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28 de dez. de 2016

Por uma geração inventora

MMXVII, criado por Wellington de Oliveira Teixeira em colaboração com Beto Lobo e Luis Cláudio da Rocha Prét, em 10-12-2016.
MMXVII*, criado em 10-12-2016.

Encostei a cabeça na parede, escutando o zumbido do silêncio; Eu me exauri especulando se teria colocado em curso o resultado certo ou o errado. Não é uma surpresa que eu não tenha conseguido dormir ontem à noite. Fiquei me perguntando no que daria aquela ligação, se é que daria em algo; se algum sonho ou pesadelo estaria tomando forma no nosso futuro, avolumando-se como uma tempestade, tornando-se real. Mas, também pensei, com aquela velha felicidade astuta: Independentemente do que o amanhã traga, você pode estar certa de pelo menos uma coisa, Edgewater: esta noite você deu a história da Dori a um desconhecido.
(Karen Russel — Doadores de sono)


Profetas de um futuro determinado indicam agarrar com unhas e dentes suas oportunidades, como se fossem exclusivas. Excluem da previsão as miríades de outras que, também, têm algo a presentear, que irão acrescentar elementos essenciais que — ainda que, neste momento, a razão seja incapaz de relacionar — irão compor seu campo de energia e o propulsionará ao adiante, ao novo.

O costume é algo perigoso. Geralmente, ele engessa novas descobertas.

A partir do momento em que o inventário pessoal de experiências permite atalhos reprodutores como o Copia e Cola 'algo está errado que não está certo', nas palavras do quase filósofo Beto Lobo, meu irmão. A vida produz rotatividade, apenas com aparência de repetição, que consiste em agregações. Cada curva ganha um novo patamar e novos elementos são anexados. Degraus de uma espiral ascendente.

Registros de 'tempo' como aniversários, dias primeiro ou segundas-feiras deveriam remeter ao inusitado, ao que iremos experimentar visando ampliar o espectro do que somos capazes – de identificar, de escolher, de vivenciar, de compartilhar – e que permite ultrapassamentos, não apenas reinício ou repetição. Tão óbvio quanto tão pouco entendido ou praticado.

Dói observar o embotamento produzido na alma brasileira, corroída e desgastada. Em que pese que todo o arsenal humano se baseia no desgastar e se reconstituir, o processo é por aquisição de novos elementos, transformar-se no sentido da evolução e não da mesmice. Por isso, as regras que dão continuidade estática, como roteiro de peça onde até o protagonista agoniza sua reprodução esquemática, são apenas induções marionéticas, midiopáticas, comandos viralizados por marketing social.

Ousadia é manipular essas articulações e se permitir inovar o texto, a cada novo contexto. Adaptar tem potencial para ser o passo inicial do inventar.

Quero crer na proximidade de uma geração inventora, contra todas as previsões contrárias. Uma que acolha mais pensamentos criativos que uma razão estruturadora; cujos olhos não estão, por escolha própria, obstruídos, embotados, ou com antolhos; cujo falar, ouvir e expressar provoque questionamentos, [re]avaliações, refazimentos de práticas. Talvez, meu imbatível desbravador de práticas, Luis Cláudio Prét, por me encantar com os movimentos criativos dos antigos e, mais ainda, dos pequenos novos filhotes do meu coração (como os Lucas, Pedros, dentre outros nomes), ou contaminado por essa pequena ruptura das rotinas, promovida pelo final de um ciclo de contagem, vou me permitir vislumbrar um horizonte contrário ao que o pessimismo quer me incutir.

Pouquíssimos ciclos expansivos são conquistados por transição suave, imperceptível; geralmente, por uma atividade coletiva e de intervenção consciente e colaborativa: minhas capacidades se reúnem com outras e se estruturam como um único organismo. No microcosmo e no macrocosmo os indícios me promovem esse pensamento. Alguns, por intervenção de uma ordem de grandeza desconhecida e externa – um pedaço de pedra cai na terra e muda a sua superfície, talvez algo não tão drástico! – que impõe o reequilíbrio ou o desfazimento total.

Aprendi que, na iminência do precipício, uma parcela importante dos seres humanos retoma seu potencial máximo de colaboração e atua para a transformação. A emergência de movimentos estudantis defensores de direitos e promotores de novas conquistas estão me encantando. As formas de colaboração em rede, especialmente as científicas, também. É pouco. Mas, uma vez que o gatilho foi disparado, a reação é em cadeia mundial.

Erros continuarão sendo cometidos. Novas propostas serão abduzidas ou cooptadas por grupos de interesses antagônicos. Novas lideranças serão corrompidas. Sou consciente disso, meu querido Eric Bragança. Inclusive porque essas decomposições das forças de transformação constituem-se como um elemento positivo: nada deve se permitir estagnar. Superação exige, a cada impedimento, refazer o percurso até que a composição de forças permita retirá-lo do caminho. Talvez, algo melhor: transformá-lo e utilizá-lo para alcançar uma propulsão maior.

Wellington de Oliveira Teixeira, em 28 de dezembro de 2017.

* MMXVII (2017, em algarismos romanos) é uma obra colaborativa cuja estrutura básica resultou de um 'papo cabeça' com meu amigo Eric e que recebeu interações de pensamentos com meu filhote Claudinho (Brasília-DF) e com meu irmão Beto. Foi estampada em camisas para a Virada deste ano. Nas costas (não apresentado aqui) está o texto: Impossível, uma fronteira a ser ultrapassada.
Este ano de 2016 mostrou-se nefasto para o olhar do homem comum, em mim. Ao mesmo tempo, para observador atemporal, em mim, extremamente promissor para a efervescência de novos modos de ser e estar coletivos. Dizem que tudo depende da perspectiva, mas, prefiro crer, que tudo depende da percepção de um mundo que alguém se potencialize para construir. Que os fluxos sejam expansivos, potencializadores, inovadores e incendeiem um fogo interior que nos encaminhe para o indizível, o impensável e à plenitude do ser.
[Minha gratidão pelo esforço de elucidação da impecabilidade do guerreiro, Dom Juan!]

17 de dez. de 2016

Da submissão ao amadurecimento social

Submissão, criado por Wellington de Oliveira Teixeira em 16-12-2016.
Submissão, criado em 16-12-2016.

O princípio da diferença é uma concepção fortemente igualitária no sentido de que, a menos que haja uma distribuição que faça com que ambas as pessoas fiquem em melhor situação… uma distribuição igualitária deve ser preferida.
(John Rawls*, 1971, citado por Ben Dupré em O princípio da diferença, p.187)


A história da geopolítica demonstra que dominadores importam-se mais com táticas de dominação grupal. Pessoas, isoladamente, podem agir conscientemente mas multidões ignoram individualidades. Fundamental ao domínio é detectar e desconstruir os elementos de coesão.

Vírus ensinam como desconstruir um corpo. Sujeitos infiltrados os replicam, desacreditando os movimentos legítimos, especialmente aqueles cuja retidão é inatacável. Mercenários de interesses poderosos tumultuam, enfraquecem lealdades, conflituam ideias pacíficas, disseminam a decomposição de forças propositivas.

Impõe-se aos coletivos recapitular, retornar a agir pela mútua proteção, assim como o sistema defensivo protege-se contra corpos invasores. Nas passeatas, cruzar os braços, se imobilizar e apontar para o elemento estranho que tenta desorganizar tornou-se uma ação refletida e eficaz. No apoio, a distribuição das descobertas individuais potencializou a atuação desmascarando os ardis de culpabilização do sistema repressivo: fotografias, streaming de vídeos e áudios disseminados na internet são extremamente velozes e esclarecedores.

Ideias militaristas não nos interessa: como nos filmes de ação hollywoodianos, os protagonistas viram heróis e os coadjuvantes são aniquilados. Nosso projeto é outro. Avançamos em bloco único e todos são protagonistas e cada um a mais importante linha de defesa. Aprendemos com nossos trabalhadores de construção: cada pedra, cada tijolo, cada ferragem, cada argamassa é o que sustenta o edifício.

Isso exige considerar cada um em si — diferente, único, com graus de entendimento variados, inclusive sobre a sua inserção no movimento. Em momentos de desânimo, novatos até questionam o porquê de lutar por quem os oprime, despreza e desqualifica – uma avaliação crítica verdadeira. Ilustrações de pensamentos como mito da caverna, do pensar fora da caixa, do respeito à diversidade visando a evolução é só um caminho. Nesses momentos cada um contribui com o que possui de melhor e uma boa resposta reacende a vontade de conquistar direitos por meio de um coletivo atuante.

Amadurecimento pessoal destrói alienações; o ultrapassamento do egoísmo guia ao coletivismo; sair da inatividade do ouvir 'Plim-Plim' e ir para as ruas afirmar o Não ou o Sim é mover a roda do futuro para um destino não produzido por dominadores, mas a ser descoberto, construído por todos: um por todos, todos por um. Este é o sentido de cooperação.

Quando questionam a falta de individualidade, afirmo que, ao contrário do totalitarismo das abelhas rainhas e assemelhados, o que propomos é a horizontalidade, a interação consciente entre seres diferentes: nossa diferença é o que nos fortalece, pois cada um contribui com o seu potencial. As discordâncias existem, não as escamoteamos, mas produzimos interseções, as referências e ideias em comum, capazes de aglutinar todos. Além disso, cada um se une ao que o toma intimamente, àquilo que entende ser fundamental, àquilo cuja participação pessoal ampliará a potência da ação.

É um ideal, sim, e não somos ingênuos. Somos persistentes, continuamos tentando, sempre de formas novas, ir em frente. Nossa ideologia nos tira a paralisia e nos põe em movimento para frente. Por isso nos chamam de ativistas.

Wellington de Oliveira Teixeira, em 16 de dezembro de 2016.

* A teoria do 'liberalismo igualitário' contribui para harmonizar liberalismo clássico e ideais igualitários da esquerda.
No livro Uma teoria da Justiça, John Rawls hierarquiza princípios (liberdade é anterior e superior ao princípio da igualdade e a igualdade de oportunidades é superior ao princípio da diferença) sob a ideia da justiça. Por definir critérios de julgamento de direitos, deveres e demais bens sociais, avançou para o julgamento da constituição política, das leis ordinárias e das decisões dos tribunais.
Rawls demonstrou que tanto o capitalismo clássico (de livre mercado ou de bem-estar social) como o socialismo estatal produziam injustiças. Um 'socialismo liberal' — propriedade coletiva dos meios de produção — ou uma 'democracia de proprietários' poderia satisfazer, concretamente, seus ideais de justiça.
Com proximidades e divergências mais para uma questão de tonalidades de uma mesma cor, Habermas defende uma democracia deliberativa onde 'os princípios e a estrutura básica da sociedade devem ser definidos pelos indivíduos através de um processo democrático radicalmente aberto ao diálogo e ao entendimento. Seus atores fundamentais são os movimentos sociais e organizações da sociedade civil'.
Me aproximo dos dois na lógica de participação social pois acredito ser fundamental à democracia o princípio de participação cívica e pública nas decisões coletivas (liberdade positiva) e a atuação na redução das desigualdades de oportunidades e de condições sociais. E essa é minha bandeira de luta.

14 de dez. de 2016

Otimismo é um processo

Superação criado por Wellington de Oliveira Teixeira em 12-12-2016.
Superação *, criado em 12-12-2016.

A marca dos níveis mais elevados de inteligência é a capacidade de cometer erros.
(H. Price, 1953)

Verdades irracionais podem ser mais prejudiciais que erros fundamentados.
(T. H. Huxley, 1960)


Enquanto não alcançarmos o conceito de que o que nos torna feliz é o necessário, ficaremos à mercê da perdas e ganhos: para alguém ganhar, alguém precisa perder.

O que muda tudo é como interpretamos os acontecimentos. Mudar para um nível superior pode ser interpretado como uma conquista, fazendo com que alguém se sinta importante, por alguns instantes, até que entenda que o desafio é bem maior nesse novo nível. Comemorar ou se lamentar?

Esse raciocínio permite entender, indiretamente, o porquê de tanta gente paralisar na vida, evitar novos desafios, querer a permanência mais que a evolução, o conhecido à novidade: sucumbiram à vaidade, à vontade dos outros ou ao medo do risco. Esquecem que, como toda água parada…, uma hora os tempos mudam, tornando obsoletos os conceitos anteriores e quem está apegado a eles.

Não há como escapar das interseções que se estabelecem entre interesses convergentes, divergentes e indiferentes. Nem há como estabelecer um controle simultâneo sobre todos. Esse é um desafio que está numa esfera de grandeza imensa e alguns se acovardam, especialmente quem enxerga apenas a sua recorrência infinita durante a vida.

Quem, por outra opção, dia após dia, busca mensurar aquilo que já conquistou e conseguiu acumular, tem mais capacidade para estabelecer prioridades específicas, os prós e os contras momentâneos, e com isso identificar aliados e estabelecer os obstáculos a ultrapassar no momento.

É porque medir suas próprias potências, confirmar os suportes e apoios é um mecanismo importantíssimo para ter sucesso em investidas e tentativas. Se o desafio é imenso, mas há esforço diário visando o aprimoramento e a ampliação das próprias condições, automaticamente a percepção amedrontadora do desafio perde a força.

Pergunte para quem ousou fazer caminhadas, corridas, treinar em academias, passar em exames… (a lista é imensa). A superação é um processo que só quem o iniciou consegue estabelecer. E daí, se a próxima etapa será difícil? A anterior também foi, e foi conquistada. Talvez, por meio das pequenas descobertas que cada etapa do jogo trás, acredito que, quando o game over da vida ocorrer, meu entendimento será: tudo foi necessário.

Pode parecer ingênuo. Pode até não estar tão bem embasado, assim. Mas vou continuar tentando. Otimismo é um processo que inicia quando se decide não estagnar na vida, nem se desqualificar.

Wellington de Oliveira Teixeira, em 13 de dezembro de 2016.

* Como Cícero, na antiguidade grega, as pessoas consideram que a vida é o campo das probabilidades. Acredito nelas, também. Só que aprendi que, para cada nova tentativa, as probabilidades retornam aos cinquenta por cento. Quem disse que probabilidade, dados, números de loteria ou o que quer que seja, tenha memória?
Idem para as questões sociais. Conservadores apostam que, já que deu certo anteriormente, dará certo novamente. Ignoram contextos, as transformações, as épocas, as realidades alteradas.
Isso só demonstra seu imenso medo do novo e da novidade. Chamá-los covardes acredito ser um exagero. Todos apostamos nossas fichas em alguma verdade pessoal, anterior ou ulterior; no imanente ou no transcendente, mundo do aqui e agora ou no povir (o que está por vir, futuro).
Um caminho não deve ser desrespeitado até que queira ser estabelecido como geral: uma verdade é pessoal, não pode ser estendida a todos. A crítica, sim. Esta pode e deve ser expandida. A partir daí, deve haver, individualmente, o direito de decidir o melhor para si.
E contra aquele argumento de que 'vai dar errado', se após a crítica bem feita a questão for superada, vá em frente, ouse o diferente. No mínimo, um novo aprendizado será anexado ao seu repositório. Quem sabe o acúmulo deles alcance o que se define como a 'gota d'água' e transborde e o vinho escape do aprisionamento da taça e encontre um novo rumo? Essa lição, a evolução de todas as espécies de vida nos ensina.

6 de dez. de 2016

Quando a abstração tornou-se abominável

Abominável criado por Wellington de Oliveira Teixeira em 06-12-2016.
Abominável *, criado em 06-12-2016.

O aumento da flexibilidade comportamental faz também vir à baila a prática do oportunismo intra-espécie baseado em engano. É o que se verifica, por exemplo, no caso de algumas variedades de mosca-doméstica nas quais os macho corteja a fêmea oferecendo-lhe como prenda algum alimento. Enquanto a fêmea se delicia e lambuza com a prenda, o macho aproveita para se acasalar com ela. Até aí tudo certo: nenhuma ilusão ou ardil, apenas uma troca tristemente familiar de equivalentes.
O logro só aparece no momento em que surge um macho heterodoxo da mesma espécie que faz a mímica da fêmea interessada, consegue induzir um macho reto a fazer-lhe a oferenda e, na hora do coito, apanha o alimento e chispa para longe. De um pseudotravesti como esse, nem mesmo uma mísera pseudocópula a mosca iludida consegue arrancar…

(Eduardo Giannetti — Auto-engano, p.21-22)


A experimentação simples confirma que o céu mais amplo surge em dia ensolarado, após um de tempestade. Parábola ou metáfora, um conceito a se constituir em aprendizado de vida. Tudo se transforma. Recordei de Iazul, uma linda história aprendida há décadas, e surgiu um sorriso em meu rosto – mas não é por critica ao seu autor.

Seres tornados tão imediatistas, abdicamos do vislumbrar os horizontes, exceto para programar os ganhos financeiros – lição que cada ser humano trabalhador é obrigado a decorar, recitar e praticar, em nome do mercado.

A abstração tornou-se abominável na atualidade por exigir tempo para ociosidade e permitir-se ser conduíte de fluxos da vida: olhar para ver, ouvir para escutar, falar para dizer. Conduzidos, desde a infância, ao ciclo vicioso da repetição, tornamos inominável quem ousar o além disso. Coitados dos avoados, dos estranhos, dos alienados que, continuamente, recebem carga pejorativa de, no mínimo, vagabundos.

Uma sociedade sem pensadores e sem artistas (entre os trabalhadores, fique claro!) é um ideal para qualquer ditadura. Basta quem crie apenas produtivamente.

Contrassenso, ideias e tecnologias inovadoras iniciaram-se com a ficção, criadas para o prazer por Júlios Vernes da vida. Teorias e teoremas inúteis, desqualificados, alçaram-se a paradigmas da contemporaneidade. Acordamos sobressaltados por multiversos (os universos simultâneos), recombinações genéticas e a provocação da atemporalidade linear provocada pelo universo curvo e os buracos de vermes.

Como em uma dor de topada ou outra de maior duração, sem abstrair os aprendizados que nos trazem, erramos e continuamos errando. Queremos aprender a lição e não apreender o acontecimento, o encontro, as potências e despotencializações a que nos submetemos ou somos submetidos.

Aprendemos assim. Reproduzimos assim. Exigimos que continue assim. Afinal reconhecer fracasso de um modelo estruturado para não pensar é algo forte demais para seres comuns ousar. Por isso – hoje mais que nunca — contextualizar, avaliar interesses em jogo e aprender a desaprender são fundamentais.

Sem dúvidas, um processo amedrontador, pois não há garantias de que o novo será melhor – como tudo na vida, é apenas uma tentativa. Mas difere das reproduções por ser algo particular, único, exclusivo, pessoal e próprio que fundamenta a existência de um indivíduo, de um sujeito que se expressa sem submissão.

Exige destronar conceitos e preconceitos. Pior. Força a encarar o repúdio que costumamos dar aos ousados e ultrapassar as rotulações. Mas, repetindo os chavões de forma simples, quem irá preferir ser o diferente, o rejeitado, aquele que não se encaixa nos padrões?

Talvez tenha sido essa a 'intenção' da Ordem natural ao produzir o processo da puberdade, refletido em contextos mais amplos na adolescência. Uma ordem que se quebra, que se volta contra si mesma em prol da transformação e do amadurecimento. Os demais processos de vida são graduais, este exige rapidez e é arrebatador, expansivo, ousado, iconoclasta; exige uma radical reavaliação dos preexistentes em função de um futuro – inclusive, na escala de espécie.

A produção de valores precisa de condições favoráveis, do contrário, resulta em seres replicantes. Cópias sociais, como clones genéticos. Há os que louvam essa forma de ser: o Ser tornou impeditivo o ser autêntico.

Mas, quando observo meticulosamente um adolescente, para além da 'aborrescência' que isso causa aos que desejam ardentemente o ordinário, vejo o extraordinário: o poder de ser suplantar o poder de estar por meio do poder de reestruturar o estabelecido.

Não há dúvidas quanto aos riscos que existem na suplantação de limites, das fronteiras, quando se aventura às descobertas singulares. Aqui é onde entram as tais condições favoráveis que citei a pouco. A rigorosidade aliada à permissividade é uma proposição de equilíbrio em tudo. Cada expansividade exige a transformação em todos os níveis, assim como, braços e pernas maiores geram desequilíbrios e exigem o aprendizado do reequilíbrio.

O redimensionamento da vida (a própria e em sociedade) é algo fantástico porque abre as portas para o infinito: avançar, pelo desequilíbrio, em equilíbrio constante. Como andar de bicicleta.

Wellington de Oliveira Teixeira, em 06 de dezembro de 2016.

* Qualquer um que deseja alcançar um determinado grau de autenticidade precisa ultrapassar o discurso conservador, baseado em engano – a vida de aparências. A hipocrisia acéfala e esquizofrênica foi produzida e se sustenta na midiotização — a adoção passiva e irrestrita de padrões televisivos.
A busca por autenticidade não será bem sucedida sem o processo de desconstrução das máscaras pessoais e familiares, a partir da abstração e do questionamento das produções midiáticas de verdade e de felicidade instantânea.
Encontramo-nos em um momento onde é extremamente desejável um toque de rebeldia, como a dos adolescentes.

3 de dez. de 2016

Práticas instantâneas e legítimas de expressão

Signos da atração, criado por Wellington de Oliveira Teixeira em 26-11-2016
Signos da atração, criado em 26-11-2016.

Os signos mundanos são frívolos, os do amor e do ciúme, dolorosos; mas quem procuraria a verdade, se não tivesse aprendido que um gesto, uma inflexão, uma saudação devem ser interpretados? Quem procuraria a verdade se não tivesse inicialmente experimentado o sofrimento que causa a mentira do ser amado? As ideias da inteligência são muitas vezes 'sucedâneos' do desgosto. A dor força a inteligência a pesquisar, como certos prazeres insólitos põem a memória a funcionar. Cabe à inteligência compreender, e nos fazer compreender, que os signos mais frívolos da mundanidade correspondem a determinadas leis e que os signos dolorosos do amor correspondem a repetições.
Assim aprendemos a nos servir dos seres: frívolos ou cruéis, eles 'posaram diante de nós', eles são nada mais do que a encarnação de temas que os ultrapassam, ou pedaços de uma divindade que nada mais pode contra nós.
A descoberta das leis mundanas dá um sentido a signos que se tornariam insignificantes tomados isoladamente.

(Gilles Deleuze — Proust e os Signos, p.23-24, destaque meu)


A vida de alguém só inicia quando este começa a destruir as imposições, a encarar os desafios para superá-los. Mas, quase um contrassenso, responsáveis e educadores não gostam do que representa a palavra independência.

Que todos tenham motivos próprios para adotar algo ou não, e aprenda a justificar sua escolha, é inteligível. Porém — talvez por terem sido sistematicamente ensinados a adotar, de forma acrítica, a reprodução dos discursos dos antepassados — a maioria destes responsáveis tornou-se o principal impeditivo às transformações e à individualização.

Com a justificativa de proteção, erguem uma barreira que impede os problemas e, por conta disso, enrijece quase todo aperfeiçoamento e a criação de novas práticas. Sem problemas, não se aprende a inventar e a desenvolver soluções próprias.

Com alegria, observo uma crescente parcela, dentre eles, que motivou-se a encarar essa questão: o desafio de repensar e de reavaliar os elementos fundadores de suas práticas e de encontrar os que se sustentam na atualidade e em que nível.

É fácil perceber em mim a repulsa pelas instituições que incentivam decorar respostas preestabelecidas, ao invés de promover a capacidade da crítica. É que isso acarreta uma etapa a mais no processo de desenvolvimento pessoal: é preciso desconstruir as padronizações, rotulações, discursos — conceitos e preconceitos a que fomos submetidos — antes de construir os arcabouços de nossa individualidade, este modo exclusivo e próprio de ser e estar no mundo, que é um processo natural ao ser humano.

A infância nos brinda sistematicamente com as melhores noções de como encarar a vida: a vivência expressiva do momento. Percebe-se que, mesmo que impulsivamente, as crianças vão aos desafios e os encaram; aprendem com as satisfações e as dores resultantes, e seguem, após riso ou choro, em busca de novos.

Há uma expressão que foi capaz de traduzir para mim esse movimento livre e expansivo que ocorre na infância: o devir criança, as práticas instantâneas e legítimas de expressão dos reais sentimentos e pensamentos – inclusive de amores e ódios, fraquezas e fortalezas — em cada encontro.

Por mais que os discursos valorizem a verdade, as práticas de ensino (em casa, na escola, na igreja ou na rua) nos levam às falsidades e, invariavelmente às representações. Aparências têm mais valor social e dá status a quem as adota. Não é de se admirar o fato de que as relações sejam estabelecidas sob esse viés; que o desejo de expressividade seja enjaulado, qualificado como perigoso; que os que apontam seu dedo para a ferida sejam identificados como subversivos e relegados ao escanteio. Na realidade, evitamos os espelhos que nos refletem fielmente, que nos forçam encarar o aterro com acúmulo de elementos tóxicos, nossos lixões internos.

Para superar recalques, somatizações, baixa estima e outras consequências desse modo de viver, precisamos de uma felicidade instantânea (sempre há uma, em preço promocional), a que resolve tudo, sem dar trabalho ou exigir esforço pessoal.

A vida passa, enquanto isso. Uma hora, sem nenhuma das características reais originais, nenhum rosto resistiu, só a máscara. E mesmo assim, sabendo da falência desse processo, já que foi 'obrigado' a passar por ele *, você o reproduz e exige que outros o façam também. Se me pedissem uma avaliação, essa é a maior drogadicção da atualidade, que se mantém pelo reforço e pela sustentação da palavra moralidade.

Wellington de Oliveira Teixeira, em 03 de dezembro de 2016.

* A expressão 'bom selvagem' foi o modo que Jean-Jacques Rousseau (1712-1778) usou para questionar as práticas modernas. Filósofo, teórico político, escritor e compositor autodidata suíço, ele promoveu a metáfora do 'Contrato' social questionando os modos de justiça e a liberdade encontrados na natureza, em um meio social.
A humanidade buscou socialização (sozinho é mais fácil morrer) para sobreviver; produziu cultura para conservar seu modo de viver. Das pequenas comunidades familiares às novas formas de ordenação social e política, a obediência irrestrita (submissão integral à coletividade ou a um Estado) pode tornar-se um elemento determinante da restrição das liberdades individuais (livre-arbítrio) e da igualdade social. O que fazer?
A proposta foi substituir-se a liberdade natural (irrestrita, mas subordinada ao poder do mais forte) pela criação de um pacto social: somente garantindo a liberdade de todos é que as liberdades individuais serão também preservadas, equilibrando ordem e justiça.
Um exemplo de não exclusão dos desejos e práticas individuais é o do direito de fumar. Este pode prejudicar um não-fumante, que em um recinto fechado inala toxinas involuntariamente. Se houver um acordo de todos, restringe-se o fumo a locais adequados. Conserva-se a liberdade tanto de fumantes quanto de não-fumantes e ninguém perde sua individualidade.
Evidentemente, há muito mais que isso. Mas essa abordagem demonstra que, havendo vontade política e social, é possível o desenvolvimento de uma Educação para o respeito e a possibilitação e construção de modos diferenciados de ser e estar no mundo, baseado na cidadania.
(uma breve introdução ao tema encontra-se em no verbete Jean-Jacques Rousseau da Wikipedia)

1 de dez. de 2016

Cidadania plena, apesar de vocês

Ressurgimento inexorável, criado por Wellington de Oliveira Teixeira em  30-11-2016.
Ressurgimento inexorável *, criado em 30-11-2016.

Um dia vieram e invadiram nossos campos. Enfraqueceram gradualmente nossas fronteiras internas via uma incessante contaminação midiática dos pensamentos e práticas ao nosso redor. Demoramos demais a perceber a desconfiguração que se estabelecia: o rastro de destruição que qualquer um identifica, agora.

Mas se assustarão com a nossa resiliência, a nossa capacidade de ressurgir de apenas um pequeno sopro do que somos, com esse entendimento de que as individualidades se estabelecem e se potencializam no coletivo. É que a chama, menos que uma faísca, voltou a incendiar nossos corações e mentes.

E, Louvado Seja!, estamos erguendo as nossas vozes outra vez, tornando as cinzas em que se tornaram nossos sonhos o adubo pra o ressurgimento. Nossas raízes fortes estão se expandindo, rejuvenescidas por meninos e meninas que ocupam os campi e as escolas, que invadem os espaços públicos e ousam encarar seus algozes, aqueles que agem para não ter seu futuro destruído, e soam ousada e unissonante seu Basta!

Os desiludidos, os desesperançados, os desgastados, os mesmos que não acreditavam antes, os que apenas embarcaram na onda mais fácil, continuam aí fazendo nada ou só criticando. Não nós. Não nossos coletivos. Não nossos esforços.

Fomos capazes de lamber nossas feridas, era o que podíamos. Mas nossos gritos de dor estão se tornando os rugidos que voltaram a assustar aqueles que acreditaram em nossa queda. Mesmo nos erguendo pouco a pouco, conscientizamo-nos indefectivelmente de que precisamos nos reestruturar, como um corpo cujos membros padeceram e teve que se prostrar para se recuperar.

A vida é um campo de lutas. Em vários níveis. E cada companheiro que adere à proposta, a torna mais potente, aumenta a aptidão e a certeza de reconquistar nosso espaço; nos incentiva a avançar por aqueles incapazes de fazê-lo neste momento. Já o fizemos antes — em um tempo em que havia uma estridente silenciação de peito, vozes e esperanças – e o faremos de novo!

Avisa para eles que estamos de pé e avançando inexoravelmente para reconquistar o que nos foi tirado.

A chama está acesa e a esperança não é mais apenas um estandarte. Tornou-se um corpo em movimento, um pensamento esclarecido, uma coletivização não mais ingênua: corrente forte e brilhante. Superamos a 'corrente pra frente' ditatorial.

Pensamentos e sentimentos tornam-se corpos lado a lado que avançam livres, firmes, fortes. Se nos tornarmos o último avatar dos que se erguem contra a tirania da corrupção golpista, o faremos com absoluta certeza de que é o necessário, o essencial e a mais potente expressão de um ser que não vive 'pelo e para o mercado' e sim pela humanidade que há em cada um, que merece ser plena e potente.

Avisa pra eles: somos trabalhadores, somos de gêneros diversos, somos índios, somos negros, somos as ditas minorias, sim; somos estudantes, intelectuais conscientes, somos cidadãos que lutam por condições de vida dignas para familiares, amigos, vizinhos, inclusive para quem é desconhecido. Somos os que possuem uma vontade inabalável e se insurgiram contra os obstáculos que colocaram em cada parte de nossos caminhos.

Somos sujeitos do próprio processo de vida. Não aceitamos migalhas. Queremos nossos direitos, não favores. E juntos construiremos nossa cidadania plena, apesar de vocês.

Wellington de Oliveira Teixeira, em 1º de dezembro de 2016.

Hoje você é quem manda: falou, tá falado, não tem discussão. A minha gente hoje anda falando de lado e olhando pro chão, viu.
Você que inventou esse estado e inventou de inventar toda a escuridão; você que inventou o pecado, esqueceu-se de inventar o perdão:
Apesar de você, amanhã há de ser outro dia.

Eu pergunto a você: Onde vai se esconder da enorme euforia? Como vai proibir quando o galo insistir em cantar, água nova brotando e a gente se amando sem parar?
Quando chegar o momento, esse meu sofrimento vou cobrar com juros, juro! Todo esse amor reprimido, esse grito contido, este samba no escuro.
Você que inventou a tristeza, ora, tenha a fineza de desinventar; você vai pagar e é dobrado cada lágrima rolada nesse meu penar:
Apesar de você, amanhã há de ser outro dia.

Inda pago pra ver, o jardim florescer, qual você não queria. Você vai se amargar vendo o dia raiar sem lhe pedir licença e eu vou morrer de rir, que esse dia há de vir antes do que você pensa:
Apesar de você, amanhã há de ser outro dia.

Você vai ter que ver a manhã renascer e esbanjar poesia. Como vai se explicar vendo o céu clarear de repente, impunemente? Como vai abafar nosso coro a cantar na sua frente?
Apesar de você, amanhã há de ser outro dia. Você vai se dar mal Etc. e tal

(Chico Buarque — Apesar de Você )