Pesquisar este blog

30 de abr. de 2008

Há muito tempo atrás eu amei

Revelando aos poucos, criado por Wellington de Oliveira Teixeira em 02/12/2007
Revelando aos poucos, criado em 02 de dezembro de 2007

Há muito tempo atrás eu amei. Fui tomado pelo amor. Tudo o que eu fazia era em função desse amor. E, mesmo percebendo sentimentos semelhantes no ser amado, não foi possível concretizar com tranqüilidade esse amor. Houve dúvidas, medos, fugas, momentos de desespero e sofrimento. Poucos momentos de paz. Mas, cada um que acontecia era suficiente para criar um desejo inesgotável que só se saciaria com um novo encontro pleno. E a tortura recomeçava. E, na expectativa, escrevia músicas, textos, poemas; tocava violão, piano, flauta; regia conjuntos, corais, congregações; ia montando as peças de um quebra-cabeças para que o vínculo dessa ligação pudesse ser mais forte que as dificuldades pessoais

Olhares se buscavam a cada momento. O corpo se inquietava na expectativa daquele brilho especial que fulminava, que enchia de energia, que transformava o ambiente. E era incrível como, de repente, o ambiente que antes estava vazio com duas mil pessoas, agora tornava-se completo com uma só, por que surgiu o sorriso do encontro. Contido, recatado e pleno de certeza com relação à expectativa que tinha gerado, da certeza de saber ser o único que poderia gerar aquela transformação no outro. E, mesmo do alto e distante, ele vinha como flecha certeira, fulminante para produzir sua mágica: justaposição de olhares – linha direta com a alma: um carinho; paralelo de sorrisos – linha direta com um corpo que anseia o aproximar-se, o tocar: um beijo. E o sorriso vem maroto, safado, casto e ingênuo, simultaneamente. E são olhar e sorriso relâmpagos: duram apenas segundos. A exposição seria fatal. Na galeria da vida, quem se expõe paga um preço alto

O amor foi um processo em turbilhão, conduzindo nossas vidas ao encontro do inexplicável, do inesperado do infinito entre a esperança e o desespero, entre as certezas e as dúvidas, entre a loucura e a razão

Era muito legal e, às vezes, muito confuso também. À quem dar satisfações? Com quem compartilhar os fantasmas que viviam dentro de nós? A quem recorrer senão a nós mesmos? É certo que cada um falou um pouco do que sentia com alguém muito próximo. Mas não bastava: era muito sentimento, muito desejo para a tentativa de se transmitir. Até hoje as palavras não me vêm quando tento explicar o que acontecia. Tudo só ficava explicado no momento da cumplicidade do encontro. Era o momento da entrega. Ali, abríamos mão do eu em função de um eu que éramos nós. A completude só podia ser vivenciada enquanto juntos, enquanto entregues um ao outro, mesmo no fugidio instante que escorria muito rápido por entre nossos corpos. O tempo do copo de vinho era o tempo da expectativa de um ônibus; o tempo de um almoço era o tempo de correr para o trabalho. E a ânsia por esses momentos era total. Causava uma inquietação, quase que um certo desespero

E, ainda assim, o tempo do amor era só dele mesmo. O único dono de tudo. Era tempo estranho e alheio a tudo: prolongava-se enquanto eu apreciava seu corpo sob a água do chuveiro, quando tocava parte por parte dele, suavemente, com a ponta de meus dedos. Era como se tudo estivesse se passando em câmara lenta, fosse um lapso no tempo oficial e no biológico. Era o momento sagrado. Ali eu era deus e era eterno.

Só que nem sempre se pode ser deus. E, de repente tudo caia por terra: o tempo da correria chegava. Estávamos atrasados, precisávamos correr, arranjar desculpas, tentar marcar o próximo encontro – que nunca acontecia como se definia ali. Na vida de cada um, havia muitos outros elementos a serem considerados, que não apenas aqueles que se tentaram controlar.

E havia, também, as suas dúvidas. Cada encontro pleno trazia junto a si um período de conflito em relação ao que se vivera. E era preciso um período de retração para dar conta das inquietações com relação àquilo que se aprendera no convívio com os outros – família, igreja, sociedade – que se opunha àquilo que se aprendera com a própria vida – o amor não tem objetos pré-definidos: ele chega, toma conta e fim.

Com as dúvidas, a fuga. Você marcava encontros para não ir. E, a cada desencontro, eu ficava tomado de desespero, de ira, de tristeza. Marcava-se uma impotência, no lugar de uma plenitude natural, nos encontros. Era uma falta que se manifestava contra as expectativas geradas pela antecipação às alegrias do encontro. Àqueles que se cativam é cobrado um preço: o próprio cativeiro. O aprisionamento aos atos do outro. Uma certa lei de reação imediata, que não podemos controlar, à qualquer ação do objeto do desejo. E, contrariamente à lei da física, em que a reação vem na mesma medida que a ação, a reação gerada por seus atos era surpreendentemente mais forte, criando gestos, atitudes e práticas impensadas, incontidas e intempestivas. Em contrapartida, você já estava sob o domínio da angústia, do conflito e não via outra saída senão a fuga. E esta gerava uma violência contra si mesmo, contra a sua interioridade, contra seu desejo mais profundo. Gerava também a certeza de estar magoando o objeto amado.

E era como se houvesse uma caçada. Era preciso que eu pudesse prever suas ações para que pudesse desfazer seus efeitos. E me vi, em alguns momentos, criando uma cerca para impedir a sua fuga. E, se conseguia, a força do seu desejo de fugir se expandia. Até que, o que tentou foi gerar em mim um desejo de desistir daquele amor, para que se fizesse mais fácil o vencer seu próprio amor e seu poder, já que ficaria solitário naquele amar. Mas ele se lhe mostrava indestrutível. E não havia outro meio senão o ceder à sua força. Era imperativo um novo encontro. Ao fim de tudo, por fim, você conseguiu o que queria: eu desisti do querer, do estar e do amar. Prossegui na vida, com um certo vazio e você teve que lidar sozinho com o amor que tentou destruir e as conseqüências que ele veio a cobrar de você pelo seu ato.

Só que a alternância entre um momento de êxtase e de milhares de angústia havia deixado, dentro de mim, uma marca. Sombra, de início, à uma cicatriz evidente, ao final, se tornou um aviso de alerta para que eu não repetisse mais aquela experiência. Nunca mais me permitiria passar por aquele sofrimento outra vez. E, durante muito tempo, ela foi polida para que brilhasse sempre que o coração desejasse experimentar um amor tão intenso quanto o que foi vivido. E funcionou. Me permiti paixões pequenas – um substitutivo ao amor – que me trouxeram momentos de grande prazer. E, se percebia um movimento em direção a algo mais profundo, eu me fazia recordar cada momento de dor passado, anteriormente, e me fechava em milhões de defesas. Apesar disso uma paixão especial se insinuou e tomou forma dentro de mim. E eu percebi que era capaz de silenciá-la e não torná-la evidente. Muito mais tarde, quando já controlada dentro de mim, falei sobre ela com a pessoa por quem me apaixonara, sabendo que não iria ter maiores conseqüências: a paixão aparecera, apenas em alguns momentos, em uma ou outra manifestação de carinho.

E, nesse período, amigos não faltaram. Toda a carga de sentimento e ações que o amor não podia expressar era dirigida aos que estavam próximos de mim. Fui dedicado, cuidadoso. Criei maneiras muito distintas de me aproximar e de cultivar os encontros. Fui um grande amigo de todos os que compartilhavam comigo a proximidade. Me tornei o confidente, o conselheiro, o ajudador de todos os momentos. E recebi, em troca, muito carinho e dedicação por parte de todos. Não havia inimigos. Não havia os menos atendidos.

Aprendi muito com cada um dos amigos. Vi minhas fraquezas espelhadas em muitos rostos. Vi minhas qualidades se expressarem em muitos momentos diante deles. Me fortaleci e fui apagando, sem querer, o brilho da marca de dor que carregava. Ela foi se desbotando, até se tornar uma sombra pálida, que poucas vezes conseguia ter minha atenção.

Um dia, porém, vi você retornando. Chegou para matar saudades. E eu me vi diante daquele ser que eu amara, um dia, agora tomado da certeza de que não havia como vencer seu amor e sentindo-se incapaz de lutar contra a sua própria solidão. Sofrera muito nas tentativas de novos encontros. Esgotara a sua força. Sentia-se descaracterizado. Não tinha mais como negar que se perdera ao abrir mão do amor que o tornara alguém especial. E queria tentar novamente. Queria ser amado. Queria ter de volta aquele ser que o tornara forte, que o conduzira ao mais profundo de si mesmo – como nas suas próprias palavras eu o ouvi dizer.

E vi as marcas que a dor produzira naquele ser outrora tão amado. Os anos de fuga cobraram seu preço. Os anos de fingimento cobraram sua cota da energia de vida, enfraquecendo-o. O brilho da esperança e do desejo, jogado numa cartada só: tentar encontrar o que havia sido perdido.

É certo que me entristeci. Era uma pena ver alguém que tinha sido tão especial naquele estado. Mas nada havia a fazer. Não possuía a capacidade para fazer o mundo voltar atrás e trazer de volta toda a plenitude dos meus sentimentos. E, estava incapaz de gerar – por mim mesmo – aquele amor.

Tentei, a um pedido seu, dar-lhe um último momento de prazer. Mas, não houve como. Meu corpo se negava a possuir um outro que o ferira tanto.

Ali, me despedi de você, de seus caminhos.

E, agora, enquanto coloco nas páginas essa história, deixo para o mundo, aquilo que antes carregava dentro de mim: me permito ser livre para amar novamente. Inclusive, sofrer novamente. Sei que se não fui hábil numa primeira tentativa, não quer dizer que em outras isso se repetirá. Corro riscos, é certo. Mas vejo-me com um novo olhar. Sou uma nova expressão de mim mesmo. Criei meu arsenal de coragem para encarar, de frente, o que a vida me propuser. Tenho vontade de me recriar todos os dias, sem que isso me desfigure. Do passado, guardo uma recordação do que me vi capaz de vivenciar: forças de extrema beleza; faces de mim mesmo que não veria se não tivesse me permitido amar. E, mesmo que isso tenha acontecido há muito tempo atrás, sei que o potencial que essas forças produziram está vivo dentro de mim. E creio que estou pronto para liberá-las.

Vou fazer trinta e sete anos. Que bom que isso esteja me acontecendo. Estou seguindo em direção a um desconhecido: meu futuro. E estou feliz.

,Wellington de Oliveira Teixeira em 09 de novembro de 1998.

Nenhum comentário: