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7 de nov. de 2015

A arte da Resistência

Resistência, criado por Wellington de Oliveira Teixeira entre 06 e 07/11/2015.
Resistência*, criado entre 06 e 07/11/2015.

Hoje você é quem manda: falou, tá falado, não tem discussão. A minha gente hoje anda falando de lado e olhando pro chão, viu?
Você que inventou esse estado e inventou de inventar toda a escuridão; você que inventou o pecado esqueceu-se de inventar o perdão.
Apesar de você, amanhã há de ser outro dia! Eu pergunto a você onde vai se esconder da enorme euforia; como vai proibir quando o galo insistir em cantar, água nova brotando e a gente se amando sem parar.
Quando chegar o momento, esse meu sofrimento vou cobrar com juros, juro! Todo esse amor reprimido, esse grito contido, este samba no escuro.
Você que inventou a tristeza, ora, tenha a fineza de desinventar: você vai pagar e é dobrado cada lágrima rolada nesse meu penar.
Apesar de você amanhã há de ser outro dia. Inda pago pra ver o jardim florescer qual você não queria. Você vai se amargar vendo o dia raiar sem lhe pedir licença e eu vou morrer de rir que esse dia há de vir antes do que você pensa.
Apesar de você amanhã há de ser outro dia, você vai ter que ver a manhã renascer e esbanjar poesia. Como vai se explicar vendo o céu clarear de repente, impunemente; como vai abafar nosso coro a cantar na sua frente.
Apesar de você amanhã há de ser outro dia: você vai se dar mal, etc. e tal.
(Chico Buarque — Apesar de Você)

Pela primeira vez, desde que eu comecei a produzir expressões de meus pensamentos e sentimentos em imagens, joguei fora o arquivo original com todas as camadas e efeitos estruturados, que me permitiria reproduzir em níveis diferentes o mesmo arquivo.

Inconscientemente, assim que gerei o arquivo compactado dessa imagem, me veio uma palavra e um sentido para descrevê-lo: resistência é uma ação, não um ato passivo de deixar-se suportar algo aguardando o momento em que a fonte da agressão se enfraqueça. Apesar de uma estratégia possível, viável em muitas situações, é desejável apenas quando é necessário recuperar-se de um desgaste imenso.

Uma outra maneira de agir é, enquanto os dentes sugadores do brilho de sua vida agem, ultrapassar a dor e achar ao seu redor um modo de quebrá-los ou de destituir seus donos da possibilidade de continuar a sugá-lo.

Pode parecer algo do padrão Mate, não morra!, mas não é. O objetivo é o de impedir uma agressão, não o de atacar. Faz toda a diferença a atitude que cerca e produz um ato.

É preciso continuar criando hinos à liberdade. Enquanto houver resistência, mesmo que tão pequena como a que se vê diante da massificação social; da modelação de pensamentos; da produção de raivosos discursos que, em si, não levam à mudança das causas motivadoras e da quase total apatia em relação a busca de questionamentos (basta de frases prontas!) haverá o surgimento de uma pálida forma de ser potente. Isso já seria o suficiente para não perdermos de vez a batalha pela vida plena.

Wellington de Oliveira Teixeira, em 07 de novembro de 2015.

* Na década de 1970, em plena Ditadura Militar, artistas buscavam modos de driblar a censura. Pela falta de liberdade de expressão, analogias eram utilizadas. Apesar de você representa uma das músicas proibidas de execução nas rádios brasileiras pelo governo do general Emílio Garrastazu Médici. Ao final do governo de Ernesto Geisel, desconhecendo o conteúdo crítico, Clara Nunes a regravou — o suficiente para que o Exército a obrigasse a se apresentar nas Olimpíadas do de 1971, compensando o mal-entendido.
O FATO
Em Fev-1971, em nota na sua coluna, o jornalista Sebastião Nery (Tribuna da Imprensa) afirmou que o filho dele e seus colegas cantavam "Apesar de Você" como se estivessem cantando o Hino Nacional. Resultado:
  • o jornalista foi chamado para depor na polícia,
  • ao compreender a mensagem implícita, foi vetada a execução pública da canção;
  • os oficiais do regime invadiram a sede da Philips e destruíram as cópias restantes do disco.
  • o censor que aprovou a canção foi punido.
Os oficiais do governo não acharam a matriz da gravação para destruí-la, permitindo a reedição da versão original da gravação. Diz-se que, quando indagado num interrogatório sobre quem era o "você" da letra, Chico afirmou "É uma mulher muito mandona, muito autoritária" — hoje todos sabem o seu nome: Ditadura.