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28 de mai. de 2017

Guarita

Guarita criado por Wellington de Oliveira Teixeira em 28-05-2017.
Guarita *, criado em 28-05-2017.

E então, de maneira bem natural, abri e estiquei minhas longas asas naquela brisa e planei imediatamente acima da linha da água. Sobrevoei a arrebentação, vi a espuma branca surgir das ondas verde-azuladas que rolavam sobre si mesmas. Agora eu estava de volta aos céus como um pássaro que, finalmente, tinha visto a sua sombra. E, assim, tão estranha e solitária quanto eu me sentia antes, tive a certeza de que aquele evento devia ter acontecido com muitos pássaros antes de mim e iria acontecer a muitos outros depois. É assim que a vida se descortina para um pássaro a fim de que ele seja capaz de adquirir sabedoria de que precisa para ser um guardião dos céus.
Com as asas abertas, olhei para trás para ver meu amigo caranguejo me olhar. Eu sabia que iríamos nos encontrar outra vez.


(Brooke Newman — A andorinha-do-mar - uma história de descoberta)


Quando o apegar-se não se torna pegajoso, um leve toque ou olhar bastam para reacender a essência no encontro. Afinal de contas, tudo o mais é apenas processo e percurso, sutilezas e subterfúgios. Um pouco efêmeros, sim.

Mas, atenção!, ornamentos, detalhes e embelezamentos acendem os sentidos: não são descartáveis quando bem dosados e no momento certo. Carinhos, presentes simples, algumas palavras e gestos inesperados têm seu lugar na potência da essência.

A maestria em uma determinada área se conquista com uma dose de talento recheada de tentativas e erros, de vontades e desejos. É ter rigor consigo, mas imbuído de amor pelo que se faz, pelo que é produzido.

Uma vez finalizado, o bom resultado exige uma imensa dose de desprendimento porque torna-se da Ordem do mundo e deixa de ser apenas seu. Crias batem asas, alçam vôos próprios, projetam e desbravam caminhos novos e pessoais.

Então, saboreie o que ele carrega de você como uma expansão da própria realidade, como pedaço de outro ser que foi acoplado, assimilado. É totalmente dele, ao mesmo tempo que seu. É como área ou campo de interseção (pertence a um e a outro, simultaneamente) que atua como ativador e mediador de novos encontros.

Entendeu porquê não é necessário esforço e forçações de barra? Basta vibrar a mesma frequência e a comunicação acontece, o contato se faz pleno, tanto quanto os seres que a estabelecem.

Que a minha pilantragem [velha] encontre um recanto, como uma guarita, na sua.

Wellington de Oliveira Teixeira, em 27 e 28 de maio de 2017.
* É fácil confundir dar abrigo e proteção (guariDa) com o local onde sentinelas e vigias se posicionam para exercer seu ofício de defesa (guariTa).
Proteção demais acaba por desproteger, impedir o crescimento. É certo que arranhões ocorrem durante o crescimento e eles assinalam a busca e o avanço que alguém foi capaz de empreender em seu percurso único e pessoal.
Gosto mais da ideia do guardião à do guarda, enquanto um vigia e alerta o outro aprisiona. Relações humanas, a meu ver, deveriam pautar-se no primeiro: a dose de cuidado que não castra o desenvolvimento, como uma placenta.

17 de mai. de 2017

Solitudes ou Amor de Novo

Solitudes, criado por Wellington de Oliveira Teixeira em 17-05-2017.
Solitudes, criado em 17-05-2017.

Queríamos tanto salvar o outro. Amizade é matéria de salvação.
Mas todos os problemas já tinham sido tocados, todas as possibilidades estudadas. Tínhamos apenas essa coisa que havíamos procurado sedentos até então e enfim encontrado: uma amizade sincera. Único modo, sabíamos, e com que amargor sabíamos, de sair da solidão que um espírito tem no corpo.
(Clarisse Lispector — Felicidade Clandestina, p. 14)


Falar de amores, qualquer um, cansa. E o cansativo é ter que (re)afirmar a sua necessidade para todos, pois muitos ainda acreditam que é uma exclusividade para alguns. Cansativo também é o 'da boca para fora' de uma maioria; mais ainda, os termos de ajustamento impostos para que um amor seja validado como justo ou verdadeiro.

A paciência é uma virtude importante, ouço sempre. Vejo na natureza os micrométricos avanços expansivos que se tornam poderosos elementos: nenhuma selva é em si, teve uma infinidade de pontos semente. Então, eis-me aqui, de novo, outra vez, novamente, como sempre, demonstrando a inviolabilidade do direito ao amor e do amar.

Se colocar no lugar do outro? Desejar o bem para todos? Expressar Deus (ou qualquer nome que seja dado a esta função)? Séculos e séculos vão passando e seres muito iluminados o afirmaram, mas, mesmo pálida sombra que me sinto perto desses pensadores-mobilizadores, insisto em reacender o ensinamento.

Não vou produzir outros, nem mesmo invocar mirabolantes argumentos para dizer o que já está dito de forma explícita e potente: amor é fundamental a todos.

Posso, talvez, produzir um alerta (um pouco grosseiro, presumo): Pare de olhar para o seu umbigo! Seu egocentrismo naturalizado por preconceitos e predeterminações está impedindo criança de ser criança; ultra jovens (quase adolescentes) e adolescentes de aprenderem as diferenciações na expressões do amor (pais e outros parentes, amigos, namoradxs). O pior de tudo é que essa forma aprisionante de ser forma adultos amargos, juízes do mundo, espalhando a sua infelicidade para reduzir o estrago que lhe causa a felicidade alheia.

Permita-se e voluntariamente incentive a vivência do amor em todas as suas formas e expressões. O mundo fica melhor com pessoas felizes ao seu redor (esse egoísmo é excelente, não acha?). Questões parciais precisam ser entendidas como partes componentes do amor, das diferenciações individuais, do processo de amadurecimento pessoal e do estranho e complicado processo dos encontros entre seres distintos desde a alma.

Wellington de Oliveira Teixeira, em 17 de maio de 2017.

* Solitude, como um modo de privacidade, não refere a solidão. Isolamento e reclusão voluntários fazem parte de muitos processos entendidos como de evolução espiritual: o cultivo do mundo em si, dentro de si mesmo.
Quando produzido por indiferença e segregação, interfere no fluxo emocional de um indivíduo: deseja companhia e é impedido. É a imposição da solidão. Assim, a solitude como mecanismo de fuga é estabelecida por traumas.
Certamente, o mundo das segregações é o maior entrave na possibilidade de cura pelo relacionamento diferenciado com outrem, ao priorizar um conformismo às normas impostas, mesmo que completamente obsoletas, sem sentido ou apenas preconceituosa.

7 de mai. de 2017

Exorcizar exige vontade consciente

Exorcismo, criado por Wellington de Oliveira Teixeira em 07-05-2017.
Exorcismo, criado em 07-05-2017.

Quando as pessoas são livres para fazer o que querem, elas normalmente imitam umas às outras.
(Eric Hoffer, 1965)


Não basta repetir 'a Ordem está no controle', isso não muda nada, você continua absurdamente inativo: sem fazer a sua parte no tal contrato do 'esforça-te e te ajudarei', 'seja forte e corajoso', conceitos que ficam escamoteados e são menos adotados.

Pessoas optam por comentar seus problemas, dificuldades em busca de solidariedade. Digno. Seres com viés colaborativo entendem que compartilhar permite vias poderosas de intervenção apoiada por ideias, presença e outros elementos disponíveis por essa forma de encarar a vida.

Corre-se alguns perigos. Dentre eles, o de gerar dependência para tudo e de posicionar-se como um 'coitadinho' perante a esmagadora força do mundo.

Uma rede de apoio é fundamental, desde que entendida como recurso adicional disponível. Todos devem buscar alternativas de enfrentamento para não se esgotar completamente perante os desafios encontrados e não fugir deles por covardia ou preguiça de encarar o desafio ou jogá-los nas costas de outros.

Deve-se usar as próprias capacidades e estratégias de enfrentamento: são recursos como a arte de um artesão manual que precisa ser exercitada para alcançar eficiência e qualidade. Nossas mentes são modeladas diariamente para buscar facilitações, atalhos, criar gambiarras e não para descobrir e exercitar o entendimento, a crítica e a busca pelos pontos onde é possível superar os desafios. É preciso uma vontade consciente para exorcizar essa midiotia, para romper com plataformas estabelecidas como únicas e exclusivas. Em vez do rapidamente pronto, optar pelo construído sob medida para si mesmo, de acordo com as próprias necessidades.

Somos seres complexos, capazes de feitos extraordinários, mas optamos por uma vida medíocre (palavra de mesma origem de médio e mediano), semelhante a de 'todo o mundo'.

Desde o nascimento, fomos enredados em fios de propagandas indutoras à imbecilidade. E, desse emaranhado, é difícil sair, sem que estejamos dispostos a enfrentar a tediosa mesmice *.

Em vez de exclusivamente encontros de piadas repetidas (e já compartilhadas exaustivamente) reserve momentos para pensar seu momento e seu modo de ser e estar nele; nas vias de sua superação; do desenvolvimento do pensamento crítico. Nos outros você pode falar, falar, falar… Nestes, você pode pensar-se e construir-se. Naqueles, você apenas se repete; nestes, você se supera.

Faca que não é amolada, na hora da necessidade não corta. Empenhe-se naquilo que é capaz de produzir uma vida mais potente e menos submetida aos interesses daqueles que o induzem o tempo todo.

Wellington de Oliveira Teixeira, em 07 de maio de 2017.

* Um texto que me provocou o pensar a respeito de exorcizar os padrões rotineiros:
De modo muito sucinto definiu espreita como a arte de usar o comportamento de maneiras novas para propósitos específicos. Disse que o comportamento humano normal no mundo da vida cotidiana era rotina. Qualquer comportamento que escapava à rotina causava um efeito incomum em nosso ser total. Esse efeito incomum era o que os feiticeiros buscavam, porque era cumulativo. (Carlos Castaneda — Poder do Silêncio, p.92).

6 de mai. de 2017

Forças desafiantes

Forças desafiantes, criado por Wellington de Oliveira Teixeira em 06-05-2017.

O regulamento não mais servia como um mapa. E ainda assim não era concebível que houvesse um erro. Dom Juan e seus guerreiros argumentaram que o poder não comete erros. […]
O benfeitor deles tinha-os guiado na certeza de que o regulamento encerrava tudo com que um guerreiro pudesse se preocupar. Ele não os tinha preparado para a eventualidade do regulamento poder se provar inaplicável.[…]
Sílvio Manuel disse que eu era como um pássaro incubado pelo calor e cuidado por pássaros de espécie diferente. Todos eles estavam prontos para me ajudar, como eu próprio estava pronto a fazer qualquer coisa por eles, mas eu não pertencia àquele grupo.
(Carlos Castaneda — O presente da águia, p.184-185)


Genericamente fomos […] e chegamos a Homos (habilis, erectus, ergaster, heidelbergensis, floresiensis, neanderthalensis), até que adotamos, a pouco, o arrogante título de Sapiens, contra todas as provas em contrário.

Em todo o tempo, mitos conduzem a vida. Humanos acreditam, isso é fato. Em que, é uma questão. Conduzimos a vida com base em suspeitas probabilidades de a realidade ser do modo como percebemos uma situação em determinado instante. Ou somos convencidos de que a ilusão momentânea é fiel e verdadeira, é real.

Então, apostamos em projetos de vida. Elegemos práticas como mais eficazes ou boas, creditando a elas o poder de nos elevar e levar adiante. Investimentos de energia pessoal de diversos matizes é empregada para realizar as potências pessoais.

Enquanto esse projeto de vida permitir a gradação e não a degradação pessoal, tudo bem. O problema é quando a ilusão eleita se torna um obstáculo para o aprendizado e a evolução individual e coletiva. Já passamos por algumas Idades das Trevas, comprovadamente. E não tenho dúvidas de que todos ainda estamos imersos nela. Basta graduarmos os níveis de atolamento.

Uma coisa é fato: desafios produzem mudanças. Pela combinação ou composição de covardia e coragem, por absorção das derrotas ou vitórias, por jogar-se acriticamente ou por elaborar estratégias. Ao fim das contas, o que permanece é o que importa, inclusive a sinalização do processo pelas cicatrizes.

O imobilismo ou a inércia também ensinam. Mas não do mesmo modo que as narrativas e os costumes. Enquanto estas nos contam os processos de ultrapassamento; aqueles, a incapacidade de encarar as forças desafiantes.

Uma das maiores forças despotencializadoras é a moralidade. Em nome dela, impedimos a renovação. Mas o que está em jogo é a perda de poder e de domínio permitidos pelo já estabelecido: novo jogo, novas regras. Ao mesmo tempo em que os desafiantes do desconhecido se lançam no processo de conquistar forças e equipamentos necessários para escalar pelas desconhecidas etapas, o restante permanece na crítica e na desqualificação dos que se diferenciaram.

Não quero provocar nada que não seja a reflexão e a avaliação crítica pessoal, diante da vida e do que se nos oferecem como necessário, como verdadeiro, como correto, como melhor, como ideal. Há projetos de vida, há riscos traçados que geram trilhas e mostram o rumo seguido. Há tendências e vontades pessoais projetivas do adiante.

Essa aventura chamada vida dura muito ou pouco, nos arma com corpo e artifícios, facilita ou dificulta práticas, e há outros tantos elementos a serem considerados. O estar pleno é a única referência de valor e, certamente, isso deve ser avaliado pelo aprendizado que se conquistou e pela alegria que se proporcionou: individual e coletivamente.

Wellington de Oliveira Teixeira, em 06 de maio de 2017.

* A diferenciação é a forma como a natureza estabeleceu o processo de vida. É imenso o número de casos onde a ela não se sustenta e é descartada e seu portador não sobrevive isoladamente. Em número menor, os desafiantes da ordem estabelecida se projetam como uma nova ordem ou o novo modo de ser. Tornam-se uma evolução. É então, que o modo anterior de ser, por seu anacronismo, é descartado aos poucos. Seus resquícios se tornam algo excêntrico, exótico e bizarro. Eliminável.