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30 de jul. de 2015

Criando um mito pessoal

Mitogonia, criado por Wellington de Oliveira Teixeira em 28-07-2015.
Mitogonia*, criado em 28-07-2015.

É digno de nota que, por pouco que os homens sejam capazes de existir isoladamente, sintam, não obstante, como um pesado fardo os sacrifícios que a civilização deles espera, a fim de tornar possível a vida comunitária. A civilização, portanto, tem de ser defendida contra o indivíduo, e seus regulamentos, instituições e ordens dirigem-se a essa tarefa. Visam não apenas a efetuar uma certa distribuição da riqueza, mas também a manter essa distribuição; na verdade, têm de proteger contra os impulsos hostis dos homens tudo o que contribui para a conquista da natureza e a produção de riqueza. As criações humanas são facilmente destruídas, e a ciência e a tecnologia, que as construíram, também podem ser utilizadas para sua aniquilação.
Fica-se assim com a impressão de que a civilização é algo que foi imposto a uma maioria resistente por uma minoria que compreendeu como obter a posse dos meios de poder e coerção. Evidentemente, é natural supor que essas dificuldades não são inerentes à natureza da própria civilização, mas determinadas pelas imperfeições das formas culturais que até agora se desenvolveram. E, de fato, não é difícil assinalar esses defeitos. Embora a humanidade tenha efetuado avanços contínuos em seu controle sobre a natureza, podendo esperar efetuar outros ainda maiores, não é possível estabelecer com certeza que um progresso semelhante tenha sido feito no trato dos assuntos humanos; e provavelmente em todos os períodos, tal como hoje novamente, muitas pessoas se perguntaram se vale realmente a pena defender a pouca civilização que foi assim adquirida.

(Sigmund Freud — Futuro de Uma Ilusão, p.4 )


Somos realmente uma raça que transmite conhecimento por meio de narração de histórias, algumas produzidas com o intuito de facilitar um conceito: nossos mitos e parábolas carregam, além de uma ilustração cativante, um conjunto de sinais que permitem que valores sociais possam ser passados adiante e que são inteligíveis e assimiláveis desde a mais tenra idade. É o caso dos heróis, dos deuses e dos semideuses.

Construímos um mundo de acontecimentos que enaltecem a personagem, suas façanhas, cativando a atenção dos ouvintes, ao tempo em que absorvem ideias consideradas importantes. O bravo, o sábio e o amante geralmente carregam, diferenciadamente, a preferência dos ouvintes. Mas quase todos se encantam com os superpoderosos, os frutos dos encontros entre deuses e mortais. Os descendentes dos seres alienígenas, sob os quais se produzem intricada formação de histórias, obtiveram concordância de tal monta que muitos apostam a vida serem verdadeiros. Ganharam o status de semideuses, os que produzem milagres ou subversão das leis naturais até então conhecidas.

Bem, se confrontássemos os que criam com a possibilidade de serem uma lenda ou mito apenas, haveria a criação de um conflito de proporções homéricas. Mas, entre si, quem adota uma fé é capaz de conceituar a outra desse modo. Assim, além da sua fé, todas são apenas ilusões, ignorância, desconhecimento da verdade.

É possível crer no filho de Krypton, no lanterna verde, na mulher maravilha, como também no Hércules, nos Nephilins, apenas para citar alguns bem conhecidos. Se pararmos por aí, tudo bem. Mas… se alguém ousar citar Jesus, krishna ou outros que alcançaram lugar de destaque no panteão o bicho pega. Seguem a mesma lógica dos heróis, deuses e semideuses. Transmitem suas lições por meio das suas façanhas. Carregam uma intricada história de contato alienígena (ou seres não humanos, se quiser) e cumprem tarefas que seus pais determinaram, de forma voluntária ou por necessidade.

O objetivo desse texto foi provar para mim mesmo que seria capaz de sair do meu centro referencial para avançar meu entendimento sobre opções pessoais, religiosas ou místicas, válidas e diferentes da que eu adotei: há perspectivas de eras, de culturas, de apropriações e sincretismos entre os vários elementos míticos. É preciso reduzir em muito ou eliminar a carga de preconceitos a que carrego (que tal o lado 'negro' para qualquer aspecto ruim ou demoníaco?)

Em minha mitogonia posso crer em uma forma superior de vida ou uma unicidade intrínseca aos seres de qualquer tipo, orgânicos ou inorgânicos. Numa teia que une tudo e todos. Evitando o nome batido (deus), denomino essa potência cósmica de Ordem. Como em tantos outros mitos, afirmo que o objetivo da Ordem é desenvolvimento das potencialidades dos seres, conectando-se a ela de forma única, impossível no estado atual de desenvolvimento humano. O desenvolvimento ocorre por meio da apropriação por conexão direta a uma poderosa rede energética, as fontes de existência, ou por transmissão feita por alguns que alcançaram uma elucidação maior e compartilham.

Posso, a partir daí, criar histórias que explicam os acontecimentos naturais e espirituais. Criar um método para desenvolvimento pessoal, relacionar alguns dos eventos especiais que aconteceram comigo a uma ação cósmica de efeito direto — um nível de conexão primária que permite o uso de forças ou capacidades que ficam inibidas, ou com pouca possibilidade de acesso e uso.

Creio que me fiz entender. Ao gerar meu mito pessoal, estou fazendo o que todos os seres humanos, em todos os tempos, fizeram. Cada cultura teve o seu modo de se relacionar com as forças universais, gerando o seu modo específico de contar seus mitos.

A questão que me incomoda não é a fé, que respeito inteiramente, mas o uso político dela. Os mitos foram reestruturados por uma camada sacerdotal para ganharem impulso na teia social e acabarem cooptados pelo poder político, que se sustentou deles. Enriquecimento de alguns e miséria para a maioria foi a marca histórica desse uso. Não mudou muito. Mesmo quando todo o mito ensina o caminho contrário, ninguém ousa contradizer aqueles que ocuparam por usurpação o lugar do herói, deus ou semideus — é que eles geraram interpretações sobre interpretações e daí criaram leis e normas que acorrentam o livre fluxo da fé e das práticas espirituais em cada um.

Wellington de Oliveira Teixeira, em 30 de julho de 2015.

* Mitopoese é um termo grego para a criação dos mitos que também pode ser também designada por mitogonia. Os mitos podem ser considerados como verdade ou expressão dela. Até mesmo o discurso científico exige uma grande dose de fé, mesmo pretendendo afirmar-se sobre outros patamares.
Os épicos como a Ilíada e a Odisseia de Homero, do período entre 1200 e 800 a.c, tentam dar conta da relação dos homens e dos deuses gregos. A Epopeia da Criação, que contém relatos dos mais antigos conhecidos sobre a cultura sacerdotal, hierárquica e autocrática, apresenta a mitologia suméria.
As verdades míticas de origem pagã ou cristã possuem as mesmas características, mas as outras mitologias perderam influência com a ascensão do cristianismo como religião oficial do Império Romano, imposta na Idade Média a preço de vida.

28 de jul. de 2015

A nova onda de monstrualização

Onda de monstrualização, criado por Wellington de Oliveira Teixeira em 27-07-2015.
Onda de monstrualização, criado em 27-07-2015.

O relacionamento entre jornais e leitores, internautas, ouvintes ou telespectadores é encarado […] como um tipo especial de história que faz uso de outra, apresentada na forma de unidade noticiosa, com clara função ideológica e persuasiva.
(Nilton Hernandes – A mídia e seus truques: o que o jornal, revista, TV, rádio e internet fazem para captar e manter a atenção do público, p. 39)
hegemonia
O que é: Supremacia, Autoridade soberana.
O que faz: Influência preponderante (liderança, predominância ou superioridade) sobre cidade, povo, país ou pessoas.
Métodos: Aculturação (introdução ostensiva de determinada cultura e visão de mundo) e/ou Militarização.
A Onda (*) é um filme que demonstra a capacidade de monstrualização humana, esse processo de diferenciação negativa do outro, quem quer que seja, por meio de um discurso hegemônico, uma única e inalterável verdade no campo das coisas e das relações pessoais.

Muitos indicam ser apenas fruto de intolerância religiosa. Mas, originariamente, as religiões ocidentais não pregam a destruição alheia e gratuita; dentre as práticas filosófico-religiosas orientais, a questão do equilíbrio me parece ser a tônica. De onde surge, então, tais movimentos? Como as pessoas são cooptadas por eles?

Nas aulas de filosofia conheci o pensador Michel Foucault, que alertava que qualquer acontecimento possui o discurso simultaneamente como um elemento e um dispositivo estratégico de relações de poder. Para ele, a manipulação social não é fortuita, tem alvo específico e há vários níveis de poder operando por meio dela. Pierre Bordieu é um pensador que avaliou a política de percepção cognitiva, a constituição da percepção de mundo por informação e orientação: educar corpo e mente visando obliterar questionamentos e encaminhar para uma determinada direção política.

Em comum, mostravam os processos que constroem os monstros a serem combatidos e a cruzada contra eles. No Brasil atual, ocuparam essa posição os comunistas, os esquerdistas, os gayzistas e quaisquer outros ativistas, especialmente os de Direitos humanos.

Uma vez infiltrados pelos discursos, é recorrente a negação de fatos históricos - até mesmo os recentes — pela multidão. Foca-se na desqualificação como base da estratégia malévola dos discursos de ódio contra qualquer pessoa com um desejo genuíno de uma sociedade mais igualitária e desejosa de políticas de redução das desigualdades sociais. É inadmissível questionar que uma ínfima camada de extremamente ricos gerem uma imensidão de miseráveis.

Criou-se uma Nova Onda. Cooptados inicialmente para a frente do ataque, os religiosos já tinham sido insuflados com o medo de igrejas fechadas e perseguição aos cristãos — pregados nos púlpitos por líderes religiosos inescrupulosos — desde a época da campanha visando colocar Collor na presidência da República.

A construção de simulacros — por meio de artigos e editoriais de revistas e do jornalismo televisivo— criou os salvadores da pátria, os paladinos da justiça, os incorruptíveis. Estes mesmos, comprovadamente corruptos, foram alvo do endeusamento manipulativo dessas publicações. Se em período eleitoral praticamente todas as matérias de capa da revista Veja eram exemplos, agora a questão é ininterrupta. Quem ganha e quem perde com isso?

De uma coisa tenho certeza:
  • os dóceis-manipuláveis cordeiros estão indo para o matadouro sorrindo, mesmo agindo absolutamente de forma contrária ao que professavam anteriormente;
  • Os politicamente-agora-inativos, desistiram da busca por justiça social porque desiludidos com a realidade que sempre souberam existir: o ser humano é altamente corruptível;
  • As camadas mais alienadas da sociedade, minorias e miseráveis, se deparam com a mais férrea onda antagonista que já tiveram conhecimento.
Culpabilizados, injuriados, agredidos e assassinados, quem se opõe à nova onda é alvo da mais nova monstrualização, da manipulação perpetrada pelo poder financeiro, político e midiático que quer recuperar sua hegemonia, fragilizada nesses últimos anos.

Wellington de Oliveira Teixeira, em 28 de julho de 2015.

* A Onda, dirigido por Dennis Gansel, é um filme alemão de 2008 que teve como inspiração o livro de mesmo nome de Todd Strasser e o experimento social da Terceira Onda.
Num curso sobre autocracia de apenas uma semana, o professor encara uma turma composta por alunos da terceira geração após a Segunda Guerra Mundial. Diante da incredulidade destes num ressurgimento da ditadura na Alemanha moderna, é iniciado um experimento que demonstra a facilidade da manipulação das massas.
Inicialmente, os alunos passaram a chamar o professor de Senhor Wenger e ficaram dispostos em carteiras para duas pessoas de frente para ele e ocupadas por estudante com baixa e outro com alta média escolar: deverão aprender com o outro, tornando-se um só. Qualquer fala deverá ser feita em pé e em frases curtas. Uma marcha em perfeita sincronia rítmica visa produzir a sensação de unicidade e incomodar a turma de anarquismo, no andar abaixo.
Por sugestão do professor, o grupo uniformiza as roupas (camisa branca e calças jeans) evitando distinções. Uma aluna reluta a adotá-lo, afirmando que uniformes acabam com a individualidade; outra comparece no dia seguinte sem uma camisa branca e percebe ser a única a não aderir ao uniforme.
Por sugestão dos próprios alunos, o grupo ganha o nome A Onda, uma forma de saudação (braço direito em frente ao peito), e um símbolo que, em forma de adesivos e pichações, alcança toda a cidade, inclusive a fachada da prefeitura.
As alterações nos comportamentos tornam-se visíveis. Um valentão protege o colega de alguns anarquistas brigões. As festas tornam-se exclusivas para membros d'A Onda, onde não-iniciados são hostilizados. Um dos alunos que era um excluído anteriormente adota completamente a ideia, queima suas roupas de marca e se oferece para ser guarda-costas do professor, que o convida para jantar. Sua esposa, professora na mesma escola, questiona o experimento por ter ido longe demais mas ele a acusa de inveja do seu sucesso com os alunos, gerando a separação do casal.
Surge uma oposição à Onda, irritando seus membros, que buscam um modo de eliminá-la. Num jogo de polo aquático, um dos membros d'A Onda briga com um oponente e a partida é cancelada. Ao mesmo tempo, inicia-se uma briga entre os torcedores. Na confusão, panfletos anti-Onda são distribuídos no meio das torcidas.
Em outra discussão, o causador da briga esportiva agride a namorada. Percebendo o que fez, vai a casa do professor e pede que ele acabe com A Onda. Este convoca uma assembléia com o grupo no auditório da escola.
A portas trancadas ele discursa, exaltando as atuações do grupo e as chances do movimento mudar os rumos da Alemanha. Ao receber um protesto, acusa de traição quem o fez e indicando uma punição. A seguir leva os alunos a perceber o quanto estavam sendo manipulados, mesmo crendo inicialmente que um regime como o Nazismo jamais teria lugar novamente, no país.
Ao declarar o fim d'A Onda, o aluno que desejava ser segurança do professor saca um revólver por medo de se isolar novamente. Alguém, crendo haver nela balas de festim, tenta retirar-lhe a arma e é ferido. Descontrolado, percebendo o erro que cometeu e o fim dA Onda, se suicida perante os estudantes traumatizados. O professor é preso, diante dos alunos, pais e outros professores.

A semiótica é uma teoria do texto que busca analisar os sentidos e a construção dos efeitos de sentido. Neste texto, as referências usadas para avaliar o percurso persuasivo de construção de sentidos e os 'efeitos de sentido' foram:
Pierre BOURDIEU: Meditações Pascalianas, de 2001.
Michel FOUCAULT: 1) Estratégia, poder-saber, de 2006; 2) Vigiar e punir: história da violência nas prisões, de 1987.
Antonio GRAMSCI usa a palavra hegemonia para descrever o tipo de dominação ideológica de uma classe social sobre outra, destacando a da burguesia sobre o proletariado e outras classes de trabalhadores. Para Todd Gitlin, a noção de cultura de Gramsci chama atenção para as estruturas rotineiras do 'senso comum', que funciona como sustentáculo para dominação de classe e tirania.

26 de jul. de 2015

Enrijecidos, congelados e inertes

Enrijecidos, congelados e inertes, criado por Wellington de Oliveira Teixeira em 26-07-2015.
Enrijecidos, congelados e inertes, criado em 26-07-2015.

* Um trecho da bíblia que me encanta são os pensamentos filosóficos em forma de ensino dos provérbios. O poema abaixo, insiste na necessidade de buscar sabedoria e equilíbrio:
A sabedoria está clamando, o discernimento ergue a sua voz
nos lugares altos, junto ao caminho, nos cruzamentos ela se coloca;
ao lado das portas, à entrada da cidade, portas adentro, ela clama em alta voz:
"A vocês, homens, eu clamo; a todos levanto a minha voz.
Vocês, inexperientes, adquiram a prudência; e vocês, tolos, tenham bom senso.
Ouçam, pois tenho coisas importantes para dizer; os meus lábios falarão do que é certo.
Minha boca fala a verdade, pois a maldade causa repulsa aos meus lábios[…]".

(Provérbios 8:1-7)
Arrogância seria dizer que sou o único a identificar os vetores que visam o esfacelamento de qualquer projeto cujo núcleo a solidariedade é fundamental. O imenso tempo de discursos de superioridade enrijeceu os corações, congelou sentimentos e justificou seu rastro de miséria e incompreensão na humanidade: preconceitos, explorações e guerras.

O poder do antagonismo internamente produzido não deve ser minimizado, muito menos subestimado. Um corpo social que aceita pacificamente a barbárie certamente é um dos maiores feitos de um sistema que perverte as capacidades da alma: assistimos humilhações, matanças, massacres e destruições reais como se fossem filmes hollywoodianos de ação.

Para viabilizar a conglomerados financeiros o acesso e a conquista das reservas e bens de um país e ampliarem seus lucros estratosféricos:
  • insufla-se o medo do terrorismo ou perseguições.
  • Manipula-se o mercado de ações para obter o controle de empresas, o enriquecimento de uma parcela mínima da população e a ampliação da miséria.
  • Utilizam-se de profissionais inescrupulosos para falsificar resultados de pesquisas e assim justificar novas práticas, mais um remédio, outro agrotóxico e mais um agente poluente e cancerígeno.
Enquanto isso, mantidos enrijecidos, congelados, inertes, nos tornamos marionetes que repetem exaustivamente o discurso comprado por ninharia, e despejado diariamente em nossos lares. A escama que foi posta em nossos olhos desfoca a realidade. Parabenizamos nossos opressores, os que geraram esse desnível de condições sociais, os condecoramos com prêmios, desejamos ardentemente imitá-los.

Me regozijo quando avalio o novo perfil desenvolvimentista do Nordeste brasileiro, fruto do cooperativismo, da agricultura familiar, dos artesanatos populares e indígenas; que espalham pelo mundo nossas tradições mais básicas, não mais as europeias ou americanizadas. Simultaneamente, sofro com a produção cooperada da miséria na África, que se tornou o útil foco de testes farmacêuticos - cobaias fáceis; os diamantes do sangue de milhões derramados por pré pubescentes armados adornam corpos produzidos por cirurgiões e estilistas. Sou um ser humano, um cidadão do mundo.

Ancestrais perguntas tentam irromper das profundezas desse marasmo visando romper e derreter essa camada de proteção a que precisamos recorrer e nos submeter. A principal, "Onde estão as vozes que clamam por justiça?".

Em meio a essa loucura, os pacificadores, aqueles que levam os discursos de perdão, de ajuda — os verdadeiramente humanitários — viraram motivo de chacota. A frase 'direitos humanos para humanos direitos' é a falsificação máxima de uma religiosidade que em seu cerne aponta que nem um há, dentre os homens que pode ocupar essa posição; que, sem exceção, todos precisam de remissão. Qualificar apenas alguns como dignos, em prol da perpetuação do poder, sempre foi uma prática no mundo político religioso, mas vivenciamos uma lavagem cerebral sem precedentes que cauterizou as consciências*. Para mim, este, sim, é o caminho para o fim da humanidade.

Wellington de Oliveira Teixeira, em 26 de julho de 2015.

O Espírito diz claramente que nos últimos tempos alguns abandonarão a fé e seguirão espíritos enganadores e doutrinas de demônios. Tais ensinamentos vêm de homens hipócritas e mentirosos, que têm a consciência cauterizada […].
Pois tudo o que Deus criou é bom, e nada deve ser rejeitado, se for recebido com ação de graças, pois é santificado pela palavra de Deus e pela oração. Se você transmitir essas instruções aos irmãos, será um bom ministro de Cristo Jesus, nutrido com as verdades da fé e da boa doutrina que tem seguido.

(Bíblia — trecho de 1 Timóteo 4)

25 de jul. de 2015

Que sejam frações íntegras

Integrais, criado por Wellington de Oliveira Teixeira em 25-07-2015.
Integrais, criado em 25-07-2015.

integridade:
1. estado ou característica daquilo que está inteiro, que não sofreu qualquer diminuição; plenitude, inteireza.
2. característica ou estado daquilo que se apresenta ileso, intato, que não foi atingido ou agredido.
3. qualidade de ser íntegro, de conduta reta, pessoa de honra, ética.

Podemos esquecer, ignorar, ocultar. Não importa. É falho o entendimento não precedido da compreensão de que alcançamos apenas parcialmente o que quer que tentemos interpretar ou valorar.

Destrinchar e reduzir às partes componentes também não é eficaz, do contrário teríamos solucionado quase todos os problemas da humanidade. Nossas parcialidades tem funções específicas, próprias e inalienáveis. Isso significa que destituir um ser de qualquer uma delas é o mesmo que abalar a sua integridade*.

Não há como pedir a alguém para ser algo que não é. Mas nos achamos competentes para limitar, deixar uma de suas características de lado, ou influenciar semelhantes ações. Há questões pessoais de transformação, mas esta é fruto de uma necessidade interior não de exigências sociais. O que cabe a qualquer um bem intencionado é incentivar o processo de busca por aperfeiçoamento.

A descoberta de si, os questionamentos próprios e os confrontos entre desejos e realidade são o modo como o ser humano se inclui no mundo. Exceto nos casos onde a integridade alheia ou própria se faz presente na equação, não é lícito interferir sem solicitação expressa.

Qualquer processo educativo tem como cerne a expansão das possibilidades pessoais. A potência existente em cada ser é algo para ser desenvolvida de modo equilibrado. Apresentar alternativas, mostrar a diversidade de opções nos modos de ser e estar é o que considero válido. Avaliar possibilidades de modo crítico, por meio de diálogo não impositivo, o caminho.

O mais é apenas autoritarismo que não produz transformação: sujeição de vontades à serviço do egoísmo.

Wellington de Oliveira Teixeira, em 25 de julho de 2015.

* Ética (éthos), originariamente assento e morada, promove uma concepção de mundo que gera práticas capazes de dar acolhimento, assento ou morada à alteridade. Isto é, essa diferenciação que existe em cada processo individual que não se deixa capturar ou reduzir a ideais ou leis de conduta.
Muito além da negação dos valores estruturadores de uma sociedade, é constituir outros, supramorais, ao nível das sensibilidades e do pensamento; ultrapassar supostas verdades fixas e gerais, em prol da vida e seu contínuo processo de transformação. Buscar atuar avesso a valores morais e uma ordem natural e imutável do mundo. Posicionar-se positivamente diante da multiplicidade, do acaso, daquilo que, sem percebermos, nos transforma.
E. Enriquez, em sua obra A organização em análise refaz a contraposição Sujeito versus Indivíduo do seguinte modo: indivíduo é aquele que assimilou sem questionamento seu meio social e os modos de ser e fazer nele presentes; sujeito é aquele que apesar de de assimilar é capaz de refletir e fazer surgir o novo, expondo a anormalidade que existe no cerne da norma.

22 de jul. de 2015

Enquadrar o indecifrável

Enquadrantes, criado por Wellington de Oliveira Teixeira em 21-07-2015.
Enquadrantes, criado em 21-07-2015.

* Estandardizar:
Desenvolver, estabelecer e reduzir a um único padrão; padronização; estabelecer modelos de fabricação; uniformizar.

É estranho, mas não me perturba mais a sensação de ser indecifrável, alguém que jamais terá satisfeita a necessidade de completude compartilhada. Mas houve muitos momentos — creio que para muita gente é assim, também — onde houve um profundo desejo por simpatia, por empatia, por aquela pequena dose de entendimento que ultrapassa as palavras.

Não fui o primeiro e creio que não serei o último a ter pensado que essa incompletude é algo ruim, por ser tão avassaladora, por provocar momentos onde a solidão que é inerente ao ser humano se faz presente, marcadamente poderosa.

Não à toa, muitos naufragam nessas águas, as de um desânimo que leva à depressão. É preciso sabedoria para identificar que um momento como esse é necessário para produzir um adiante na vida. Angústia é sinalização de que o se tem já deu o que tinha para dar, é preciso inovar, renovar, criar um outro si mesmo.

É onde a maioria trava, força aquela velha forma de enquadrar a vida, ignorando o que fica de fora da tela em que propôs expressar-se por completo. A sobra é o que pesa na alma, efeito dessa modelação*.

Estouramos a paciência como um saco que rasga ou balão que explode. Precisamos derramar o que aceitamos adentrar, incapazes de impedir: a venda nos olhos, a venda da alma, o envenenar diário dos sonhos e desejos. A aceitação mórbida dos padrões, dos referenciais estáticos, dos conceitos estandardizados. O tal mundo defendido como real a se contrapor com os ilusórios, os impossibilitados de existir, na fonte.

O arcabouço que produz o calabouço aonde o único núcleo verdadeiro do ser precisa se confinar para não ser tragado pela devastadora onda da mesmerização, da insana pressão coletiva para manter a reprodução como único modo de expressão.

Pouco a pouco, conforme se cresce, a gente envelhece e esquece. O que era mesmo o fundamental na vida? O que me tornava único e genuíno? Qual a raridade para acrescentar ao quebra-cabeça do mundo?

Não. Não desqualifique a chance de reintroduzir essa questão na sua vida! O que passou é passado; o que se perdeu, mesmo que encontrado, não possui o poder de resposta para a pergunta que ficou para trás. O que fazer? Não se paralisar. Presentificar-se enquanto ser. Entender que se há pulsação, há força de vida, há possibilidades. A amplitude da potencialidade, indefinível à priori, deve ter uma chance de expressar-se. Segundos vividos plenamente compõem o único caminho para a realização pessoal, independente do que se perdeu, do quanto se fragmentou.

Só mesmo reacendendo essa chama — luz e calor simultâneos — é possível encarar a frieza desse mundo e sua lógica destituidora de personalidade; superar a obscuridade ou a cegueira que nos conduz como cordeiros mansos e calados para o matadouro. Este sacrifício sem significado algum, apenas para exacerbar a hipocrisia coletiva: já que eu não posso, não vou permitir que você o possa.

Wellington de Oliveira Teixeira, em 21 de julho de 2015.

Experiências de vida e as resultantes diretas de atuações no ambiente produzem o repertório de comportamentos individuais. As descrições verbais oferecidas pela comunidade — regras ou instruções — fundamentam a constituição das peculiaridades de um ser humano, o modo de se comportar e possíveis consequências de suas ações. A psicologia comportamental definiu esse processo como modelagem.
Skinner, em Contingências do reforço: Uma análise teórica, conceituou comportamentos determinados por contingências como os configurados diretamente por resposta e consequências; os comportamentos governados por regras, os que ocorrem sob controle de estímulos discriminativos verbais.
Nos primórdios, os processos de imitação e modelagem permitiram a sobrevivência humana. Atualmente, é preciso colocar em xeque os mecanismos de regulação social, reforçadores e punidores, que visam apenas manutenção e adaptação.
Exemplos emblemáticos, como Gandhi e Mandela, transformaram a legitimação social da violência promovendo seriamente a possibilidade de aplicação da não-violência no âmbito do Estado e na regulação das relações internacionais.

20 de jul. de 2015

Alterimizade

Alterimizade, criado por Wellington de Oliveira Teixeira em 18-07-2015.
Alterimizade*, criado em 18-07-2015.

O termo amizade carrega o sentido de um relacionamento afetivo sem conotações romântico-sexuais; envolve o conhecimento mútuo e a afeição, além de lealdade ao ponto do altruísmo. Originada no instinto de sobrevivência da espécie, das relações interpessoais durante a vida, tornou-se a mais comumente desejada de ser constituída, diferenciando-se do coleguismo onde interesses afins ganham prioridade sobre o companheirismo.

No início dos tempos, descobrimos que só compartilhando a vida seria possível, iniciando com a sobrevivência, conquistar uma vida melhor. Dos agrupamentos à sociedade telemidiática, a manutenção de contatos utilitários tornou-se indispensável.

Avançamos um pouco ao verificar que isso não bastava. Com o prazer da confidência e o apoio nas fraquezas, a solidariedade ganhou terreno e se qualificou como necessária para além de suas funções iniciais. Lentamente, o utilitarismo cedeu prioridade em prol da vivência compartilhada, da combinação das forças e das emoções, de um desejar o mesmo bem que a si mesmo.

Claro que não foi igual em toda a espécie, mas aprendemos a carregar o outro dentro de nós — imagética e energeticamente — e geramos o amigo, alguém que pode, ou não, ter nosso sangue e é receptáculo de nosso amor, que coexiste conosco, dentro de nossa alma.

Aos poucos, esse tipo de conexão além de genérico tornou-se genético, marcando a raça humana com a necessidade do companheirismo. Isso alcançou força incomum ao ponto de dotarmos o mundo com o reflexo da nossa alma e projetamos em todas as relações existentes esse conceito. Construímos um mundo onde as criaturas são fontes e propiciadoras dessa forma de contato — inclusive domesticamos animais em função dessa sensação de aconchego. Está muito claro que, quando completamente isolada, uma pessoa enlouquece.

Muitos, como eu, apreciam a fantasia e a transcendência associadas a essa ligação, identificando-a nos contatos entendidos como físicos e espirituais. Passamos a produzir o entendimento da unicidade entre os seres, orgânicos ou não, e adotamos os conceitos e práticas de preservação e colaboração: o universo tornou-se meu amigo: mexeu com ele, mexeu comigo. Há pensamentos que propõem haver níveis superiores de energia e conhecimento, dotando-os da capacidade dessa forma de relacionamento com os seres humanos.

Em qualquer aspecto que se olhe, a transcendência que é efetivada nesse tipo de relação nos propõe algo maior que o isolamento produzido por poder, ganância, ódio e outras mesquinharias ainda tão presentes nos contatos sociais. No diferente eu encontro o que preciso para realizar meu potencial humano quando a alteridade me leva, além do reconhecimento da existência de um outro, a estabelecer uma das mais belas experiências que a humanidade pode desejar vivenciar. Algo que, por falta de um conceito estruturado, vou nomear alterimizade.

Wellington de Oliveira Teixeira, em 20 de julho de 2015.

* O neologismo tenta dar conta das conexões que estabelecemos com a diferença, de forma positiva atuando no sentido de complementaridade. Ao potencializar o outro, amplio as capacidades de existência plena e feliz em mim.

18 de jul. de 2015

Os pressionados estão impressionados

Disruptivo, criado por Wellington de Oliveira Teixeira em 17-07-2015.
Disruptivo*, criado em 17-07-2015.

Olho na pressão, tá fervendo.
Olho na panela, dinamite é o feijão cozinhando dentro do molho dela.
A bruxa acendeu o fogo, se liga, rapaziada, tem mandinga de caboclo mandando nessa parada:
garrafada de serpente, despacho de cachoeira. Quanto mais o fogo sobe mais a panela tá cheia.
A bruxa mexeu o caldo, se liga aí, ô galera. Tá pingando, na mistura, saliva da besta-fera:
chacina no Centro-oeste e guerrilha na fronteira; emboscada na avenida, tiro e queda na ladeira.
Mas feitiço é bumerangue perseguindo a feiticeira.

(Lenine — Na pressão)


Há um mundo que se estabelece pela pressão e tenta nos ensinar a lição de há níveis suportáveis, outros que precisamos evitar a qualquer custo para que não ocorra fraturas incorrigíveis.

Quando a terra chacoalha, o vento fustiga, vulcões expelem suas entranhas, o mundo coloca a nossa disposição um arsenal de analogias para o que é efetuado quando os níveis são desrespeitados.

Mas, da pressão social quase sempre esquecemos de avaliar o potencial disruptivo. Discursos podem tanto em seus efeitos quanto os eventos catastróficos, especialmente se destacarmos a força que sua pressão exerce sobre a psiquê humana.

Vemos, mas ignoramos os processos subliminares que vão se acoplando até nos impressionarmos com seres humano com os dedos nas armas de mão. São cérebros obnubilados por uma sequência de comandos manipuladores e destituidores da personalidade. Comparativamente, o crack, como outras drogas ilícitas e devastadoras, é infinitamente menos potente na despersonalização.

Talvez, um dos motivos para não questionarmos o uso dos discursos de ódio seja por que aproveitamos a chance para extravasar parcialmente a pressão a que somos submetidos. Não é incomum dar vazão a práticas de barbárie e efetuar uma catarse social. Vomitamos o que foi engulido à força: o alvo não importa, é apenas o esparro da vez.

Qualquer indivíduo com um mínimo de conhecimento crítico, especialmente das áreas humanas, pode avaliar a periculosidade de um sociopata no poder. Os exemplos históricos e recorrentes não dão conta de ensinar a identificar para evitar a repetição e, quando percebemos, o estrago está feito, uma sociedade inteira corrompida e submetida aos desmandos insufladores da desqualificação da vida humana. Há sempre o alvo, não se iluda.

Qualquer que estude o uso do poder, pode estabelecer a correlação inversa entre pressão emocional sob um indivíduo e sua desumanização. Amplia um, reduz o outro. Como na alegoria dos dois lobos, criamos um para ser mau e outro para ser bom, porém alimentamos um ou outro em acordo com os nossos interesses momentâneos — o que habita o coração se expressa na prática.

Reflita sobre isso: do exigir que o colega pense, se vista ou aja do mesmo modo que o grupo a que vocês pertencem, até o submeter à tortura (psicológica, emocional ou física) quem não coaduna com as suas verdades, o que perpassa é o ódio acumulado, nossas próprias desqualificações, inconformidades e desapontamentos.

Quando bem administrados, todos os fluxos tendem à complementaridade. Só que não conter esse lado obscuro da psiquê pode ser o ponto de desequilíbrio no universo pessoal e social quando se torna o elemento disparador de tudo o que há de mau na humanidade.

Wellington de Oliveira Teixeira, em 18 de julho de 2015.

* Segundo o Michaelis, disruptivo é o que causa ou tende a causar disrupção; que rompe. A descarga disruptiva é o rompedor, o separativo, o separatório, o suspensivo, o interruptivo:
  • Como algo socialmente desejável, representa a transformação, a inovação.
  • Quando associado a um transtorno por desregulação do humor, expressa-se por comportamentos que tendem ao descontrole: frequentes explosões de raiva que se efetivam em violência física ou verbal.

17 de jul. de 2015

A linda imagem da podridão

Sarcófagos criado por Wellington de Oliveira Teixeira em 16-07-2015.
Sarcófagos*, criado em 16-07-2015.

Jesus falou: Todas as coisas que vos disserem que observeis, observai-as e fazei-as; mas não procedais em conformidade com as suas obras, porque dizem e não fazem; Ai de vós, escribas e fariseus, hipócritas!;
  • porque fechais aos homens o reino dos céus; e nem vós entrais nem deixais entrar aos que estão entrando.
  • porque devorais as casas das viúvas, sob pretexto de prolongadas orações; por isso sofrereis mais rigoroso juízo.
  • porque percorreis o mar e a terra para fazer um prosélito; e, depois de o terdes feito, o fazeis filho do inferno duas vezes mais do que vós.
  • porque dizimais a hortelã, o endro e o cominho, e desprezais o mais importante da lei, o juízo, a misericórdia e a fé; deveis, porém, fazer estas coisas, e não omitir aquelas. Condutores cegos! que coais um mosquito e engulis um camelo.
  • porque limpais o exterior do copo e do prato, mas o interior está cheio de rapina e de intemperança. Fariseu cego! limpa primeiro o interior do copo e do prato, para que também o exterior fique limpo.
  • porque sois semelhantes aos sepulcros caiados, que por fora realmente parecem formosos, mas interiormente estão cheios de ossos de mortos e de toda a imundícia. Assim também vós exteriormente pareceis justos aos homens, mas interiormente estais cheios de hipocrisia e de iniquidade.
(Bíblia — trechos de Mateus 23:1-39)

Se a fé é seu único argumento, por favor, não me critique: é um direito inalienável meu crer de forma diferente de você.

Há um certo bode no ar, resultante de uma bad trip, a intoxicação causada por uma poderosa droga considerada lícita: a manipulação pelos meios de comunicação — religiosa ou não — realizada pelos mesmos operadores do controle midiático e utilizando as mesmas argumentações das estrelas gospel da pregação.

A crítica se estabelece na incoerência: prega-se o que não se pratica. Todos, por um passe de mágica, esqueceram que os primeiros cristãos receberam esta nomeação por repartirem entre si o cuidado, dividindo tudo o que possuíam. Cuidavam diligentemente dos pobres, das viúvas, das crianças — os desconsiderados socialmente. Comportavam-se como o comunista crucificado: tinham tudo em comum.

O tal do enriquecimento como prova da benção divina não foi alvo de nenhuma pregação do Cristo, nem discursos de desqualificação. Perdão. Esqueci dos pregadores aliados aos políticos e os desviadores da fé em prol dos recursos financeiros — o tais sepulcros caiados, vendendo uma linda e alva imagem da podridão interior. Os que, já naquela época fediam, e seu cheiro já alcançava os céus, na expressão que usam para outros grupos que não adotam seus discursos.

Palavras se desgastam pelo uso, mas ainda são importantíssimas: fundamentalismo, radicalismo, intolerância. Certamente o oposto da figura que alegam representar, os fariseus pós-modernos continuam reproduzindo o antigo modelo, aliando-se aos políticos em negociatas visando a expansão de seu poder de influência. Vale tudo para que suas imposições tornem-se leis.

E, como em gerações passadas, a população é usada em prol dos seus interesses: crucificam o salvador por que em desacordo com as interpretações estabelecidas. Certamente, ensinam o 'queremos o filho do Pai', só que indicam um outro para ocupar o lugar do autêntico, o Barrabás. Esse desvio do verdadeiro alvo se repete na atualidade e os incautos são enganados e perpetuam seu poder político, social e financeiro.

Recentemente, vi algumas pessoas se escandalizando ao ver crianças sendo obrigadas a decepar cabeças de infiéis, esquecendo que a motivação é a mesma, a prática é a mesma: controle social por uma camada sacerdotal. Que importa quantos são mortos ou torturados por interesses particulares escusos (como em qualquer ditadura!)? Que importa quantos são alijados de sua cidadania ou relegados a uma segunda categoria de humanidade? Uma vez a insanidade tenha se estabelecido, os discursos de ódio ganham consistência e prática: não pensa como eu, precisa ser eliminado. Afinal tudo é feito em nome de Deus — o que quer que tenham tornado essa expressão.

Wellington de Oliveira Teixeira, em 17 de julho de 2015.

* Sepulcro foi a analogia escolhida por Jesus para a hipocrisia. O sarcófago, privilégio de mortos da classe alta, era uma urna funerária, geralmente de pedra, colocada sobre o solo ou enterrada. No Antigo Egito, corpos mumificados na busca de evitar-se o mau cheiro e deter a decomposição eram depositados nesse tipo de urna, mas a caixa ricamente ornada apenas desviava a atenção do essencial: não pulsava vida ali dentro.

15 de jul. de 2015

Cristalino

Cristalino criado por Wellington de Oliveira Teixeira em 15-07-2015.
Cristalino, criado em 15-07-2015.

O que você pensaria se eu cantasse desafinado? Você se levantaria e me abandonaria?
Empreste-me seus ouvidos e lhe cantarei uma canção. Tentarei não sair do tom!
Ah, eu consigo, eu vou longe, eu tentarei, com uma pequena ajuda de meus amigos!

O que eu faço quando quem amo está distante? (preocupa-lhe a solidão?)
Como eu me sinto ao final do dia? (entristeceu-se por estar sozinho?)
Ah, eu consigo, eu vou longe, eu tentarei, com uma pequena ajuda de meus amigos!

Você precisa de alguém? (Eu preciso de alguém para amar!)
Pode ser qualquer pessoa? (Eu quero alguém para amar!)
Ah, eu consigo, eu vou longe, eu tentarei, com uma pequena ajuda de meus amigos!

Você acredita em amor à primeira vista? Sim. Estou certo que acontece a toda hora!
O que você enxerga ao apagar a luz? Não posso contar, pois sei que isso é meu.
Ah, eu consigo, eu vou longe, eu tentarei, com uma pequena ajuda de meus amigos!

(Beattles — With a little help from my friends)


Nada tão revigorante quanto criança. O aprendizado com os fluxos inconstantes e diversificados — por segundos apenas, estratificados — me parece a cristalização momentânea, conceito compartilhado pelo Eric, o pai do Pedro, um sujeitinho que eu reconheci ontem.

— "Eu gosto do verde. Esse, e do escuro também, e gosto do azul". E eu percebo o gostar de mexer, encaixar, descobrir profundidades e experimentar (às vezes com um olhar crítico da Patrícia, ao lado!). É preciso participar, ganhar um pouco (ou muito) da atenção, interrompendo o diálogo alheio. Alheio a ele e ao seu interesse.

E uma tarde inteira vai passando, os movimentos do pensamento sendo reordenados — às vezes é preciso apenas trocar as posições das peças que estão sendo usadas. Vale tentar, afinal de contas o mundo não acaba amanhã. Relaxa!

E o duro e pesado fardo das questões sociais, da participação consciente, da busca de novas formas de expandir as condições de expressão de outras potências vai se tornando um pouco menor, mais leve. Não por que as questões tornaram-se mais simples, por que nós nos permitimos equilibrar as forças do medo com as da amizade. Há fantasmas, sim! Assustam-me, como também ao Pedro. Saem com a capa balançando e dão um grito que pega a gente de surpresa. Passado o susto, esquecemos. Vamos em frente.

Guardo comigo o brilho dos lindos olhos na hora do sopro da sorte sobre as mãos quase fechadas, porque guardam uma moeda bem sacudida, antes de se dizer 'Cara ou Coroa?'. O riso e a gargalhada alta, quase um grito de agradecimento para a vida, sai ingênuo e encantador. Mais um ponto! Faltam mais um, três vezes, pra chegar ao 10 e ganhar a partida.

Assim como falta pouco para se restabelecer a ordem no meu universo: os pontos de identificação já se estabeleceram e o contato pleno se realizou. A energia flui novamente, porque desbloqueada.

Hoje, um dia depois, enquanto aguardo a operação de olhos de minha mãe, me embalo com esses sentimentos tão engrandecedores da alma. Me permito ao espírito efetivar novas forças a fim de que possam ser transmitidas como um imenso desejo de sucesso para a intervenção cirúrgica, de modo a retornar uma visão de mundo cristalina para a dona Marilda de Oliveira Teixeira, assim como retornou a minha com a grande ajuda de um pequeno amigo*.

Wellington de Oliveira Teixeira, em 15 de julho de 2015.

* Eu contava com apenas sete anos de idade, quando um grupo de jovens inconformados com a hipocrisia de uma época se reuniram, passaram dias juntos. Foi o Woodstock. Talentos que definiram um novo rumo para a música mundial se apresentaram. Como todo movimento sem determinações prévias, houve excessos dos bons e dos maus.
Uma das boas marcas desse encontro ficou registrada interpretação de Joe Cocker para a música dos Beatles With a little help from my friends (Paul McCartney, com a última frase de John Lenon).
A mensagem se mantém viva e cristalina: É possível, com uma pequena ajuda dos amigos! Indico duas das interpretações do Joe Cocker: a do Woodstock (1969) e a do Queen's Golden Jubilee (em 2002, com participações de Phil Collins, na bateria, e Brian May na guitarra.)

11 de jul. de 2015

Que nem maré

Que nem maré, criado por Wellington de Oliveira Teixeira em 11-07-2015
Que nem maré**, criado em 11-07-2015.

Nada do que foi será de novo do jeito que já foi um dia: tudo passa, tudo sempre passará.
A vida vem em ondas, como um mar num indo e vindo infinito.
Tudo que se vê não é igual ao que a gente viu há um segundo: tudo muda o tempo todo no mundo.
Não adianta fugir, nem mentir pra si mesmo.
Agora há tanta vida lá fora, aqui dentro, sempre: como uma onda no mar.

(Lulu Santos e Nelson Motta — Como uma onda)


Meus universos disputam espaço dentro e fora de mim. De forma feroz tentam me induzir à simpatia ou antipatia em relação ao que presencio ou vivencio. É que a educação em preceitos e preconceitos produziu efeitos que exigiram muitos anos de vida para minimizá-los.

Não alcancei o equilíbrio desejado. De quando em vez, alguns dos que abomino atonam e se expressam, mesmo contra a minha vontade. Já viu onda no mar que sobe muitíssimo e depois se lança ao fundo carregando tudo em seu caminho? Bem, para quem está dentro é um processo bastante assustador.

Identifico esse como um dos fortíssimos motivos para incessantemente me aproximar de elementos diversificados, os que me oferecem a chance de entender quão mesquinhas são essas propostas de imobilização, reprodução e monocromia. Tudo parado e igual: monotonia. Tem até samba de uma nota só, mas tem que fazer malabarismos para produzir algo bom com isso.

Me propus — algo que indico — retomar algumas leituras. Simultâneos, livros clássicos e pops — nas playlists é uma constante essa conjunção. Para mim, é permitir pincel grosso e aquarela coabitarem o mesmo espaço, marcando com tons pesados e muitos leves a mesma tela.

Ser eu mesmo, o que quer que isso signifique neste momento, impõe a expressividade sendo utilizada criteriosamente. Não à toa. Minha nudez é uma intimidade e tem aspectos reservados, não minha razão. Ainda assim, ao escrever, tento desenvolver pensamentos e não, apenas, raciocínios. Há lógica, mas permeada pelo desejo de aflorar sensibilidades e outras capacidades que cada um possui.

Esse texto é uma tentativa disso, conduz a uma espécie de crítica ao enrijecimento, valoriza o cuidado de si, expressa movimentos pessoais, no entanto, insufla um egoísmo crítico: como no amar ao próximo como a si mesmo, expressividade deve começar em si para conseguir ir adiante sem se tornar um rolo compressor esmagando, massificando outros.

Nenhuma verdade pode tornar-se verdadeira omitindo ou eclipsando outras verdades.

Somos múltiplos. Há multiplicidade em tudo que nos rodeia e nos permeia. Cada um expressa não unicamente um modo de ser. Variamos. Carregamos por assimilação ou por um difícil processo de produção tudo o que nos torna únicos. E é essa unicidade estruturada na multiplicidade que me encanta. A ela dedico, entendendo que são como as intensas e imprevisíveis ondulações que caracterizam o mar, esse esforço para seduzir seu pensamento. É que unir forças é fundamental para expandirmos nossas potencialidades*.

Wellington de Oliveira Teixeira, em 11 de julho de 2015.

* Nagil Teixeira completa 90 anos. Na certidão de nascimento do meu tio e pai de criação consta:
Certifico que à fl 003V do livro n° 15-A sob o número de ordem 81, foi lavrado o assentamento de NAGIL TEIXEIRA, nascido aos 12 dias do mês de julho do ano de 1925, às 02:00 horas, no(a) lugar denominado Serro Frio, neste Distrito…
** Para quem tem dúvidas, a expressão 'que nem' é válida e correta, carregando o sentido de comparativo de igualdade, substitui o termo 'como'.

10 de jul. de 2015

Espíritos indóceis

Espírito indóceis, criado por Wellington de Oliveira Teixeira em 09-07-2015
Espírito indóceis*, criado em 09-07-2015.

Um menino caminha e caminhando chega no muro. E ali logo em frente a esperar pela gente o futuro está.
E o futuro é uma astronave que tentamos pilotar, não tem tempo nem piedade nem tem hora de chegar.
Sem pedir licença muda nossa vida, depois convida a rir ou chorar.
Nessa estrada não nos cabe conhecer ou ver o que virá, o fim dela ninguém sabe bem ao certo onde vai dar.
Vamos todos numa linda passarela de uma aquarela que um dia enfim descolorirá.

(Toquinho — Aquarela)


Permita-se, por um momento, um olhar que ultrapasse a rigidez de uma interpretação única dos fatos e atos, essa crença em um jeito de viver a que todos devem se assujeitar e se conformar.

O inacreditável ronda qualquer dos nossos atos. O mínimo movimento espelha a constituição cósmica dos seres (atração e gravitação), em especial quando atraídos ao encontro do promotor do ainda impensável, o desconhecido.

Acreditar que expressar a potência da vida é resultado das forças adquiridas e do que se construiu com ela não é algo herético. É coerente com qualquer pensamento ético, religioso ou filosófico. É possível aos que deles absorvem mais positividade que degradações — já que todos os encontros carregam, sem si, prós e contras! — ampliar as vias mais esclarecidas, em vez de seguir a esmo.

Sim, ainda é possível ir às escuras, aventurar-se por vias de alta periculosidade para encontrar fontes promotoras de novas capacidades ou novidades. Desse risco provaram muitos dos pioneiros ingênuos. Outros, porém, por terem alcançado um alto grau de avaliação de contexto, seguiram outra trilha e conseguiram até dividir o Novo mundo, antes de alcançado — recorde o Tratado das Tordesilhas, entre Portugal e Espanha, das aulas de história.

Loucos somos nós, não eles. É o que a história comprova. Desde muito antes da controvérsia de quem gira em torno de quem nessa galáxia, se a Terra era redonda ou plana, as verdades estabelecidas impediam o avançar e constituir novos mundos.

Acreditar no antropocentrismo permitiu submeter tudo ao julgo humano. Exaurimos a vida de qualquer ser e as reservas naturais, em prol do desperdício — ignobilmente chamado de qualidade de vida. Possibilidade aberta não por intuição e lógica reunidas por mentes abertas ao novo, aplicadas por espíritos aventureiros e não dóceis ao repetitivo e cotidianamente enfadonho. Foi pelo desejo de manter o poder a qualquer custo, utilizando-se de uma cadeia de influências para produzir normas e leis que o perpetuem.

Ao contrário dos que se rebelam contra esse caos estabelecido por práticas insanas, o restante de nós, talvez docilizados demais, entorpecidos pela vontade de verdade absoluta e atemporal, fazemos coro aos que apedrejam e desqualificam aqueles que estabelecem uma jornada de vida diferenciada e propõem uma nova forma de relacionamento entre o homem e a natureza, entre o homem e o homem.

A imbecilidade humana só consegue ultrapassar suas imensas capacidades quando há interesses em jogo manipulando todos ao redor em benefício próprio. É a história do domínio, do subjugo. Tristemente reconheço que há muito isso é feito por convencimento: adotamos sem reclamar.

Hora de surgir novos heróis, incondicionados, inconformados, mas plenamente conscientes da necessidade de ir em busca de alternativas para produzirem nova conscientização. Talvez unicamente a eles caberá — enquanto todos nós outros não ousamos — descobrir aquilo que se oculta e nos controla e nos manipula diariamente; retirar a película que encobre nossos olhos impedindo o enxergar a realidade. Quem sabe aprendamos como deixar de reproduzir os absolutos sem sentido, com a justificativa de que sempre foi assim e assim deverá continuar a ser.

Wellington de Oliveira Teixeira, em 10 de julho de 2015.

* Pioneiro vem do francês pionnier, alguém que abre caminhos por locais desconhecidos: o precursor, o desbravador e o descobridor.
  • Militares denominam assim o soldado que vai adiante no terreno preparando o caminho para o resto do esquadrão.
  • Nos negócios, os empreendedores ganham essa denominação quando investem na inovação, delimitando novos horizontes.
  • Pescadores nomeiam dessa forma o cabo lançado à água da popa de um barco de pesca que, por possuir uma pedra amarrada na extremidade, evita que correntes fortes gerem guinadas no barco.
E nessa última qualificação me baseio para alertar para a questão do equilíbrio em toda forma de aventura e de investimento no desconhecido.

O Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova foi redigido por Fernando de Azevedo e assinado por grandes intelectuais brasileiros como Anísio Teixeira, Afrânio Peixoto, Lourenço Filho, Roquette Pinto, Delgado de Carvalho, Hermes Lima e Cecília Meireles. Era o entendimento da importância de propiciar uma educação de qualidade para todos. Helena Bomeny, pesquisadora do CPDOC da Fundação Getúlio Vargas, produz um texto bem ilustrativo em O Brasil de JK > Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova

5 de jul. de 2015

A desestruturação é cósmica

Desestruturação cósmica, criado por Wellington de Oliveira Teixeira em 05-07-2015.
Desestruturação cósmica, criado em 05-07-2015.

Oração da Paz
Senhor: Fazei de mim um instrumento de vossa Paz.
Onde houver Ódio, que eu leve o Amor,
Onde houver Ofensa, que eu leve o Perdão.
Onde houver Discórdia, que eu leve a União.
Onde houver Dúvida, que eu leve a Fé.
Onde houver Erro, que eu leve a Verdade.
Onde houver Desespero, que eu leve a Esperança.
Onde houver Tristeza, que eu leve a Alegria.
Onde houver Trevas, que eu leve a Luz!
Ó Mestre, fazei que eu procure mais:
consolar, que ser consolado;
compreender, que ser compreendido;
amar, que ser amado.
Pois é dando que se recebe,
perdoando que se é perdoado,
e é morrendo que se vive para a vida eterna!
Amém.

(Origem anônima, geralmente atribuída a São Francisco de Assis)


Os fluxos de conexão com a terra, a água e o ar não precisam estar em equilíbrio com o indivíduo para que ele saiba quando e onde semear e produzir uma boa colheita. Do mesmo modo, muitas outras formas sensoriais que durante séculos foram utilizadas pela humanidade caíram em desuso. Inclusive, tornou-se obsoleta a capacidade de antecipação, diante das tecnologias desenvolvidas pela humanidade.*

Motivo de preocupação? Talvez. Caso ocorra um novo colapso na configuração mundial — a simples proximidade de um cometa ou expansão do fulgor de uma estrela seriam capazes de desabilitar a maioria dos recursos tecnológicos disponíveis.

Mas pensemos um pouco ampliado. Novos universos estão em formação nas incontáveis e distantes galáxias. Uma estrela está se desintegrando e sua força, ao expandir-se, propulsiona milhões de elementos em nossa direção. Talvez, possamos identificá-los e contemplar a sua luminosidade destacando-se em um céu limpo.

É assim que a transformação — mesmo a produzida com a destruição de uma estrutura milenar — é implacável e eficiente em seus propósitos. O infindável estabelecimento de restruturações. O conceito vale para minúsculas mudanças no seu corpo, para o que afeta sua mente e até para o que se estabelece como novo constituinte do seu espírito.

A Ordem definiu que tudo concorre igualmente para a manutenção do equilíbrio da vida, e nossa inserção nas leis universais deveria produzir respeito e consideração por todas as criaturas.

Apreciar fatos, pesquisar, desenvolver teorias é a manifestação mais pura de nossa natureza como seres desejantes, em especial do conhecimento. Na contramão, inquietação não propicia condições para a superação do que quer que ocupe a sua mente, mesmo o que surge em função dessa reflexão.

A vida propõe questões. Há recursos dentro e fora do ser humano para, apropriando-se deles, ultrapassá-las. E para todas aquelas que, por alguma impossibilidade momentânea, não foram superadas, o aprendizado da paciência e da perseverança também é um caminho que nos conduz à Sabedoria.

Wellington de Oliveira Teixeira, em 05 de julho de 2015.

* A revolução tecnológica reconfigurou o modus operandi humano. Dispositivos modernos, integrados às redes virtuais, influenciam emoções, razão e inserção social. Produção, consumo, modos de sonhar, de lutar e divulgar ideias alcançaram outro estágio.
A intensificação do imediatismo, o desconforto perante novas exigências na execução de tarefas, a invasão de privacidade, a noção de tempo e as formas de lazer se enraízam e constituem a nova sociedade.
Apenas o primeiro passo para outra estruturação das sensibilidades e do cérebro afim de proporcionar a hibridação humano-máquina.

4 de jul. de 2015

A corrosão já se estabeleceu na alma

Enferrujando, criado por Wellington de Oliveira Teixeira em 04-07-2015.
Enferrujando*, criado em 04-07-2015.

Para um iniciante, o mestre Zen normalmente apresentará esse Mu-Koan ou um entre os dois seguintes:
"Qual era o seu rosto original — aquele que você possuía antes de nascer?"
"Você pode produzir o som de duas mãos batendo uma na outra. Mas qual é o som de uma das mãos?"
Deparamo-nos aqui com um surpreendente paralelo com as situações paradoxais com que se defrontam os físicos no início da Física atômica. Como sucede no Zen, a verdade achava-se escondida em paradoxos que não podiam ser resolvidos pelo raciocínio lógico mas demandavam ser compreendidos nos termos de uma nova percepção: a percepção da realidade atômica. Aqui, o professor foi, unicamente, a natureza que, à semelhança do Zen, não fornece quaisquer afirmativas, mas apenas enigmas.
(Fritjof Capra — O Tao da física: um paralelo entre a Física moderna e o Misticismo oriental, p.44-45)


Ousássemos um pouquinho mais olhar a engrenagem que nos move e que sustenta todos os movimentos de vida, certamente encontraríamos os sinais evidenciando a corrosão que se estabeleceu.

Talvez não haja disposição para usar abrasivos para restaurá-la: causará dor, exigirá esforço. A gente vai se acostumando, até mesmo com os vazamentos tão indesejáveis que a oxidação expõem à realidade tornando os elementos decorativos, colocados para disfarçar, ineficazes.

Deixamos de cuidar da estrutura. O essencial agora é o supérfluo. Gastamos as forças que nos elevariam a um patamar mais pleno para colocar um brilho para chamar a atenção. Queremos a concordância, a admiração, o pertencimento, acima da integridade como ser.

A mágica da diferenciação se perdeu nos rituais da repetição. A sensibilidade foi emudecida para que fizéssemos coro com a maioria. Incoerência não incomoda, hipocrisia é admirável, desde que a fama amorteça o esvaziamento que vai provocando.

Ainda resta um certo brilho, uma aura resistindo ao apagamento, mas a proximidade do espedaçamento e do esgarçamento interior se anuncia com rapidez, ecoando como um brado, um socorro, um alarme denunciando o irretornável.

Uma nova espécie está surgindo, docilmente maleável ao domínio e à manipulação. O que algum dia era execrável e impensável tornou-se o novo alvo para a vida.

O mundo das essências, enquanto originalidade e singularidade, perde o seu espaço, a passos largos, e nenhum plano de contingência foi estabelecido para evitar sua extinção. À semelhança do que acontece no planeta, os recursos que permitiriam a restauração encontram-se perigosamente escassos.

Do fundo do meu coração, não quero ver o resultado desse processo, não quero conhecer esse sujeito que um dia foi humano, não quero experienciar a nulificação da alma, muito menos a cauterização do espírito. Enquanto não me encontro apto para alçar outros voos, nado contra a corrente, ouso o libertário ato de questionar e criticar, promovo outro modo de ser e estar, quem sabe, de restaurar à vida a sua plenitude roubada.

Wellington de Oliveira Teixeira, em 04 de julho de 2015.

* o processo de oxidação estabelecido em peças metálicas resulta da falta de manutenção, especialmente quando há exposição direta aos ambientes impróprios e desuso. Se caracteriza pela desconstrução gradual e inexorável do material ao ponto de perder toda a sua resistência e propriedades iniciais.

3 de jul. de 2015

Sobre todas as coisas

Persistência, criado por Wellington de Oliveira Teixeira em 03-07-2015.
Persistência*, criado em 03-07-2015.

A persistência é o menor caminho do êxito.
(Charles Chaplin — Chaplin - Vida e Pensamentos, p.118)


É preciso coragem e ousadia para encarar o nada, essa forma infame de nulificar as forças da vida em prol de uma falsa esperança de futuro melhor, que aceita a desqualificação da existência viva e pujante, em todos os níveis, no momento atual.

Somos, quando aceitamos pacificamente essa manipulação de sentimentos, pensamentos e práticas, apenas um animal olhando para a cenoura a frente sonhando com um prazer futuro. Não estou fazendo apologia a vida intensa mas destrutiva. Defendo outra forma de ser e estar nesse mundo: potência expandindo e manifestando em todos os seres.

Isso me leva a considerar não apenas formas elevadas ou sofisticadas de viver, as mais simples e primitivas também carregam e expressam a surgente força da vida. Insurgente contra a nulificação, a inexpressividade, a total imobilidade, ou aquilo que denominamos como morte. Morte em vida. São necessários a escuridão e a luz, repouso e a atividade, silenciar os pensamentos estabelecidos para que possamos escutar os novos e emergentes. O simples e belo é a forma mais sofisticada de expressão.

Aposto num processo diferenciado de luta. Não ir contra algo, mas a favor de um outro algo diferenciado, transformador e renovador da existência. Há regras que regem o diferente e diferem daquelas que nos regem, mas isso não deve nos afetar. A coexistência pacífica e frutífera deve ser a opção de modo de convivência.

Não me canso de repetir — e o farei até que o entendimento surja — de que a vida foi estabelecida e se mantém na diferenciação, não na igualdade como padrão. As semelhanças, os pontos em comum e a composição de forças produzem o que a leva adiante. Abelhas e flores: polinização e mel; água, carbono e sol: fotossíntese e oxigênio. A ordem é simbiôntica e não parasitária.

A vida valoriza cada ser, todos são igualmente necessários ao ciclo da vida; estimula a capacidade da coexistência entre os seres diferentes para se expandir.

É puro desejo, apesar da improbabilidade, visualizar uma realidade onde haja pessoas alimentando mais o amor que o ódio, consequentemente produzindo práticas mais fortalecedoras e sustentadoras da coesão e da coletivização. Utopia fundamental para eu desejar ir adiante, mesmo que seja apenas um referencial, o unir forças em prol de todos e do todo é minha meta.

Esbarra sempre nas palavras dogmáticas e legalistas de alguns. Quem sabe o fluxo mude — como a água contornando as pedras — e muitos percebam que o véu do templo já se rasgou — de alto a baixo — e um novo e contínuo fluxo de liberdade surgiu e sua efervescência no íntimo contrapõe-se à escravidão das antigas leis. Não é ficar lutando contra o olho por olho, é apenas manifestar o amor sobre todas as outras coisas.

Wellington de Oliveira Teixeira, em 03 de julho de 2015.

* Diz-se que a vida é persistente, não desiste, mesmo diante de obstáculos que impossibilitam a sua permanência insiste em ir adiante.

1 de jul. de 2015

É preciso ser singular

Desindividualização, criado por Wellington de Oliveira Teixeira em 01-07-2015.
Desindividualização*, criado em 01-07-2015.

Em uma fazenda, animais insatisfeitos com o dono revoltaram-se contra o tratamento opressor, iniciando uma mudança social: igualdade entre os animais e inimizade com os homens. Fundaram a Granja dos Bichos onde a máxima era: Quatro pernas bom, duas pernas ruim.
Os porcos foram eleitos os supervisores das novas regras:
ninguém poderia morar em casa, dormir em camas ou usar roupas, beber álcool, fumar, tocar em dinheiro ou fazer comércio. O trabalho seria para o próprio sustento, aumentando o tempo de lazer. Mas logo surgiu a primeira discriminação: só os porcos poderiam comer maçã e leite — os animais estranharam, mas acabaram aceitando.
Após a superação de obstáculos e de uma batalha contra os homens, o líder da revolução assumiu o poder total e, com ajuda de cães adestrados, expulsou seu rivais. Com o golpe, muito trabalho e escassez. Os porcos passaram a morar na casa da fazenda, a dormir em camas, e resolveram fazer comércio com os homens. A constituição foi alterada:
Quatro pernas bom, duas pernas melhor. Todos os animais são iguais, mas só que uns são mais iguais do que os outros. Os que tentaram reagir foram todos acusados de traição, calados e sacrificados.
Com o passar do tempo, os animais ficaram perplexos ao verificar que era difícil distinguir quem era porco e quem era homem, devido a semelhança.

([resumo de] A revolução dos bichos — George Orwell)


Quando percebo alguém seguindo diferenciado de um certo padrão eu digo: 'que bom!'. A vida se constituiu pela diferenciação, não pela repetição. Se vejo alguém ousar o impensável, mais ainda. As conquistas da humanidade são baseadas em pensamentos incríveis que se concretizaram após um certo tempo. Mesmo quando foram casos considerados errados, improváveis, impossíveis ou inviáveis.

Sem contextualizar é impossível entender a história. Valores dependem da temporalidade, da localidade. É evidente que o que se entendia por amor no passado não é a mesma coisa que atualmente se crê, após sermos carregados pelo recente movimento artístico do romantismo. Casamentos, idem. Basta você recordar que era só um contrato para manter territórios e ampliar o poder político. Infância, então, nem se fala. Pense que crianças só ganhavam nome depois que tinham 'vingado', isto é, sobrevivido por certo tempo e poderia participar do trabalho familiar. A tal da inocência e separação das 'coisas de adulto' é uma invenção mais recente ainda.

Por isso, irrita ver quando insistem em definir papéis, obrigações sociais e as aparências deste ridículo 'way of life' monolítico, repetitivo, cujo único e determinado objetivo é que você o adote e exclua qualquer outro modo de ser.

Vejo todos que entram nessa corda bamba de sombrinha (lembrou do bêbado e a equilibrista?) constantemente aditivando-se, entorpecendo-se para aguentar a dor da máscara que não quer desgrudar do rosto. Observo-os se desqualificando por perder qualquer sombra de singularidade.

Insisto. Mesmo que hegemônico, esse é apenas um modo de viver. Insensato, ao meu ver, por retirar a expressividade. Quem entra nele se torna uma cópia de um quadro lindo feito por uma fotocopiadora: o resultado, todos sabem, é de muito baixa qualidade. É isso que a propaganda vende: desqualificação!

Não questionar é ser conivente, é aceitar um mundo mais pobre para todos. Não quero que morra, junto com a força individual que não mais se propaga, uma possível fonte de renovação em mim. E, não tenho dúvidas, o mundo é muito melhor quando há diversidade de forças de expansão e de motivação ao redor das pessoas. O 'way of life' é pura restrição, uma forma que promove apenas a adaptação.

A modelação promovida na atualidade por discursos fundamentalistas, não difere. A obrigatoriedade de seguir os valores estabelecidos por determinado grupo é um desrespeito às individualidades. Ignorando o fato, a máquina de desindividualizar produz discursos de ódio e práticas agressivas prontos a serem utilizados contra os que não se deixam formatar pelo padrão.

Wellington de Oliveira Teixeira, em 1° de julho de 2015.

* Dentre os sinônimos de desindividualizar podemos citar descaracterizar, desindividualizar, generalizar. Em si, um processo que retira do indivíduo suas propriedades.
O psicólogo francês Le Bon, em em 1895, em sua pesquisa The Crowd: Um estudo da mente popular, avalia o modo como a personalidade individual pode ser dominada por uma determinação coletiva ou de multidão.
Comportamento de multidão é aquele "unânime, emocional e intelectualmente fraco".
Um dos focos se sua teoria é o fato conhecido com perda de responsabilidade pessoal em multidões. A força exercida pelo coletivo sobre qualquer indivíduo, provocando um colapso em suas características individuais e um comportamento primitivo e hedonístico: a desindividualização promove o descontrole sobre as restrições internas ou morais.