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27 de jun. de 2017

Brechas e domínios

Brechas, criado por Wellington de Oliveira Teixeira em 27-06-2017.
Brechas *, criado em 27-06-2017.

Dentro dele residiam todas essas possibilidades de apreender o espírito, possibilidades sem nome, sim, mas não impossíveis ou fora de cogitação. Ainda no estágio de broto e de botão, mas essenciais para ele, possibilidades que lhe pertenciam e cresciam organicamente dentro dele.
E se nós penetrássemos em milênios anteriores a esse conjurador da chuva e à sua época, a nosso ver primitiva, estamos certos de que, ao encontrar o homem, encontraríamos também o espírito, o qual não teve princípio, e sempre conteve em si a totalidade e a diversidade das coisas, de tudo aquilo que mais tarde ele venha a produzir.

(Hermann Hesse — O jogo das contas de vidro p.561)


É considerado simplesmente loucura fugir do mundo do estabelecido. Os quase ou até invisíveis espaços que compõem a malha da ilusão são como grandes escudos protetores que, como drogas que curam, tem seu efeito adverso: desfocam e até impedem a percepção de novas realidades.

A busca de sinergia com este tipo de escudo exige um esforço completo para o domínio de seu uso, mas pode permitir aqueles instantes preciosos em que o olhar se liberta e descobre o que estava obliterado ou obstruído pelo protetor-aprisionador. Não à toa, poucos têm essa experiência.

Esta promete aventuras, possibilita a expansão dos horizontes e, com isto, o mundo de quem ousa. Mas não é algo simples. Aventurar-se nessa jornada tem seus riscos e não são poucos. Muitos, de forma insana, partem para uma viagem suicidária.

Preferência ou experiência pessoal, invisto no conceito-prática de que só com domínio próprio é possível enveredar pelo desconhecido e pelo pioneirismo. Estes trazem mais dispêndio de energias do que parece. Ser desbravador, o criador de uma trilha é encarar muitas dificuldades que, não poucas vezes, geram dores ou sofrimento.

Geralmente, a incompreensão dos que optam pelas trilhas seguras e já estabelecidas pode ser manifesta de formas agressivas: violência física ou psíquica estão na ordem do dia e no rastro de todos os que o ousaram.

Nasce-se só, morre-se só e, nesse intervalo, é possível compartilhar a solitude, produzir sintonias, estabelecer um tecido grupal ou social formado pela aglutinação colaborativa. Uma rede integrada de capacidades diferenciadas, mas disponibilizadas para os elementos a ela pertencentes, pode gerar as condições favoráveis aos voos solos. Esse nível de proteção extrapola a dominação em prol da potencialização: cada um que avança, beneficia a todos.

Porém, absorver conceitos e práticas de batalha não torna ninguém um guerreiro, nem os de caminhada torna alguém um explorador; estes são o resultado do domínio de si e das realidades que o cercam, posto à prova em cada experiência de luta, consigo ou com outros (amigos ou inimigos).

Isso mesmo. É um grande pioneirismo descobrir as brechas para alcançar e compartilhar os domínios e espaços interiores, força motriz para qualquer companheirismo que mereça este nome. Há um que de mágica entranhar-se e integrar-se, mesmo que momentaneamente, com outrem. Descobri ainda cedo a verdade que me acompanha, aperfeiçoada a cada etapa da vida: amizade é essencial e, uma vez estabelecida, se potencializa e se eterniza.

Wellington de Oliveira Teixeira, em 27 de junho de 2017.

* A dificílima tarefa de gerar possibilidades inusitadas, não cooptadas, está em pé de igualdade com a de possibilitar o acesso às existentes, mas de uso raro ou restrito.
Alguns, muito pouquíssimos, entenderam essa verdade e investiram em um projeto coletivo, em uma rede de intercâmbio em um campo facilitador para que novos elementos alcancem o pertencimento próprio e, eventualmente, se integrem a este projeto.
Honro, com meus esforços, a esses pioneiros. Sua visão para além do alcance do senso comum estabeleceu a brecha necessária para a entrada em domínios da plenitude pessoal: ser inteiro, ser íntegro e estar continuamente expandindo este ser.

25 de jun. de 2017

Disposição e disponibilização pessoal

Disponibilização,
Disponibilização *, criado em 25-06-2017.

O saber não implica fazer uma cópia da realidade, mas sim reagir à realidade e transformá-la.
(Jean Piaget — 1971)


A disposição pessoal é uma principais forças propulsoras de qualquer ideia. Ela pode ser capturada ou conquistada. Sua captura ocorre quando os interesses envolvidos não estão à serviço do bem coletivo, mas se travestem dele: há séculos 'moral e bons costumes' é o slogan mais usado para causar danos a parcelas da população que se desejam segregadas. Insustentável em si, uma vez que ambos (moral e bons costumes) variam no tempo e no espaço (a cada geração e local).

Qualquer ideia alcança o nível de preconceito, se reunir vontades impotentes (que não conseguem se manifestar), com adição de doses fortes de rancor, encabrestamento, agressão gratuita e dominação. Má ideia gera cadeia de grilhões entre os que a adotam e que ficam atrelados à sua reprodução irrefletida — a negação do argumento racional válido ou da crítica fundamentada.

A desconstrução dos elementos que compõem uma ideia é o que nos permite avaliar sua qualidade intrínseca e básica.

O refinamento de um pensamento é o processo de evolução da ideia, que pode alavancar até mesmo uma má ideia, quando a adesão foi por pura ignorância (resultado de desinformação ou manipulação).

Toda boa ideia que se propõe alcançar o nível ou status de ideal precisa ser energizada com vontades potentes e enriquecida com fundamentação lógica, disposição ativa, tendo a associação e colaboração voluntária visando o bem social por princípio. Mais que tudo, é inclusiva, respeitosa, voluntariamente aberta a críticas fundamentadas, mas rejeita qualquer forma de segregacionismo, exclusão social, desigualdades impostas ou convencionadas por interesses privados e específicos.

Ser um idealista, então, é buscar se posicionar no mundo como um elemento agregador, fortalecedor dos bons afetos e composições; é entender-se, e aos outros, como unidade essencial em um complexo sistema de seres vivos interdependentes: mas cabe, a cada um, uma parcela voluntária e ativa na sustentação e desenvolvimento do todo.

Wellington de Oliveira Teixeira, em 25 de junho de 2017.

* Em sua origem, simbiose define vida em comum, camaradagem, intimidade; uma associação entre seres vivos, a vida em comum. Implica ambos, benefício ou prejuízo, uma inter-relação necessária. É o caso dos parasitas, que vivem de outro ser (na superfície ou dentro do corpo).
Quando não existe obrigatoriedade na relação, existe uma protocooperação, uma disposição e disponibilização individual na composição.

23 de jun. de 2017

Engrenagens do pensamento

Engrenagens, criado por Wellington de Oliveira Teixeira em 23-06-2017.
Engrenagens *, criado em 23-06-2017.

Além dos objetos designados, além das verdades inteligíveis e formuladas, além das cadeias de associação subjetivas e de ressurreições por semelhança ou contiguidade, há as essências, que são alógicas ou supra lógicas.
Elas ultrapassam tanto os estados da subjetividade quanto as propriedades do objetivo.
É a essência que constitui a verdadeira unidade do signo e do sentido; é ela que constitui o signo como irredutível ao objeto que a emite; é ela que constitui o sentido como irredutível ao sujeito que o apreende.
Ela é a última palavra do aprendizado ou a revelação final.

(Gilles Deleuze — Proust e os signos, p.37-38)


Um pensamento, para que receba essa denominação, precisa ultrapassar a razão simples, o óbvio, com o exercício de uma investigação — dentro do escopo e do acesso a fontes de dados de cada um — até que se estruture num raciocínio lógico.

O nível de estruturação de qualquer raciocínio — dentro dos que acatam a crítica antes da expressão desenfreada de opiniões — sempre permitirá rupturas, brechas, pontos com sustentação menos consistente, por conta dos diversos modos de apreensão da realidade: do tipo de informações obtidas (acuradas, fragmentadas, ocultadas, indisponíveis), do estabelecimento de uma estruturação interna e externa coerentes.

Pontos controversos trazem à pauta reavaliações — fundamentos, avaliações e interpretações, modos de expressão e apresentação, tipos de conclusão —, portanto, dificilmente podem ser desconsiderados ou, pior, desqualificados. Acatá-los, exige disposição, exige ultrapassamentos, exige um reordenamento dos sentimentos e da aceitação dos limites pessoais. E isso nada tem a ver com neutralidade. Todo pensamento carrega uma interferência de disposições e preferências do ser que o exercita.

Esse movimento contínuo de retorno às bases, de reavaliações, de avanço para formas mais apuradas, do acatamento e inclusões de raciocínios mais eficientes durante os diálogos e debates é o processo de crescimento e de expansão das capacidades pessoais. Algo mais que bem vindo.

A bem da verdade, o melhor é sempre procurar o embate com outros seres pensantes, exatamente para pôr à prova as estruturas já desenvolvidas e, a seguir, para assimilar estruturas mais eficientes ou diferenciadas das que se conseguiu apreender.

Um bom combate sempre enaltecerá seus participantes, uma vez que raciocínios pífios são desperdício de um tempo importante, desmerecendo a consideração. Encontre sempre oponentes capazes de fazê-lo avançar, ampliar a visão e expandir sua capacidade; mas seja generoso no processo didático e colabore com os iniciantes: eles são os novos navegantes nos mares das descobertas, da imaginação criativa, crítica e capacitadora.

O legado — que é, talvez, o mais importante — a se deixar é esse brilho nos olhos que a descoberta do novo e o descobrimento das capacidades pessoais pode ofertar. Acende o fogo interior e essa chama, uma vez acesa, jamais apagará.

Wellington de Oliveira Teixeira, em 23 de junho de 2017.

* As intercorrências da vida são como um brilho que, de repente, ilumina o campo de visão e permite perceber as engrenagens que o constituem. Cabe a cada um, individual ou coletivamente, utilizar esse momento e potencializar as bases que sustentam o seu pensamento, de modo a instituir novas e mais eficazes práticas de vida.

Dedico esse texto aos meus filhotes e companheiros dessa breve jornada.

18 de jun. de 2017

Ridículas e Ridículos

Fantasias, criado por Wellington de Oliveira Teixeira em 18-06-2017.
Fantasias *, criado em 18-06-2017.

Todas as cartas de amor...


Todas as cartas de amor são Ridículas. Não seriam cartas de amor se não fossem Ridículas.
Também escrevi em meu tempo cartas de amor, Como as outras, Ridículas.
As cartas de amor, se há amor, Têm de ser Ridículas.
Mas, afinal, Só as criaturas que nunca escreveram Cartas de amor É que são Ridículas.
Quem me dera no tempo em que escrevia Sem dar por isso Cartas de amor Ridículas.
A verdade é que hoje As minhas memórias Dessas cartas de amor É que são Ridículas.
(Todas as palavras esdrúxulas, Como os sentimentos esdrúxulos, São naturalmente Ridículas.)

(Fernando Pessoa — Poesias de Álvaro de Campos, 21/10/1935 )

Há um que de ridículo em filmes e seriados para (pré)adolescentes que resiste até mesmo em comédias românticas para adultos. Nos orientais com toque de ocidentais, de certa forma, há um entrelaçamento de filosofia de vida nos discursos que, retirados da cena, caberiam em projetos de pensamento, mas, na cena, tornam-se piegas e fazem juz ao comportamento de muitos dessa faixa de idade. Fiz uma compilação de trechos que, mais que ilustrar, pode ser usado como ponto para reflexão.

  1. — Cante para mim. Você nunca cantou para mim.
    — Que música?
    — Uma que me faça lembrar de você, que faça você se lembrar de mim, que lembraremos durante muito tempo.

  2. Essa noite, as estrelas estão especialmente radiantes, o tempo passa, eu recordarei as suas palavras com apego, nostalgia e tristeza, até a noite terminar.

  3. Ah! dias felizes, aquelas promessas sussurradas ao ouvido, agora atraem tristeza. Não por culpa sua. É apenas uma súbita vontade de chorar porque foi um lindo sonho.

  4. O amor pode ser travesso, faz quem não acredita nele sentir seu maior poder.

  5. Olhando para trás, percebo que todos protegem alguém que lhe é precioso, lutando, se machucando. E que todos são capazes de ser ferozes. Inclusive eu.

  6. Me tornei uma árvore que se curva; as imponentes, o tufão derruba.

  7. Inúmeras vezes, eu assisti as pessoas nascerem e morrerem. Então, eu pensei, por que se esforçam tanto se vão morrer? Todos vão envelhecer, ter rugas, vão morrer de muitas e diferentes formas.
    Por que se esforçar, como se até viver fosse um ato de guerra? Para um olhar atemporal, é patético e inútil.
    Só se pauta em morte quem não entende que ninguém vive para morrer. Os momentos dão importância à vida. É possível viver, mesmo com um final previsível. É algo tão simples, mas leva tempo para aprender.

  8. Algo como um ditado oriental diz:
    Você deve dizer as suas despedidas antes do fim; quando ele vier, não haverá tempo para isso.

  9. Tenha orgulho de saber isso. Se você viver muito mais tempo que eu, talvez até esqueça, mas tenha orgulho de ter sido importante para mim.
Pois é, verdades podem ser encontradas em qualquer lugar, basta estar acessível e coletar o importante, mesmo em meio ao que se poderia chamar 'lixo' ou 'popularesco'.

Wellington de Oliveira Teixeira, em 18 de junho de 2017.

* Todas as frases são de Meu amor das Estrelas, um seriado coreano que assisti na Netflix. Momentos 'pastelão' são entremeados com conceitos filosóficos e românticos, uma espécie de existencialismo para pré adolescentes (ops!). O importante nessa aventura, além de dar um tempo para descanso e riso, é entender que, quando se garimpa, pedras preciosas são encontradas onde menos se espera. Um destaque é a linda melodia tema My destiny na voz suave de Lyn que, como Fernando Pessoa indica, precisa ser ridícula para ser de amor:

Meu Destino

Se eu tivesse me permitido uma vez mais, se eu pudesse vê-lo novamente.
Nas minhas lembranças do passado, dentro dessa dor, chamo por você.

Você é o meu destino, meu tudo.
Eu o chamo em silêncio.
Você é o meu único amor, todo o meu prazer.
Você é meu amor para sempre.

Venha para o meu lado, se você ainda me ama.
As lágrimas nos meus olhos tentam dizer 'Eu o amo'.

Você é o meu destino, meu tudo.
A única coisa que não mudou foi o meu amor por você.
Você é o meu único amor, todo o meu prazer,
Meu destino.

Mesmo que o mundo mude, você sabe que eu só vou amar você?
Eu chamo por você.

17 de jun. de 2017

Fenômenos regressivos

Regressões criado por Wellington de Oliveira Teixeira em 17-06-2017.
Regressões*, criado em 17-06-2017.

Em estatística, regressão é uma técnica que permite explorar e inferir a relação de uma variável dependente (variável de resposta) com variáveis independentes específicas (variáveis explicatórias).


É bastante comum observar atitudes de adultos consideradas infantis, em diversas situações no cotidiano. Muitas das quais regidas apenas por reação, por descontrole, por impulso.

Atitudes que remetem a um retorno ao modo de agir de crianças, em seu período inicial de formação, são chamadas de fenômenos regressivos. É uma queda evidente na capacidade de raciocinar e de se posicionar em um nível mais elevado. Exemplo simples, apontado pela psicologia comportamental, é a reação tempestuosa de uma criança vendo a mãe dar atenção e carinho a outra, sentido-se preterida: raiva e estardalhaço. No senso comum, ciúme.

Supõe-se adultos os que ultrapassam as fases da evolução no aprendizado racional e emocional. Mas não é bem assim. Toda estrutura tem suas brechas, rupturas, elementos mal acabados ou não inteiramente consolidados.

Na sociedade, encontros de interesses reúnem as pessoas. Alguns determinam ser um certo elemento o detentor de qualidades superiores que merecem o respeito, carinho e defesa; ao contrário de outros: tornam-se agremiações de times, partidos e religiões.

As disposições sociais, como as torcidas, quando perdem o sentido de preferências pessoais, válidas para todos, se tornam pontos de discórdia, ultrapassando o efeito lúdico de diversão, da competição saudável que potencializa seus participantes a se ultrapassarem. Exacerbadas, tendem a acarretar rivalização a ponto de sujeitos perderem a noção, a razão e a humanidade. Excitados pela grande descarga hormonal grupal, alguns se transformam e agem de forma automatizada — como as reações produzidas por feromônios em diversos outros elementos do reino animal. Seus comportamentos regridem a razão a baixíssimos graus.

Como esses comportamentos exigem descargas de doses contínuas, muitos buscam produzir o mesmo efeito dos hormônios e feromônios – uma droga no organismo de um drogadicto – em qualquer situação, mesmo as totalmente fora do contexto. Forjam-se situações para dar vazão às próprias inquietações, incapacidades: constroem-se as regressões. Polariza-se um determinado fato e, mesmo que completamente inadmissível socialmente, ganha sustentação por determinado grupo.

Essa é uma leitura possível de ser feita a respeito dos discursos de ódio e práticas violentas da atualidade, no país. Extremismos ou fundamentalismos, então, podem ser entendidos como uma regressão da humanidade, onde tudo só tem sentido na satisfação de desejos pessoais, do contrário, o 'ciúme' toma a cena, obscurecendo a mente, e todo o descontrole de que ele é capaz se materializa: os tais dos crimes passionais.

Wellington de Oliveira Teixeira, em 17 de julho de 2017.

* The Third Wave, de Ron Jones, relata um experimento de 1967, que objetivava esclarecer o surgimento e a ascensão do nazismo. Em cinco dias foi encerrado, pelo temor de se tornar inteiramente fora de controle. Demostrou a rapidez com que ideias e comportamentos de massa, antes inaceitáveis, podem se propagar. Foi filmado (A Onda) e utilizado para fins educativos, dando origem a inúmeras peças e grupos de estudos. Incrivelmente, criticado por grupos fundamentalistas, no Brasil.

15 de jun. de 2017

Quando traçados ganham vida

Tapetes, criado por Wellington de Oliveira Teixeira em 15-06-2017.
Tapetes*, criado em 15-06-2017.

Olho para trás e vejo um complexo desenho representando o que foi produzido em minha vida. Alguns trechos me encantam, outros nem tanto. Mas me alerto para o fato de que um formato que não me atrai mais, em determinado momento foi o meu possível e não pode ser modificado, como o que estou nesse momento construindo. Maturidade também é poder olhar para trás, avaliar o tipo de tecelão que você conseguiu ser e ter orgulho de ter produzido algo.
(Wellington de Oliveira Teixeira — Tecelão de si mesmo)


Ontem, por volta das 23h estava retornando do trabalho. Como o trânsito estava completamente congestionado em função de um evento religioso da cidade, resolvi descer e caminhar um bom percurso, evitando ficar no ônibus que avançava muito lentamente.

Muitas pessoas aproveitaram para desqualificar o evento e as pessoas que participavam dele, colocando suas questões individuais em pauta. Não quis seguir esse caminho. Há eventos que me agradam e também causam congestionamentos e reveses para outras pessoas. É uma oportunidade expressiva para muitos e, mesmo quando não me afeta, procuro entender.

Sou conhecido (e muito criticado) pela oposição que faço à institucionalização da fé, de sua apropriação com fins escusos, pela dogmatização irresponsável de práticas ou costumes. Ponto.

Simultaneamente, sou um apaixonado pela coletivização, pela reunião dos que creem em práticas solidárias, pela comunhão e pela expressão transparente e verdadeira do entusiamo. Especialmente quando há oportunidades para os dons individuais ganharem status de arte: a religiosidade ganha um fio dourado e reluzente.

A fé que sai de um traçado apenas teórico e ganha corpo e vida sempre merecerá o meu total respeito.



Wellington de Oliveira Teixeira, em 15 de junho de 2017.

* Parabéns a todos os cooperaram para produzir o belíssimo e imenso tapete do Corpus Christi que orna a nossa cidade. É inspirador ver a arte produzida e, mais ainda, a inclusão respeitosa de crianças de colo à idosos, a cooperação e o empenho de todos por um objetivo comum.

8 de jun. de 2017

Constitutivo, Constituinte e Constituição

Constitutivo, criado por Wellington de Oliveira Teixeira em 07-06-2017.
Constitutivo*, criado em 07-06-2017.

Se fosse perguntado em que a moral individual importaria ao Estado, mil respostas, todas falsas, são e foram feitas pelos dirigentes políticos: medo de escândalo e do contágio do exemplo, tutela dos indivíduos, medo mágico das consequências da impiedade para a coletividade, ideia de que a moral pessoal fosse o elo fraco de cada corrente e de que, se esse elo se rompesse, o tecido da coletividade se desfaria… Pouco importam essas más razões: as racionalizações contam menos que a força que faz acreditar nelas e as faz renascer incansavelmente. Essa força, Bergson a chamava obrigação social, pois ele colocava a energia da moral na pressão dos outros, da sociedade, e não em algum imperativo kantiano. A opinião pública não pode deixar de escandalizar-se com vícios privados; se ela pretender ser política, dará à sua indignação moral uma racionalização política […]

(Paul Veyne — Os gregos conheceram a democracia? — em Diógenes, cap.5 p.74)


Todo elemento reunido para formar algo pode ser qualificado como constitutivo, se a sua função na composição é essencial. Há perdas que ocorrem e, mesmo que provocando avarias fortes, não retiram do seu objeto original a sua essência. No entanto, há outras que imediatamente descaracterizam a propriedade original e, sem ela, não há mais identidade de ser para se expressar.

Uma constituição é o referencial máximo para a Nação. Por sua complexidade, exige leis que regulamentem diversos de seus dispositivos ou determinações. Para a sua composição, é necessário um ato de autorização emitido pelo povo por meio da convocação de uma Assembleia Constituinte. Nela, os representantes são eleitos exclusivamente para compor o seu teor e texto.

Uma Constituição cujo teor máximo declarado é a Cidadania não pode ser adulterada em sua essência. Portanto, as Emendas que cobrem suas cláusulas pétreas, seu sustentáculo, não podem e nem devem ser aceitas pela população.

É ilegítima a atuação de um Congresso que altera os pilares da constituição, uma vez que não foram autorizados para tal. Certamente, uma apropriação indevida dessas atribuições específicas. Isso se caracteriza como um Golpe perpetrado contra toda uma nação, uma fato inaceitável.

Certamente, somos uma democracia [re]iniciante, atropelada por diversas tentativas de intervenções para tomada do poder central: as ditaduras civil e militar, patrocinadas por geopolítica, por conglomerados econômicos e/ou por interesses financeiros internos.

O uso intenso de meios de comunicação para obliterar a razão, induzir práticas, atropelar os fatos com boatos ou má interpretações intencionais sempre foram características principais de movimentos golpistas.

Portanto, ações cidadãs de repúdio devem ser qualificadas como defensoras da Democracia e qualquer tentativa de desqualificação desses movimentos, inclusive abusando das concessões dos meios de comunicação para se lhe opôr, deve ser identificada como promotor de Golpe e rejeitado.

Não há solução fácil. Há diferentes matizes de interesses representados em um Congresso. Há camadas sobre camadas de formação, de classes, especialmente em uma país de dimensões continentais como o Brasil. O principal motor para a aglutinação entre todos deverá ser a defesa da Democracia.

Para mim, a defesa da Democracia exige o cumprimento da Constituição: a Cidadania estendida a todos; a atuação privada e pública na redução das extremas desigualdades sociais; a garantia dos Direitos fundamentais e humanos.

Não aceito heróis, salvadores da pátria, elevados a posições estratosféricas e endeusados. Minha fé está depositada em outro referencial: o esclarecimento — a educação cidadã promovendo a avaliação crítica — e a mobilização social para garantir direitos e conquistar novos. Já é sabido que em nosso país todos os que são divinizados — em especial os produzidos pela imprensa dominante — se corrompem e se tornam tiranos.

Wellington de Oliveira Teixeira, em 07 de julho de 2017.

* Os órgãos são elementos constitutivos de um organismo e são constituídos por diferentes tecidos que, associados, podem realizar diversas funções vitais, em humanos (cérebro, pele, brânquias, fígado, pulmões, rins e ouvidos) ou em vegetais (raízes, caule e flores).
Em humanos, sua potência individual ganha um patamar mais elevado e a realização tarefas de um nível superior quando eles se associam para compor os sistemas de órgãos (respiratório, reprodutor, vascular, dentre outros).
Utilizando uma analogia, esse nível de composição de diversos elementos (peculiares, potentes em si mesmos na execução das próprias funções) deveria ser o referencial para as mobilizações e coletivizações.