtivo,
um gueto esculpido.

Wellington de Oliveira Teixeira, em 01 de abril de 2016.

* 'A produção do indigno', poesia e artigo, é um questionamento dos discursos de intolerância e preconceito que (inclusive por meio da força bruta) enviam para a clandestinidade as expressões afetivas fora da heteronormatividade. A cidadania plena dos gays, lésbicas, trans e variantes é um desafio que precisa ser encarado de forma consistente e contínua.

24 de mar. de 2016

Incômodo essencial

Aguilhões, criado por Wellington de Oliveira Teixeira em 24-03-2016.
Aguilhões*, criado em 24-03-2016.

— Eu não entendo como você consegue amar um grupo de pássaros que há pouco tentava matá-lo.
— Oh, Francisco, a gente não ama isso! A gente não ama ódio e maldade, claro. A gente tem que praticar e ver a gaivota autêntica, o bem em todas elas, e ajudá-las a vê-lo em si mesmas. Foi isso que eu quis dizer com amor. E é divertido quanto a gente pega o jeito da coisa.
— Eu me lembro de um pássaro jovem e feroz. Francisco Coutinho Gaivota era o nome dele. Acabara de ser declarado Pária, estava pronto para enfrentar o Bando até a morte, prestes a começar uma vida infernal nos Penhascos do Fim do Mundo. E aqui está ele hoje, construindo seu paraíso particular e liderando o Bando inteiro na mesma direção.

(Richard Bach — Fernão Capelo Gaivota, p.90-91)


Pouquíssimas pessoas que conheço esforçam-se diariamente para alcançar um nível superior de vida — em meu entendimento, a correção de atos e atitudes e a compreensão de participar de um universo onde cada um é um mundo único. Mesmo esses, sem prepotência, confirmaram que são visitados por um sentimento de inadequação: seres iluminados culpando-se por não terem alcançado níveis mais elevados — como eu entendia erroneamente.

Demorei assimilar esse incômodo como um instrumento de alerta para desprezar a incompletude: não basta aonde se chegou ou o que se alcançou, tem um novo estágio de vida reluzindo adiante e, mais do que convida, nos seduz para ir ao seu encontro. Enrosquei-me numa espiritualidade da degradação definitiva da vida, até perceber que essa interpretação não contribui para acender a vontade de, passo a passo, melhorar.

Além da afirmação da incapacidade, em seu bojo trazia a desqualificação de nossas capacidades como seres humanos. Política e economicamente aliada a interesses desprezíveis, tornou-se um mecanismo de controle e de apropriação do caminho de cada um. Mascarado como solução miraculosa, despreza as trajetórias individuais, gerando culpabilização, destituindo o ser de sua responsabilidade de constituir-se um ser mais pleno. Se tudo está fora de suas capacidades, nada pode ser feito: o ideal é inalcançável porque está em um outro universo.

Esse incômodo, se definido como culpa, beneficia apenas quem a promove. Proponho, então, uma outra forma de encará-lo. Ele é a capacidade da consciência humana de ajuizar e avaliar criticamente o esforço despendido e os resultados alcançados num trajeto.

Me reporto às oportunidades onde calma e a paz surpreendem ao fim de alguma etapa. Uma sensação como um toque na alma que se torna a sua validação. Algo como 'Você foi capaz, não desista, não paralise. Há mais!'. Assim, por mais exausto por conta dos desafios, você se ergue pra encarar o seguinte; evolui, amadurece e sobrepuja o que um dia acreditou ser impossível.

Desde que nascemos, vivenciamos isso. Superação está na ordem do dia dos seres humanos. O aprendizado de como agir e pensar resultou de não nos determos. O incômodo nos leva àquilo que ainda não alcançamos.

Modifique seu dicionário. Plenitude é ultrapassar o lugar onde se está e conseguir percorrer o espaço que o separa do que está adiante. Acolha o potencial positivo desse incômodo, a perfeição é a justa medida de conseguir se realizar ao alcançar o uso total e estratégico de uma — dentre as infinitas — potencialidades humanas.
Wellington de Oliveira Teixeira, em 24 de março de 2016.

* Uma espécie de lança cuja função é forçar os animais, pela dor, a seguir um certo trajeto. A expressão bíblica 'recalcitrar contra o aguilhão' atualizada assimila-se a 'dar soco em ponta de faca' e carrega o conceito de que fugir da retidão causa dor.
Pelas vias social e íntima, o conceito refere-se à punição legal pela quebra das regras sociais; no foro íntimo (o da internalização das leis), à culpa — consequência do erro produzida pelo tribunal da consciência.
Quero propor uma terceira via, a inquietação que ocorre ao se falhar é um instrumento natural de aprimoramento pessoal. Esse artigo procura trazer essa ideia à tona.

19 de mar. de 2016

Uma democracia iniciante irá cometer erros

Polarizando, criado por Wellington de Oliveira Teixeira em 19-03-2016.
Polarizando, criado em 19-03-2016.

polarização
1. ação de polarizar ou estado daí resultante.
2. concentração em extremos opostos do que antes estava alinhado, inclusive a divisão entre as opiniões.


A polarização é algo incrível: algo confirmado por torcidas de futebol. Na época em que os jornalistas opinavam em tabloides sobre a rodada semanal, havia o conceito de 'amor à camisa é fundamental' e o torcedor atento se apropriava de tudo a respeito do seu time (e de adversários), usando-o para fazer comentários, argumentar e realizar apostas.

De repente, empresas passaram a deter o controle sobre os jogadores, ao oferecer salários mirabolantes. Estes deixaram de jogar pelo time e o cenário esportivo mudou. A mídia hegemônica passou a deter o controle das grandes competições por meio de seus representantes nas confederações. Houve críticas, é claro. Mas elas se encarregaram de abafá-las. A corrupção se alastrou, todos sabiam, mas o que fazer?

Bem, espero ter captado a sua atenção com essa analogia ou ilustração. Vale mais a dança das polarizações que a apatia, seja no futebol ou na política. Quem viveu os tempos do silêncio (a Ditadura Civil e Militar no Brasil) conheceu a necessidade das palavras cuidadosamente ditas para o monstro não vir pegar, torturar e matar.

Mas, aos poucos, iniciou uma mudança de rumo no país. A liberdade de falar evoluiu, o mesmo não aconteceu — ainda — em relação ao domínio das artimanhas político-midiáticas. Comum, na época dos governos do PSDB e PFL (atual DEM), toda corrupção era ocultada, engavetada até a prescrição ou arquivada. Não havia procuradores desenvolvendo processos bem sucedidos de levar políticos ou empresários julgados à cadeia. Daí um desconhecimento geral sobre as manipulações do jogo político.

Acontecimentos atuais promoveram uma discussão ímpar no país: de donas de casa aos doutores e especialistas, todos podem ser protagonistas nas opiniões — inclusive quem foi pego de surpresa, tem a chance de se posicionar a favor ou contra vendo as argumentações expostas.

De mais importante, a ampliação das informações abala o poderoso discurso produzido pela mídia hegemônica, usando como meio a internet e as novas tecnologias: notícias falaciosas são desmentidas por fotografia ou filmagens, instantaneamente enviadas do local; questionadas por qualquer um. Mesmo assim, a preponderância ainda é das análises emitidas pelos jornais de canais abertos de emissoras de TV.

Nem tudo são flores, é verdade. Deslizando no vai e vem do 'contra' ou 'à favor', o uso político dos boatos e o discurso do 'supostamente' se infiltra, domina e acirra os ânimos. Quem pode financia postagens em redes sociais para induzir determinado ponto de vista. O bom é que elas quase sempre encaram o contraditório, o questionamento, a crítica. Enquanto puder ser assim o esclarecimento pode ocorrer.

Mantenho um ponto de vista — até quando eu puder — uma democracia iniciante irá cometer erros, mas há um novo elemento no cenário que pode fazer a diferença: a indiferença está sendo colocada de lado e a corrente ('pra frente' ou 'pra trás', eu não sei!) percorre a população.

No mínimo, o retorno dos estudantes às ruas, exigindo seus direitos constitucionais na luta por Educação de qualidade — enfrentando corajosamente políticos poderosos e suas artimanhas deletérias — e se tornam, para mim, a Voz de um povo que começa a ser escolarizado. Uma voz difícil de ser calada, mesmo com interesses financeiros escusos tentando.

Wellington de Oliveira Teixeira, em 19 de março de 2016.