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13 de ago. de 2011

Golfinhos e afilhados


Golfinhos, pintura em parede feita por Wellington, Tiago e Tayane em 1995Golfinhos, pintura em parede em 1995.

Oh, pedaço de mim, Oh, metade afastada de mim
Leva o teu olhar
Que a saudade é o pior tormento, É pior do que o esquecimento
É pior do que se entrevar

Oh, pedaço de mim, Oh, metade exilada de mim
Leva os teus sinais
Que a saudade dói como um barco, Que aos poucos descreve um arco
E evita atracar no cais

Oh, pedaço de mim, Oh, metade arrancada de mim
Leva o vulto teu
Que a saudade é o revés de um parto, A saudade é arrumar o quarto
Do filho que já morreu

Oh, pedaço de mim, Oh, metade amputada de mim
Leva o que há de ti
Que a saudade dói latejada, É assim como uma fisgada
No membro que já perdi

Oh, pedaço de mim, Oh, metade adorada de mim
Leva os olhos meus
Que a saudade é o pior castigo, E eu não quero levar comigo
A mortalha do amor

Adeus.

(Pedaço de Mim - Chico Buarque)*


Histórias são para ser contadas, mesmo com tão poucos bons contadores de histórias.

Uma expressão de uso comum para designar mentirosos é Contador de história. Está implícito aí uma referência pejorativa, já que ninguém aguenta ficar ouvindo baboseiras. Daí outra boa expressão: meu ouvido não é pinico!

De vez em quando, a vida proporciona um encontro especial com uma pessoa, um texto, um filme, que apresenta uma boa história.

Gosto de classificar desse modo aquelas que nos divertem, nos emocionam, nos prendem a atenção e, com isso, nos ensinam. Àquelas que não têm público alvo e alcançam de crianças a adultos. As que permitem a simplificação para torná-las acessíveis a todos, independente do modo como foram escritas ou apresentadas.

Tenho observado que o exercício de contar histórias aperfeiçoa a capacidade de criá-las (isso vale também para os mentirosos, infelizmente!).

Um dos meus afilhados, Tiago, na semana passada completou 19 anos e resolveu fazer um projeto: pintar as paredes do seu quarto, para representar o seu mundo, hoje. E, para isso, me pediu uma contribuição: uma arte.

Tiago e sua irmã Tayane, quando tinham três e dois anos, respectivamente, adoravam momentos criativos. Leituras, pinturas, jogos, filmes, tudo era um bom pretexto para momentos de grande prazer e compartilhamento.

Um dia, a mãe deles propôs algo muito interessante, que logo prendeu a atenção dos dois: pintar a área de trás da casa que estava com uma pintura um pouco (talvez demais!) mal feita.

Seria uma atividade para todos e cada um poderia expressar-se como quisesse. Para iniciar, começou a criar flores na lateral de uma das paredes, numa espécie de moldura. Ao que eles, com olhos refletindo o brilho dos momentos de travessura, não demoraram a pegar pincéis, tintas e a começar a criar a sua arte.

Lembro-me de Tiago perguntar-me se eu pintaria. Ao que eu repliquei: você vai me ajudar? O riso e a felicidade dele foram suficientes para me incluir no projeto.

Lembro-me, também, que eu tinha assistido, algum tempo antes, o filme Imensidão Azul**. Inspirado nele, fiz uma área retangular e deixei que meus afilhados pintassem de várias tonalidades de azul, colocando alternadamente, cada um em meu colo. Por fim, incluí os dois do modo como achei que deveriam ser naquele momento: dois golfinhos brincalhões, com um mundo de águas ao seu redor para se divertirem.

Contei para o Tiago a história dessa aventura e daqueles momentos de sua infância. Nesse instante, percebi que a magia daquele momento foi revisitada e reacendida, em ambos.

Sem sombra de dúvidas, uma boa história torna-se atemporal e possui a capacidade de avivar em nós o valor da vida e dos sentimentos mais plenos que somos capacidades de vivenciar.

Ao término de nossa conversa, pensei 'é hora de imaginar o que irei desenhar dessa vez'. Afinal de contas, meu afilhado já é um homem com experiências próprias e merece algo que reflita tudo o que já conquistamos.

Depois, com um sorriso bem maroto surgindo em meus lábios, desejei para ele muitas histórias como essa para contar para o mundo.

Wellington de Oliveira Teixeira, em 13 de agosto de 2011.


* No caminho para o aeroporto Santos Dummont, eu e o Tiago fomos conversando sobre os monstros sagrados da música e seu valor na atualidade. Um dos nomes avaliados foi o de Chico Buarque.
** Le grand bleu, dirigido por Luc Besson. O filme contava a história de Jacques Mayol, conhecido como "homem-golfinho" (http://pt.wikipedia.org/wiki/Jacques_Mayol).