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29 de out. de 2017

Sustentável, renovável e includente

Sustentável, criado por Wellington de Oliveira Teixeira em 28-10-2017.
Sustentável *, criado em 28-10-2017.

A esquizoanálise tem um único objetivo, que
a máquina revolucionária, a máquina artística, a máquina analítica
se tornem peças e engrenagens umas das outras.

(Deleuze — Conversações)


O corpo, a alma e o universo se estruturam em uma intricada trama, como a teia de uma aranha. Bastam pequenas falhas para promover a perda do equilíbrio e paralisia parcial ou global, em qualquer dos sistemas, levando ao colapso da estrutura maior. Ou exatamente o oposto: a geração de um novo equilíbrio.

Nem percebemos, mas é necessária uma imensa rede para permitir qualquer tipo de movimento a um corpo – sentar-se, ficar ereto e de pé ou deitar-se. Um eixo central necessita efetuar troca fidedigna de informações, numa comunicação em frações de segundos, com todo os outros elementos participantes.

Um sistema precisa atuar autonomamente e, simultaneamente, integrado completamente aos outros: sistemas que cuidam da energia e de sua distribuição, das informações externas e internas e das decisões decorrentes delas, visando sobrevivência, reprodução e satisfação de um corpo.

Há uma infinidade de sistemas galáticos que se sustentam pelo equilíbrio entre as forças integradoras de suas estrelas; as órbitas são efetivadas com precisão e, no processo, a manutenção, absorção e o surgimento de novos astros estruturam o Ser Universal.

O mundo psíquico é habitado por uma espécie de usina que produz desejo e exige a sua satisfação: sentidos captam e geram um mapeamento do mundo e este se torna a nossa percepção, o nosso referencial de existência – definem o que é necessário e, mais do que estimulam, determinam a sua obtenção. Fluxos de desejos, integrados em um nível superior no corpo humano, o impulsionam a estar vivo.

Somos seres movidos por desejos e, sem eles, não há sustentação da vida, não há constituição de sociedade, não há preservação como espécie, nem a produção do novo. Seres humanos aprenderam a conter sua bestialidade em prol da vida comunitária, só que, mesmo habitando o calabouço da alma, ela está lá, aguardando a brecha para se expressar. Há fluxo de desejo que, quando reconhecido, precisa ser contingenciado a determinados contextos; outros, contidos; mas é preciso dar espaço para os impulsos criativos e reordenadores.

Eu fundo a minha defesa da inclusão social aqui: cada elemento, mesmo os considerados de funções inferiores, são essenciais para a precisão dos sistemas. A sustentabilidade é o equilíbrio não apenas associado ao corpo individual e suas necessidades particulares, mas expande-se às de um conjunto de seres — a rede social, ou planetária, como no universo. Exclusões promovem desequilíbrios que, uma hora ou outra, irão decompor e desestruturar a rede de sustentação e preservação.

A renovação é outro ponto a ser esclarecido: é improdutivo apoiar-se em fundamentalismos. A defesa da reprodução do que já existe geralmente é embasada no seu valor passado. Não leva em consideração a caducidade e decrepitude contínua de um sistema. Os equilíbrios são dinâmicos, baseados na substituição dos elementos antigos e gastos por novos. O enrijecimento gera problemas em nível sistêmico. A história comprova a fatalidade de impedir o novo, com inúmeros fatos de momentos e locais diferentes. Como diz um ditado: errar é humano, a repetição do erro (pode ser por desinformação, mas quando não o é, não tenho medo de afirmar) é burrice.

Wellington de Oliveira Teixeira, em 28 de outubro de 2017.

* Insistir em vias que se tornaram inócuas não produz efetividade. Sua substituição, criteriosa, é fundamental. Todo e qualquer sistema só se mantém a partir de sua renovação constante. No processo, se perde algo, mas o que ocupa o seu lugar tem potência para fazer valer a sua presença. O medo da mudança e da transformação é o que gera os piores inimigos da vida, de acordo com a história humana.

22 de out. de 2017

Filhos da Revolução

Filhos da Revolução, criado por Wellington de Oliveira Teixeira em 21-10-2017.
Filhos da Revolução, criado em 21-10-2017.

Quando nascemos fomos programados a receber o que vocês nos empurraram com os enlatados dos U.S.A., de nove às seis: desde pequenos nós comemos lixo comercial e industrial.
Mas, agora, chegou nossa vez: vamos cuspir, de volta, o lixo em cima de vocês!
Somos os filhos da revolução, somos burgueses sem religião, somos o futuro da nação: Geração coca-cola.
Depois de 20 anos na escola não é difícil aprender todas as manhas do seu jogo sujo – não é assim que tem que ser!
Vamos fazer nosso dever de casa e aí, então, vocês vão ver suas crianças derrubando reis, fazer comédia no cinema com as suas leis.
Somos os filhos da revolução, somos burgueses sem religião, somos o futuro da nação: Geração coca-cola.

(Legião Urbana — Geração coca-cola*)

Estou idoso (para além da metade aceitável dos anos de vida que ainda me permitem a expressividade plena) e meu olhar ousa escapar das verdades que foram estabelecidas para esse momento histórico. Prefiro uma percepção de eternidade – um olhar que não se deixa capturar pelas imposições instantâneas e temporais e ousa usar tudo disponível como propulsor visando um novo entendimento. Sou irascível, sim! (me irrito com facilidade diante de fundamentalismos e extremismos). À impressão que eu tenho, sou odiado por muitos, amados por poucos e para ninguém ocupo a posição de alguém que abriu mão de ser verdadeiro: quando disputam ou brigam comigo, eu sinto o seu cuidado em primeira mão.

Liberdade, Beleza, Verdade e Amor, os ideais dos Filhos da Revolução, Paris em 1900. Eles chocaram os valores padrões de sua época, no mundo todo. O que àquela época e atualmente se esquece, a extravagância dos jovens e sua chama deve ficar intocada pelos poderosos abraços da estabilidade e das convenções sociais que move o mundo. Replicada em tantos momentos da história, a sua força genuína promoveu o cerne dessa espetacular fonte de transformação social: a ruptura para efetuar a evolução (só de vez em quando, retrocesso!).

É preciso não desvalorizar os discursos e suas lógicas, razões e provocações íntimas que constituíram a representação do pensamento estabelecido por uma geração. Como a da atual. Mas, por favor, entenda que, em todas, os avanços também foram frutos da ruptura com os valores anteriores.

Exageros à parte (concordo com o Cazuza: jovens são exagerados – e tenho uma certa saudade disso!), com todos os possíveis erros e retornos indesejados (o conhecimento histórico não é o forte de qualquer nova geração!), eles investem a alma naquilo que acreditam (e é fundamental não dizer 'para o bem e para o mal', aqui.).

Constantemente preciso me recordar desse fogo que abrasou a minha alma para não cair em tentação de desacreditar da juventude: o tentar (errar e acertar), o tempo e o espaço pertencem a eles, não a nós os idosos (menos ainda aos que se permitiram ser velhos, qualquer que seja a sua idade.).

Virar a página sempre será necessário, do contrário todas as emoções que nos aguardam se tornarão frases repetitivas sem conteúdo: que o mundo deles seja exatamente o que seu investimento (pensamento, seu suor e sua luta) conseguir obter, não mais! Não importa o quanto esse meu sentimento – pleno de amor – lhes deseje um mundo perfeito. Faço uma pausa de declarar: 'Essa é a grande utopia: sonhar com um mundo melhor para as gerações que nos seguem! (estou sentindo, mas do que pensando, nos sobrinhos(-netos) e netos, afilhados e, em especial, nos encontros de alma – aqueles que se estruturaram por um duplo-coração desejando.]'.

Escrevo em um computador cujo núcleo (somente neste instante) poderia ser considerado de 'última geração', com uma tela que reflete o máximo possível de pixels, e com isso, detalhes de cores e profundidade. Aprecio profundamente o que o novo traz à vida, sem abrir mão da crítica ao que isso provoca ao (meio) ambiente. São eles, xs meninxs de hoje, xs capazes de rejeitar os refugos como aceitáveis, são elxs que exigirão a sustentabilidade da vida (corpo, alma e espírito), que nós arduamente lutamos para que se tornasse a pauta de qualquer investimento.

Eu amo a meninada. Isso eu me permito todos os dias: conviver com os possíveis seres pensantes que radicalizarão a verdade e não os discursos fundamentalistas que visam a desagregação humana. Me integro e me entrego de corpo e alma em prol da vida igualitária, dos processos de aceitação independente de diferenciação. Em qualquer nível!

Eu sou fruto de uma geração que questionou o estabelecimento de um padrão de individualidade e instituiu em seu lugar a subjetividade: só é possível dizer que há vida ser se houver, durante cada fase de estar, espaço para que o interior se expresse exteriormente – com ou sem críticas. Meus predecessores optaram por correr o risco de aceitar o risco de aflorar práticas doentias à escolher ocultá-las – e, com isso, avaliá-las e, quando necessário, curá-las (ou demonstrar que foi essencial liberá-las!).

Continuo lutando (dói mais agora que antes): eu me recuso aceitar a fragilidade (mesmo que a natural), prefiro a cabeça erguida. Fui precedido por exemplos valorosos que estão incrustados em minha alma e no meu corpo. Mas, meu compromisso não é com eles, do mesmo modo que o deles não foi apenas comigo – o mundo precisa de transformadores e vale ousar ceder a energia que me move em prol deles. Vai dar certo? Claro que não: o mundo nunca será perfeito!

De tão difícil entendimento, o avanço é o que mantém a vida; a diferenciação é a única porta para a transformação. Vejo entristecido os que, todos os dias, ouvem e reproduzem aquele discurso de que 'se não fizer diferente, o resultado vai ser o mesmo' e, por incrível que pareça!, em sua maioria, imploram pela escravidão da repetição e não pela liberdade. Ser idoso tem algo de bom: eu posso, ao olhar para o passado, dizer: 'nada mudou!'.

Wellington de Oliveira Teixeira, em 22 de outubro de 2017.

* Ainda hoje, não se compreende esse genial sarcasmo do escritor e músico Renato Russo: os filhos dos ricos cheiravam Cocaína e os dos pobres cheiravam a Cola de sapateiro, e formavam a nova geração, modelada pelos 'enlatados' – programas de TV americanos, que são reproduzidos no país desde a época da Ditadura Militar.
Em sua visão, a arte (a música e o cinema, em especial) seria o veículo da crítica aos padrões estabelecidos (e corrompidos).

19 de out. de 2017

Despersonalização induzida

Despersonalização induzida, criado por Wellington de Oliveira Teixeira em 17-10-2017.
Despersonalização induzida, criado em 17-10-2017.

Fundamentalismo:
Qualquer grupo religioso ou movimento étnico que acredita nos seus dogmas como verdade absoluta, indiscutível e objetiva voltar ao que são considerados princípios fundamentais, ou vigentes na fundação do determinado grupo.
Extremismo:
Quando o fundamentalismo ultrapassa as fronteiras de seu próprio grupo e inclui impor aos outros suas crenças; descarta o diálogo social atuando, inclusive violentamente, para determinar seu pensamento e sua fé como únicos.

Cessar a predação em prol da cooperação é o objetivo básico da adoção das ideias societárias onde a proteção se estabelece para todos em seu interior. Mas a civilização não é algo definível como universal se avaliarmos os diversos modos de agrupamentos humanos existentes e os produzidos intencionalmente na atualidade.

As imposições por dominação retiram dos seres humanos o mínimo necessário a sua integridade física. Sociedades regidas com despersonalização, empobrecimento, desnutrição e sob armamentos não se incluem no ideal (nem sequer o tangenciam) civilizatório. É preciso identificarmos os controles sociais como um poderoso armamento: os fundamentalismos extremistas e as ditaduras se estabelecem por seu intermédio.

O contrassenso se manifesta no fato de que sociedades avançadas em civilização promovem a descivilização, fomentando colocar seres humanos à margem do mínimo necessário para obtenção de lucros. O apoio (inclusive militar) às ditaduras facilita a extração dos bens nacionais, a utilização de pessoas como cobaias de experimentos laboratoriais, apenas para citar algumas das práticas que se incluem numa imensa lista para a manutenção de seus interesses.

Por fim, um paradigma tanto tortuoso quanto vil estabelece que há vidas que valem mais (e outras que não). Quanto vale 30 mortos nos EUA ou na Europa e quanto valem as vidas da Somália é algo determinado pelo Mercado, o único juiz absoluto da atualidade. Se é vendável, há produção de comoção, do contrário, usa-se o viés do encobrimento, da ocultação do fato nas manchetes dos poderosos meios de comunicação (leia-se, manipulação!) que atravessam a nossa civilização capenga.

Se o objetivo era a proteção da prática predatória, mas esta se estabelece em mentes e coração num outro nível (uma vida se torna descartável se não produz mais riquezas!), a imposição do mais poderoso é a barbárie institucionalizada.

Ou reacendemos em níveis mais fortes as ideias democratizadoras, as práticas de questionamentos e de críticas embasadas, ou, muito em breve, esse encabrestamento do pensamento e das liberdades individuais extremista irá produzir consequências deletérias para todos ao nosso redor. E iremos encarar, sofrendo, nossos jovens e adolescentes expostos, incautos, acreditando em sua imortalidade, sendo abduzidos, encarcerados e abusados* – simplesmente porque alguém poderoso desejou usar as facilidades que o poder absoluto e ditatorial permite.

Wellington de Oliveira Teixeira, em 19 de outubro de 2017.

* khaled Hosseini é originário de Cabul, no Afeganistão, doutorado em medicina. Suas memórias de um Afeganistão pré-invasão soviética, o colapso do regime Talibã e suas experiências pessoais o levaram a escrever o seu primeiro romance O caçador de Pipas, 101 vezes na lista semanal de dos mais lidos do mundo e número um em quatro delas. O filme aborda o poder destrutivo das crenças religiosas quando são levadas ao extremo do fanatismo. Importantíssimo para se entender (de forma menos traumática) a que leva o calar-se diante dos fundamentalismos extremistas.

14 de out. de 2017

Singular e Diferenciado

Emanações, criado por Wellington de Oliveira Teixeira em 12-10-2017.
Emanações, criado em 12-10-2017.

E no instante está o é dele mesmo. Quero captar o meu é. E canto aleluia para o ar assim como faz o pássaro. E meu canto é de ninguém. Mas não há paixão sofrida em dor e amor a que não se siga uma aleluia.
Meu tema é o instante? meu tema de vida. Procuro estar a par dele, divido-me milhares de vezes em tantas vezes quanto os instantes que decorrem, fragmentária que sou e precários os momentos — só me comprometo com vida que nasça com o tempo e com ele cresça: só no tempo há espaço para mim.
(Clarice Lispector — Água Viva, p.7)

Usa-se a palavra singular para um caso único e plural para vários. O universo gosta da singularidade. Não é necessário apelar ou usar de conceitos complicados para demonstrar que a única constante no universo é a diferenciação. Tudo nele é exclusivo e único: todos os seres são seus filhos 'unigênitos', para se usar um termo bíblico conhecido.

Haverá falhas em cada tentativa de se generalizar ou criar regras gerais porque, por maiores semelhanças que haja entre indivíduos de uma determinada espécie, estes nunca serão iguais.

Só vai adiante a diferença que permite se adaptar às transformações permanentes e, muitas das vezes, radicais em seu ambiente. Nem sempre se pode contar com a ideia de evolução – o caso quando dá certo uma determinada diferenciação –, na maioria das vezes, ocorre a regressão ou extinção.

O universo não perdoa, nem é gracioso nesse sentido. Sua graça e beleza está na forma igualitária com que dispõe os recursos. Qualquer um de seus elementos têm um campo de possibilidades literalmente infinito para se apropriar durante a sua duração ou tempo de vida.

Pode haver mais, Porém, duas estratégias são comuns (opostas, mas uma não exclui a outra): cooperação ou domínio-submissão. Em qualquer um, a sobrevivência (ou permanência) está na capacidade de composição, de fazer encontros para absorver ou trocar os elementos particularmente necessários.

Notadamente, os agrupamentos se constituíram como refúgio para escapar das dificuldades coletivas existentes. As variações individuais, como meio para melhor adaptação. Nos contextos menos radicais, avança quem combina as duas e, nos demais, aquele cuja diferença permite um encaixe melhor no quebra-cabeça que se formou.

Num universo onde não há Leis imutáveis, a única constante é a diversidade e quando essa determinação é quebrada o cronômetro da extinção se inicia. Isso porque a regressão também é uma forma de ir adiante: a fixidez e o imobilismo torna algo anacrônico, obsoleto, sem uso adequado *.

Se opor ao que é cronológico, num universo que exige continuidade e adaptação às novas necessidades, é decretar falência e morte. Não importa quão lento, é preciso mudar e se deslocar do anteriormente estabelecido, do contrário a vida cessa.

Wellington de Oliveira Teixeira, em 14 de outubro de 2017.
* Em grande medida, pensar cientificamente exige sair do lugar comum, do esperado (agradeço por esse aprendizado aos grandes pensadores – em todos os campos de conhecimento – da história da humanidade!). Mas é possível o esforço para gerar uma linguagem acessível, sem abrir mão do rigor necessário. Clinton Richard Dawkins é um divulgador dese tipo de conhecimento e sugiro a leitura de O capelão do diabo (uma coletânea de escritos). Há seriedade, mesmo nos muitos e controversos ataques a alguns pensadores. Não houvesse, perderia seu valor para mim. Vou em direção diversa da dele, mas suas críticas permitem aperfeiçoar minha lógica e fugir às armadilhas em que muitos caem ao recorrer apenas ao palavrório sem consistência.
Escrevendo com paixão e clareza, Richard Dawkins, um dos mais influentes divulgadores de ciência em atividade, não hesita em se posicionar perante temas polêmicos, sempre em busca da verdade científica:
O único membro da lista que é capaz de regularmente persuadir os neófitos quanto à sua superioridade é a verdade científica. As pessoas são leais a outros sistemas de crença pela simples razão de que foram criadas daquela maneira e nunca chegaram a conhecer uma alternativa melhor. Quando elas têm a sorte de poder escolher, os médicos e outros profissionais do gênero prosperam, ao passo que os feiticeiros entram em declínio. Mesmo aqueles que não têm, ou não podem ter, uma educação científica optam por se beneficiar da tecnologia que a educação científica de outras pessoas tornou disponível. É fato reconhecido que os missionários religiosos converteram um enorme contingente de pessoas em todo o mundo subdesenvolvido. Mas, se eles foram bem-sucedidos, não foi pelos méritos de sua religião, e sim devido à tecnologia de base científica que, compreensivelmente, porém ainda assim de maneira injustificável, trouxe reconhecimento à religião. (p.43)

Para dizer uma vez mais, a ciência não tem meios de responder se um aborto é um assassinato, mas ela pode nos alertar que talvez sejamos incongruentes ao afirmar que o aborto é um assassinato enquanto matar chimpanzés não é. É preciso ser coerente. (p.95)

11 de out. de 2017

Descrédito e Desistência

Impossibilidades, momentâneas criado por Wellington de Oliveira Teixeira em 10-10-2017.
Impossibilidades momentâneas, criado em 10-10-2017.

Apatia
Estado caracterizado por indiferença, ausência de sentimentos, falta de atividade e de interesse, insensibilidade, indiferença.
falta de energia (física e moral), falta de ânimo; abatimento, indolência, moleza.


Lutar é algo que não se faz com armas e, sim, com a vontade. Seres que a fortalecem possuem capacidade imensa de resiliência perante as impossibilidades momentâneas; são sempre capazes de constituir novas rotas quando a atual se desmorona – e o mais incrível, conseguem usar os destroços como ponto de partida*.

Um dos efeitos mais nefastos que eu conheço na vida é o imobilismo da catatonia depressiva: nada afeta, nada estimula, nada mais ganha valor. Acontece diante da repetição ou persistência dos elementos que enfraquecem as forças do desejo.

Desistência não é algo simples. Avançar é um imperativo da vida, que luta sempre contra os movimentos paralisantes. Porém, há forças políticas e sociais que promovem o descrédito continuamente. Importa a elas que a população fique imóvel, insensível à realidade, adotando a prática de quem já desistiu de tudo: apatia severa onde qualquer coisa serve, a despeito do mal que lhe cause.

Não importam os obstáculos, o nível de energia momentâneo, nem mesmo o grau de ignorância acerca do momento atual, quando a vontade se afirma e o desejo exige expressão. Há infindáveis possíveis querendo se realizar por aí, a despeito do que querem nos tornar e nos fazer acreditar, visando subjugar nossos sonhos.

Além disso, vontade pode e deve ser coletivizada. É possível criar uma rede de interlocução, de troca, de apoio e de transformação. É necessário desconstruir os discursos de 'verdades' absolutas que só enfraquecem o tecido social. Predeterminações e preconceitos são armas para gerar poder para muito poucos. Guerras nunca tem nada de 'santas', são sempre fruto do abuso do poder e da ganância.

Quanto mais vejo a promoção da inércia, fica mais clara a necessidade de me mobilizar para incendiar as vontades, produzir colaboração em todos os níveis. Parodiando o Lulu Santos, 'nós somos muitos, não somos fracos… nós somos um só coração sangrando pelo sonho de viver'**.

Wellington de Oliveira Teixeira, em 10 de outubro de 2017.

* Historicamente, a produção de falsidades induz ao descrédito, inclusive ao aprisionamento, de personalidades que lutam pelo direito popular: foi assim com Mahatma Gandhi, com Martin Luther King, com Nelson Mandela e tantos outros.
O mais impressionante é verificar que o recurso mais sistematicamente utilizado, atualmente, na internet, por quem tem condições financeiras, é o da compra de 'Curti' e de 'comentários e postagens favoráveis'. Robôs virtuais iludem a população sobre ser boa ou ruim, para a maioria, uma ideia, desconstruindo um dos conceitos mais importantes para a democracia.
Produzir, antecipadamente, a sensação de derrota tem sido a grande estratégia que despotencializa a vontade de luta e impede o melhor do esforço individual e coletivo. Recurso muito utilizado em todos os encontros onde há disputas, o blefe ilude o virtual vencedor e o leva a desistir..
.
** Lulu Santos - Tudo Azul.

7 de out. de 2017

Estados e estágios

Estados e Estágios, criado por Wellington de Oliveira Teixeira em 05-10-2017.
Estados e Estágios*, criado em 05-10-2017.

Vento no Litoral

De tarde, quero descansar, chegar até a praia, e ver se o vento ainda está forte.
E vai ser bom subir nas pedras.
Sei que faço isso pra esquecer: eu deixo a onda me acertar e o vento vai levando tudo embora.
Agora está tão longe! Ver a linha do horizonte me distrai.
Dos nossos planos é que tenho mais saudade: quando olhávamos juntos na mesma direção.
Aonde está você, agora, além de aqui dentro de mim?
Agimos certo. Sem querer, foi só o tempo que errou.
Vai ser difícil sem você porque você está comigo o tempo todo.
E, quando vejo o mar, existe algo que diz que 'a vida continua e se entregar é uma bobagem'.
Já que você não está aqui, o que posso fazer é cuidar de mim: quero ser feliz, ao menos.
Lembra que o plano era ficarmos bem?
— Ei, olha só o que eu achei: cavalos-marinhos!
(Legião Urbana)
Vivência é a reunião em um estágio da vida de diversos acontecimentos fortuitos que se conectaram, ao longo do tempo, para promover um determinado estado de percepção da realidade: compreensão e motivação tornando-se a propulsão para cada próxima ação, a cada circunstância.

Há muita incompreensão acerca dos episódios colecionados como etapas de vida – não conseguimos identificar plenamente o que permitiu um acontecimento. Mas eles sinalizam sua passagem com uma marca impressa na superfície da alma. Algo semelhante às estacas com placas indicando o percurso em uma estrada.

Geralmente, só quando a poeira baixa obtemos uma visualização razoável para iniciar uma avaliação sobre seus efeitos. E só após um longo aprendizado entendemos que é possível resgatar tais sinais para uso em novas situações. Não é recordar-se, apenas, é revivenciar a força do momento em que ocorreram.

Essa capacidade humana de observar-se como trajeto ou percurso abre uma possibilidade que é impressionante: a de evitar situações assemelhadas ou de aplicá-las às contextualmente próximas. Há no reino animal habilidades semelhantes, mas o pensamento maximiza essas inferências ou sensibilidades.

O uso fortuito dessa habilidade pode provocar um estado de contemplação intenso, uma rememoração que afeta os sentidos atuais: alegria e paz de espírito ou uma nostalgia (o passado tem seu poder atrativo baseado na ilusão de familiaridade). Dependendo da força disponível no instante, vira fixação, a pura repetição do já vivido que aprisiona.

Não resta dúvidas de que é um aliado, em potencial, para todos que desejam mais liberdade de vida e que desejam se permitir experimentações. Quando uma criança tenta subir na árvore e cai, poderia usar a vivência para paralisá-la, gerar desistência; mas, se ao contrário, avaliar o percurso feito e definir um novo, evitando os percalços, poderá conquistar o desafio. O novo estado de mente foi possibilitado pelo uso consciente dos estágios anteriores, das marcas que deixaram. Talvez sabedoria seja apenas isso: exaustivamente, regatar das vivências seu potencial esclarecedor em novos contextos.

Wellington de Oliveira Teixeira, em 07 de outubro de 2017.

* A imersão em estados destoantes, aqueles em que seus referenciais diários não atuam, é um poderoso fator de expansão ou retração da potência de vida. Estratégia ou Melancolia podem derivar de mesmas fontes, a depender do modo como são acessadas. O fator que determinará é se a intenção de quem acessa é de avanço ou de retorno.
Com esse entendimento, descrever o atual estado em que você se encontra, pode tornar-se algo terapêutico, pois, no instante em se expõe as questões, um outro entendimento pode emergir. Talvez, até mesmo a empatia e colaboração de quem tem em seu próprio histórico um estágio semelhante.