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10 de set. de 2018

Sincronia e beijos

Sincronia e beijos criado por Wellington de Oliveira Teixeira em 10-09-2018.
Sincronia e beijos *, criado em 10-09-2018.

A EXPERIÊNCIA MAIOR
Eu antes tinha querido ser os outros para conhecer o que não era eu.
Entendi então que eu já tinha sido os outros e isso era fácil.
Minha experiência maior seria ser o âmago dos outros:
e o âmago dos outros era eu.

(Clarice Lispector — Aprendendo a viver, p. 71)


A questão é que para o desejo e a expressão nem sempre há sincronia para ocorrer um encontro, mas eles quase sempre se dão muito bem quando esta dá o ar de sua graça – o que geralmente só faz depois de muito esforço por parte deles.

Há também uma tal de condição que nem sempre quer deixar a sincronia ser dona da situação: tem que ter hora livre de trabalho, além de grana, saúde e tudo o mais que sustenta a chance, claro.

Mas a persistência compensa e eles sabem disso: tentam e tentam até que, por insistência, há a confluência de todos os elementos necessários para o encontro.

Conta-se por aí que, para dar uma ajudinha, há cupidos de tocaia para provocar a atenção os desatentos. Ocasionalmente, numa dessas experiências, dão sorte e, quando seus alvos se beijam, surge uma faísca como a de um disparo e ilumina o ambiente por dentro e por fora deles.

A vida sabe bem que é preciso gerar acontecimentos daqueles em que se vivenciam a realização plena da expressão de um ser, mesmo que de forma momentânea e fugaz. Parece que ela torna isso algo raro porque, se não fosse, não haveria a real valorização da magia e da potência gerada e que fica represada dentro de cada um.

A questão é que a maioria dos que vivenciam essa experiência se esquece de que, depois dos fogos de artifício, fica por conta de cada um manter o fluxo da troca e a potência produzida no encontro. É verdade que o processo exige muito esforço. E, daí? Vale a pena. Aproveite toda a oportunidade para reacender a chama que se agasalhou no seu interior.

Wellington de Oliveira Teixeira, em 10 de setembro de 2018.

* Me encanta como, na vida, coisas triviais são capazes de nos trazer um momento de magia. Vivenciei isso na reforma de meu quarto: o brilho nos olhos era o fruto de ter reacendido a chama do prazer da descoberta, da realização e da alegria de se envolver e investir em si mesmo, ao mesmo tempo que abrindo espaço para receber outros nele.
Duas sugestões de animação que tratam do tema de formas bem diferenciadas:
  • O Jardim das Palavras.
  • Shiki Oriori: O Sabor da Juventude.

25 de ago. de 2018

O fluxo e as percepções

O Fluxo e as percepções criado por Wellington de Oliveira Teixeira em 08-08-2018
O Fluxo e as percepções*, criado em 08-08-2018.

Existe um ser que mora dentro de mim como se fosse a casa dele, e é. Trata-se de um cavalo preto e lustroso que apesar de inteiramente selvagem – pois nunca morou antes em ninguém nem jamais lhe puseram rédeas nem sela – tem por isso mesmo uma doçura primeira de quem não tem medo: come às vezes na minha mão. O seu focinho é úmido e fresco. Eu beijo o seu focinho. Quando eu morrer, o cavalo preto ficará sem casa e vai sofrer muito. A menos que ele escolha outra casa e que esta casa não tenha medo daquilo que é ao mesmo tempo selvagem e suave. Aviso que o cavalo não tem nome. Basta chama-lo e acerta-se logo com o nome. Ou não se acerta, mas uma vez chamado com doçura e autoridade, ele vai. Se ele fareja e sente que um corpo-casa é livre, ele trota sem ruídos e vai. Aviso também que não se deve temer o seu relinchar: as pessoas enganam-se e pensam que são elas mesmas que estão a relinchar de prazer ou de cólera, as pessoas assustam-se com o excesso de doçura do que é isto pela primeira vez.
(Clarice Lispector — Uma aprendizagem Ou O livro dos prazeres, p.28-29)


Apenas alguns — conscientizados de que há sentidos e possibilidades disponíveis e presentes em esferas de vida compartilhada — ousaram ativar a vontade, em si, de viver. Mais potente que impulso ou desejo, a vontade exige o envolvimento total do ser na sua consecução.

Seres vivos em escalas do hiper micro ao hiper macro, orgânicos ou inorgânicos, produzem a integração numa rede que estabelece os mundos. Há acontecimentos ou forças, inclusive as inacessíveis ou imperceptíveis, que induzem os fluxos de energia à coesão ou integração formando conexões persistentes.

Pontes de cordas é uma possível metáfora para esse processo. Vias que se estruturam individualmente, mas que, de algum modo, se lateralizam, quase como um percurso de trilhos paralelos: as realidades produzidas por cada um atingindo, se acoplando, se integrando a um todo.

Em uma comparação frágil com os órgãos de um corpo, as cordas ou vias individuais são elementos (do nano ao macro) que efetuam suas vivências geralmente desapercebidos de sua inserção|integração com agrupamentos|conjuntos cada vez mais amplos.

Identifico, em uma maioria, processos de grupos hiperestruturados – são funcionais, como os das formigas e abelhas, com práticas preestabelecidas e estritamente determinadas: um balé, um dança. Mas vibro com os coringas, aqueles capazes de se restruturarem para atuar diversificadamente (pense numa célula tronco, rizomas, e os duplicadores de si quando algo os mutila).

A constituição da individualidade necessita da ilusão de isolamento – fundamental para constituição de vias funcionais específicas –, que de modo recorrente inviabiliza a percepção hiper macro ou cósmica de forças como a empatia, o acolhimento, o cooperativismo como os constituintes essenciais da Ordem.

Os desafiantes da morte são todos os seres que se utilizam dessas forças para refazerem pela aglutinação | transformação | regeneração de suas estruturas e capacidades. Dito assim não parece grande coisa, mas é o real milagre do que se engendrou como a vida, e seres em diversos níveis o compartilham: minerais, vegetais, animais, apenas na esfera do espectro visível (e evitando invadir espaços mais amplos, como os escancarados com os estudos do eletromagnetismo e dos multiversos).

Me agrada a sensação de ser pleno e persistente (afinal, quantos já contabilizaram quase 57 anos?). A vida é algo incrível com tantos altos e baixos, dores e alegrias, saúde e doenças (equilíbrio|desequilíbrio). Especialmente as estabelecidas por conta de conexões como as paixões e as composições ativas (puro efeito da vontade). Identifico tantos pontos de interseção com forças e seres que me potencializaram e, ainda hoje, o fazem. Há um fluxo que perpassa tudo isso. Apenas o pressinto ou intuo, mas não sei definí-lo.

Perceber é algo mágico. Os brilhos minguam ou se expandem e o fluxo segue indiferente ao que se passa, assim como nós em relação à operacionalidade dos nossos corpos, por ser apenas aquilo que o constitui. Mas até essa certa inconsciência é fundamental para tornar a vida mais rica quando as suas infinitas possibilidades se apresentam nos momentos em que senciência e a inserção no todo vêm à tona.

Wellington de Oliveira Teixeira, em 25 de agosto de 2018.

* Ao final de 2017, me propus tornar o ano de 2018, um de transformações e transições. Já na virada, fui surpreendido por roubo violento que me levou ao hospital, inconsciente. A elaboração do fato tornou mais forte essa vontade de afirmar a vida e de realizar as minhas propostas. A atual transformação na casa visibiliza muito o que aconteceu em mim, por ter me proposto e conseguido realizar o seu projeto, além de construir os móveis que me cercam. Contei com colaboração, especialmente nas pinturas (Beto e Diego) e de Gilmar (sempre ela!) na expansão das minhas ideias.
Estou na fase final de decoração. Nela, pego cada elemento anterior, o reavalio e construo um modo de incluí-lo na nova etapa ou excluí-lo, se não me representa mais (♫ Eu joguei tanta coisa fora, vi o meu passado passar por mim… – Paralamas do sucesso). Tudo que foi reciclado ou permaneceu intocado (não precisava mudar nada!) está me envolvendo, agora. Mais que satisfeito, estou feliz com o resultado. Bem… até a próxima proposta me atirar em outra empreitada.

5 de abr. de 2018

Um espelho para a alma

Espelhos da Alma, criado por Wellington de Oliveira Teixeira em 25-03-2018.
Espelhos da Alma *, criado em 25-03-2018.

A cada espécie de signo corresponde, sem dúvida, uma linha de tempo privilegiada. […]
Sem se corresponderem ou simbolizarem, sem se entrecruzar, sem entrarem em combinações complexas que constituem o sistema da verdade, os signos não se desenvolvem, não se explicam, pelas linhas do tempo.


(Gilles Deleuze — Proust e os signos, p.24)
O pensamento é um instrumento poderosíssimo para construir níveis de autonomia e de superação do automatismo.

Somos literalmente atravessados por fluxos poderosos, ativadores ou potencializadores do afeto e, apenas posteriormente, da compreensão – que é um exercício do pensamento e não uma reação automática.

Ser reativo é o grau mais básico de ser: reage-se, instintivamente, a tudo. Mas ser afetado não garante o ultrapassamento, o esmiuçar as estruturas e contextos do que estimula. Por isso, em sua maioria, somos constantemente levados, ao invés de nos impulsionar consciente e estrategicamente.

Seres vivos são sensíveis ao amor. Isso não significa entender o que é ser amado, muito menos aprender-se o que é amar. O outro é um sinal, um signo, uma fonte de estímulo e não carrega em si a resposta. Sua efetividade está no alterar as percepções que temos – intimamente relacionadas ao fato de disparar desejos, estabelecer memórias, estimular transformações.

Não compreendemos o quanto isso o torna valioso. E muitas estações se vão até vislumbrarmos que ele é a superfície refletora do que se projeta no mundo: um espelho para a alma.

Wellington de Oliveira Teixeira, em 05 de abril de 2018.

* Qualquer elemento da vida é um signo (sinal, sinalizador) que promove mudanças: ativam novas conexões ou nos retiram do tempo — momentos em que se fica aéreo, vislumbrando horizontes ou em recordações. A interferência na percepção pode ser fonte de aprendizado efetivo se, ao invés de só reagir a ela, defini-la como um referencial para o questionamento dos próprios atos e atitudes. O signo, em si, continuará lá, independente de sua reação. Mas, constituir-se como um aprendiz dos signos — ao torná-lo um espelho para observar-se e entender-se — permitirá expandir, ampliar e enriquecer a sua verdade pessoal.

15 de mar. de 2018

Um Monte de Águas Leves

Monte Das Águas Leves, criado por Wellington de Oliveira Teixeira entre 11-15/03/2018.
Monte Das Águas Leves *, criado entre 11-15/03/2018.

O confucionismo foi falsamente rotulado como uma religião. Na realidade, configurou-se como um sistema de pensamentos e ritos sociais preocupado com as necessidades da sociedade chinesa e seus relacionamentos sociais. Ao contrário do budismo e do taoísmo, o confucionismo nada tinha a ver com o papel da natureza ou com vida após morte.
Em meio à incerteza política e social, o pensamento confuciano preconizava que uma civilização poderia ser harmônica se governada por um sistema de métodos padronizado e universalmente compreendido. Confúcio defendia cinco qualidades básicas: benevolência, retidão, decoro, sabedoria e honestidade. Entre elas, a benevolência era considerada a pedra fundamental englobando lealdade, piedade filial, tolerância e bondade.
Quando Confúcio morreu, por volta de 479 a.C., suas ideias não eram universalmente conhecidas e a noção do pensamento confuciano como uma verdadeira filosofia não havia criado raízes. Seus ensinamentos foram registrados e compilados por muitas gerações de discípulos e são hoje conhecidos como os “Quatro Livros”, textos essenciais que formam a obra do pensamento confuciano: "Os Analectos", "O Drande Aprendizado", "A Doutrina do Método" e "O Livro de Mêncio".


(Kuijie Zhou — Aprendendo a Viver com Confúcio)


Da nascente até o mar, a água flui produzindo vida, alimentando solos, vegetais, animais. E o cenário que ela forma alimenta a alma de todos seres viventes.

Em planos mais altos ou nas planícies, a superfície reflexiva, transparente e maleável inventa formas de vencer seus obstáculos sem perder sua essência. Um dia, após sua longa ou curta jornada, se reintegra à imensidão. Na bagagem, os aprendizados compartilhados com as incríveis formações terrenas serão compartilhados com o mar.

Quem sabe?, talvez seja esse o motivo de, com tanta persistência por meio de suas ondas, o mar insistir em retornar e experimentar, por instantes que sejam, a agradável sensação de deslizar em areias.

Vivências permitem a absorção de elementos que se agregam à constituição do ser, no interior ou no exterior: marcas, sinais, energias, aprendizados e tudo o mais que estrutura a alma em seu percurso.

Não selecionar o que guardar só produz acúmulo, obstrui o trajeto e impede a experimentação do novo: doença na alma, o saudosismo oferece apenas a estagnação. Aprendizados e prazer constituem, em essência, os fundamentos da vida e da expansão em seu modo verdadeiramente livre e pleno e integrado ao todo.

Wellington de Oliveira Teixeira, em 15 de março de 2018.

* O olhar que projetamos desafia um número infindável de camadas das formas existentes. É tentar realizar um processo semelhante ao repartir uma cebola para perceber sua constituição e essência. Só quando seu envólucro é desfeito é que a expansão de todas as outras camadas se visibiliza. Na leveza ou na turbulência de suas múltiplas vivências, a sua estrutura tornou-se, dia após dia, um pouco maior e mais enriquecida: seu poder individual, exclusivo e inalienável.

11 de mar. de 2018

Discursos dupla mente

Bombardeio mental, criado por Wellington de Oliveira Teixeira em 09-03-2018.
Bombardeio mental *, criado em 09-03-2018.

Podemos aprender algumas lições elementares sobre as pessoas com base no preço de certos produtos. Há alguns anos, a Apple, fabricante de computadores, apresentou seu novo laptop Macbook em duas cores: branco e preto – esta, uma versão especial, mais cara. Apesar de ser idêntica à versão branca – velocidade, espaço disponível em disco e assim por diante –, a versão preta foi vendida por US$ 200 a mais. Mesmo assim, venderam muito bem. Isso não teria acontecido se a demanda não fosse suficiente, e assim ficou claro que as pessoas se dispuseram a pagar um pouco mais só para se diferenciarem de seus vizinhos e seus laptops banais, brancos.
(Edmund Conway — Oferta e procura, cap 2, p.15-16 em 50 ideias de economia que você precisa conhecer)


Na ordem de precedência para o Mercado, a meritocracia é definida pela ascendência via indicação político social ou pelo marketing pessoal e não pela excelência laboral. E, no caso dos produtos, sua criatividade e qualidade submetem-se ao vender o produto a preço supervalorizado.

O registro atual de mercado definiu um padrão de aparência como tudo: com um pouco de marketing social, a roupa de baixa qualidade, feita por mão de obra escrava ou quase, mas, com um logotipo qualquer na etiqueta vira tendência de moda e o preço triplica ou mais. É certamente a subvalorização da eficiência e da produção com qualidade

A ilusão incutida na população, adotada e reproduzida especialmente pela classe média, é a de que se você tiver aparência de marca será bem sucedido na vida. Gasta-se muito mais com moda (aparência) do que com aprendizagem (conteúdo).

O povo não tem acesso à grife exclusiva, compra do atacadão. Não são falsificações que estou avaliando, são produtos encomendados por grandes magazines (rede de lojas popularmente renomadas) a pequenos produtores, a preços irrisórios. Ao seguirem igualmente para o mercado popular e o informal, demonstram que é pura ilusão o padrão de qualidade diferenciado.

Entenda a logística: o mesmo produto feito no exterior (geralmente, na Ásia) é importado por diversas marcas, recebendo como única modificação etiquetas interna e externa. A tal da segunda linha, é esse mesmo produto que recebe apenas a troca das letras no nome, por exemplo, Calvin Lein para as camadas populares e o CK para os medíocres que se definem por rótulos.

A imitação insana dos 'famosos', essas crias passageiras de um marketing de controle social, produz a dominação de padrões (de beleza, de comportamento, de músicas ou de outros produtos), torna supérfluo algo essencial e retira do essencial (alimentação, aprendizado, expressão de características pessoais…) o seu potencial de realização e de plenitude. Chega ao ponto em que copiar se torna melhor que individualizar e se destacar.

Isso é feito para que se deixe de pensar em diversidade, valores diferenciados e singularidades: todos importantes para o enriquecimento de uma cultura e da sociedade.

Deixa de ser uma questão de barato/caro, ruim/bom ou feio/bonito. Torna-se simplesmente a hegemonia de um determinado padrão por conta de uma insistente propaganda. No final, resta apenas aquilo que pode sociologicamente ser considerado um discurso 'dupla mente'. Essa nova técnica de propaganda, que manipula ao reunir pensamentos antagônicos para a produção da lavagem cerebral da 'atitude': o 'ser escravo é ser livre'.

Wellington de Oliveira Teixeira, em 09 de março de 2018.

* O uso do poder financeiro para manipulação de comportamentos passa pelo convencimento para a adoção de um único padrão como socialmente aceitável e a exclusão dos que não aderem a ele incondicionalmente.

6 de mar. de 2018

Mediação e evolução social

Mediação, criado por Wellington de Oliveira Teixeira em 06-03-2018.
Mediação *, criado em 06-03-2018.

Pode parecer piada, mas a física quântica, que estuda o mundo das partículas fundamentais da matéria e da energia, sabe há décadas que, mesmo num espaço essencialmente vazio, partículas 'virtuais' podem aparecer e desaparecer, criando-se e autodestruindo-se espontaneamente, num piscar de olhos. […] Como diz o físico americano Lawrence Krauss, o problema do 'nada' é que ele é bastante instável: parece estar doidinho para se transformar em alguma coisa.

(Reinaldo José Lopes — Deus existe? em Os 11 maiores mistérios do Universo cap.1 p.34)


A seletividade, enquanto capacidade e potência de mediação de encontros, é a prova cabal de uma evolução contínua das interfaces de vida. As capacidades de [des]conexão e [des]apropriação — suas principais características — se distinguem, no universo, por investir na potência de aglutinar novos elementos e de restruturar um ser visando a sua manutenção e o desenvolvimento de novas etapas evolutivas: fatores essenciais à vida.

A arte da combinação é sutil e delicada, exige um esforço cuidadoso na escolha dos elementos que entrarão na composição desejada. Por meio dela – e de um infinito diálogo de suas estruturas com o ambiente interior e exterior – o ser humano se sofistica, exponencialmente.

A biologia nos mostra como os envólucros (as membranas, as peles, etc) se desenvolveram a partir de uma superfície que impedia as trocas com o ambiente. A natureza desenvolveu mecanismos de filtros visando a permeabilidade contínua das superfícies. Um deles, a configuração de encaixe por semelhança de formas e simetrias, se mostrou fatal: vírus e bactérias mimetizaram (simularam, como faz um cameleão) as formas das portas abertas e se proliferaram nas células. Como resultado, pestes dizimaram milhares de seres humanos.

Hora de uma nova estratégia, a seletividade ganha sofisticação. Práticas diferenciadas de encontros e de apropriação de novos conteúdos foram elaboradas: a permeabilidade das superfícies de órgãos, mais atenta, adotou a assimilação em massa de elementos potencializadores e estimuladores das defesas internas.

Da prática dos isolamentos, adotou-se a de apropriação e de combinação com elementos mais diversificados. Habitam o ser humano incontáveis seres vivos em práticas harmônicas de cooperação — antes inimigos, agora associados em um projeto de permanência e expansão cooperativa.

Mais que o poder da força bruta, a capacidade de assimilação de novas potências e sua propagação se definiram como preponderantes à preservação. Discordâncias e dissidências deixaram de ser prioridade ante o visível risco de ostracismo, obsolescência e extinção. A regra da interseção (encontrar elementos de interesse comum) se sobrepôs à de dominação e, com isso, o equilíbrio tornou-se o objetivo principal, mesmo que sempre renegociado, restruturado e reelaborado. Já imaginou essa estratégia alcançando nosso ambiente social?

Wellington de Oliveira Teixeira, em 04 de março de 2018.

* Há infinitas formas de deturpar os interesses e de tornar inimigas pessoas que visam os mesmos objetivos. Essa prática é politicamente estratégica: dividir para conquistar.
A biologia nos ensina que a seletividade deve atuar em seu aspecto de mediação e assimilação potencializadora. Evolução nas condições de vida são geradas apenas quando há a composição de forças. Mesmo quando em um arranjo temporário, é possível trabalhar os pontos de concordância e expandir as potências individuais, um processo que pode ser renovado com outras formas de alianças para novos objetivos.
RELAÇÕES HARMÔNICAS
Mutualismo
indivíduos de duas espécies diferentes fazem uma associação necessária para a sobrevivência: algas e fungos formam os líquens – os fungos abrigam as algas e elas alimentam os fungos.
Protocooperação
indivíduos de espécies diferentes vivendo de modo independente sem prejuízo para ninguém: mamíferos e búfalos são aliviados de seus carrapatos por pássaros, que comem esses parasitas.
Colônias
indivíduos da mesma ou de diferente espécies ligados fisicamente entre si, com divisão de trabalho (caravela), ou não (agrupamento de bactérias).
Comensalismo
indivíduos de espécies diferentes, onde uma se beneficia sem prejudicar ou beneficiar a outra ao se alimentar daquilo que é rejeitado pela outra espécie: o urubu alimenta-se dos restos deixados pelo homem em lixões e aterros.
Inquilinismo
indivíduos de espécies diferentes, apenas uma se beneficia sem prejudicar a outra. O inquilino (espécie beneficiada) obtém abrigo ou ainda suporte no corpo da espécie não beneficiada (hospedeiro): bromélias e orquídeas que se fixam no tronco das árvores.
Sociedade
é um tipo de relação entre indivíduos da mesma espécie, sem união física, porém caracterizada pela divisão de trabalho como nas sociedades das abelhas, das formigas e dos cupins.

23 de fev. de 2018

Alien Em Ação

AlienEmAção, criado por Wellington de Oliveira Teixeira em 23-02-2018.
AlienEmAção *, criado em 23-02-2018.

Alienação
Do latim alienare, tornar alguém alheio a alguém. Sociologicamente relaciona-se aos processos onde diversos fatores sociais geram o alheamento do indivíduo, induzindo seu alijamento ou exclusão da sociedade. É um estado que interfere na capacidade dos indivíduos de atuarem e de pensarem por si próprios, inconscientes de seu papel na vida.


Alien, de alguns tempos para cá, tornou-se um modo de dizer um ser extra-terrestre. Mas essa denominação qualifica os que ficaram alienados de sua humanidade, manipulados a ponto de perderem a sua identidade: possuídos pela midiotia ou pela opinopatia – principais monstros que atuam impunemente em nosso meio ambiente –, entraram em processo de despersonalização.

Alguns, injetaram as regras do Deus mercado, sem dó nem piedade, em si mesmos: e daí se crianças estão sendo escravizadas, se guerras destroem lares iguaizinhos aos seus, se idosos morrem sem atendimento? Alienados não se importam com outras vidas.

Outros, festejam as desgraças alheias como se fossem suas vitórias: um complexo de inferioridade tão gigantesco que vive do 'gozar com o pau dos outros' ao endeusar famosos midiáticos e desqualificar qualquer um ao seu redor.

Em todos eles, verdades manipuladas são antolhos, como os usados em animais, que impedem visualizar o seu contexto. Cérebros lavados com propagandas massivas e repetitivas – produzidas para impedir qualquer outra forma de se perceber a própria realidade e de se inserir em seu próprio contexto de vida – os obrigam a apenas reproduzir, em tudo, o que lhe é determinado.

Talvez seja por isso que insistem tanto em ir contra o que é de Direito da Humanidade. Eles não se incluem mais nessa categoria: robotizados, não conseguem mais exercer a sua empatia e não mais se identificam com a felicidade ou tristeza do outro.

Os novos monstros, como nos filmes de ficção e terror, surgem do interior das pessoas, após sugar tudo o que permitia a sua vida como um ser humano. Da alienação, o que resta é uma carcaça, um morto-vivo, um ser desalmado, um juiz da vida alheia para quem qualquer resquício de felicidade, no outro, é motivo para a desqualificação, o rancor, o ódio e, ao final, o próprio sofrimento.

Wellington de Oliveira Teixeira, em 23 de fevereiro de 2018.

* A tripulação da espaçonave comercial Nostromo é despertada de suas cápsulas crio-sono, durante o seu retorno para a Terra, a fim de investigar um pedido de socorro de outra nave. Ao adentrá-la, encontram um ninho com ovos alienígena. De um deles, uma criatura salta e deposita seus ovos em um dos tripulantes ao asfixiá-lo, deixando-o em estado de coma. Essa é a temática de Alien - O 8.º Passageiro, de Ridley Scott. O texto é uma alusão a esse envenenamento que domina e escraviza visando a reprodução da desumanização, hoje em curso no país e no mundo.

12 de fev. de 2018

Reformas e reformulações

Reformulação, criado por Wellington de Oliveira Teixeira em 12-02-2018.
Reformulação *, criado em 12-02-2018.

O resultado disso tudo é que vou ter que criar um personagem — mais ou menos como fazem os novelistas, e através da criação dele para conhecer. Porque eu sozinho não consigo: a solidão, a mesma que existe em cada um, me faz inventar. E haverá algum outro meio de salvar-se? senão o de criar as próprias realidades? Tenho força para isso como todo o mundo — é ou não é verdade que nós terminamos por criar uma frágil e doida realidade que é a civilização? essa civilização apenas guiada pelo sonho. Cada invenção minha soa-me como uma prece leiga — tal é a intensidade de sentir, escrevo para aprender. Escolhi a mim e ao meu personagem — Ângela Pralini — para que talvez através de nós eu possa entender essa falta de definição da vida. Vida não tem adjetivo. É uma mistura em cadinho estranho mas que me dá em última análise, em respirar. E à vezes arfar. E às vezes mal pode respirar. É. Mas às vezes há também o profundo hausto de ar que até atinge o fino frio do espírito preso ao corpo por enquanto.
(Clarice Lispector — Um sopro de vida - Pulsações, p.19)


Os motivos são diversos: desde uma nova cosmética a um conserto emergencial e inadiável. Mas, cada vez que a sua casa entra em reforma, o mundo vira de ponta a cabeça, chega a ser desesperante. Invariavelmente. O pensamento me veio à tona em função de um estufamento de quatro peças no piso da sala.

No entanto, só quem não verificou os resultados de transformações estaria incapacitado para entender que melhorias exigem um processo de mudanças, de uma simples realocação de móveis e utensílios até a reconstrução das estruturas – camada de sustentação mais profunda, o interior de tetos, paredes e pisos.

Em qualquer caso, é preciso se aconselhar com um especialista, verificar a qualidade dos produtos a serem utilizados, preparar uma operação meticulosa de organização a fim de evitar estragos em outras áreas. Tudo isso tem seu custo versus benefício a ser avaliado e nunca deve ser procrastinado.

Não esqueça de colocar a placa de 'Cuidado! Em obras.' para alertar quem se aproxima de que a situação é sensível e, mesmo bem administrada, há riscos imediatos.

Vidas em reformulações carregam todos esses aspectos, também. Em especial, em circunstâncias que fogem ao controle. Nessas horas, diga ao desespero — 'Já sei. Trate de segurar as pontas porque não tem como evitar'. E vá em frente. Substitua, por uma mais bonita, as peças defeituosas; escolha um acabamento que traga uma sensação de novidade e não esqueça de incluir uma ou duas peças novas na decoração final.

Assim, ao final de toda a limpeza, após sentar e respirar fundo, extremamente cansado, permita-se ver o resultado positivamente. Por enquanto, as intempéries se acalmaram, as questões estão sendo resolvidas (de vez em sempre virão outras, né?). Vida é transformação, uma regra inflexível que não impede você de incluir um toque de beleza e comemorar a vitória, ao final de cada uma.

Wellington de Oliveira Teixeira, em 12 de fevereiro de 2018.

* Reformulação, a imagem que ilustra esta postagem é resultado da desestruturação do processo de criação da imagem utilizada na postagem anterior Brincar de viver e ser feliz e visa trazer à tona toda essa desconfiguração momentânea pela qual passamos em vários momentos da vida e a angústia que traz os redemoinhos de incertezas, as peças defeituosas e todo o processo de reforma interior.

9 de fev. de 2018

Brincar de viver e ser feliz

Nadar criado por Wellington de Oliveira Teixeira em 09-02-2018.
Nadar *, criado em 09-02-2018.

Quem me chamou? Quem vai querer?
Voltar pro ninho, Redescobrir seu lugar, Retornar e enfrentar o dia a dia, Reaprender a sonhar!
Você verá que a emoção começa agora – agora é brincar de viver.
Não esquecer: Ninguém é o centro do universo e assim é maior o prazer.
Você verá que é mesmo assim, que a história não tem fim
– continua sempre que você responde sim à sua imaginação; à arte de sorrir, cada vez que o mundo diz não.
E eu desejo amar todos que eu cruzar pelo meu caminho:
como sou feliz, eu quero ver feliz quem andar comigo.
Vem!

(Guilherme Arantes/John Lucien — Brincar de Viver)


Monstros existem porque somos capazes de gerá-los. Toda vez que tentam discordar, eu reafirmo: tudo depende apenas do nível em que somos afetados ou nos permitimos ser tocados pela insensibilidade e pela ausência de referenciais.

Sombras de coisas muitos boas podem assustar e a incapacidade de visualizar a realidade das coisas é capaz de ativar os mecanismos de defesa mais profundos e primitivos em cada um. A fragilidade também gera monstros.

O isolamento ou a solidão involuntária vai instalando o terror conforme o tempo passa e ela não é desfeita: o enlouquecer pode ser o monstro alimentado por um processo de ausência de qualquer tipo de presença.

Mas o que mais assusta é quando a insensibilidade impede os sentidos de atuarem e gerarem os estímulos que são capazes. Tudo fica cinza, inodoro, sem sabor, som de uma nota só e o toque não produz o choque de emoções: a vida incapaz de mover-se para produzir encontros e a reação que eles produzem.

É bom saber que todo monstro tem seu ponto fraco, também. Pode ser que não o encontremos nas primeiras tentativas. Então, é só não desistir porque, em algum momento, a luz volta a colorir tudo ao redor e seu brilho invade as profundezas do oceano da alma e a traz à tona para brincar de viver e ser feliz.

Wellington de Oliveira Teixeira, em 09 de fevereiro de 2018.

* Uma das atividades que mais apreciei em toda a adolescência era nadar. Isso contra os reveses que me causava, por conta de uma otite crônica que me acompanhou desde que nasci e me provocava dores lancinantes. De certa forma, ficou como um registro em mim de que o prazer de viver tinha os seus percalços e de que eu nunca deveria me negar o que me era essencial e, sim, encontrar um modo de driblá-los.

6 de fev. de 2018

A razão é obstinada pela continuidade

Obstinação, criado por Wellington de Oliveira Teixeira em 06-02-2018.
Obstinação *, criado em 06-02-2018.

Momentos radicais exigem muito mais que a radicalidade: a calma, a clareza e a estratégia. A vida ganha permanência exatamente pela capacidade da transmutação: contextos diversos, estruturas diversas, via transformação.
(Wellington de Oliveira Teixeira — Ser Pensante by Well)


A energia alimenta o movimento e a mudança. Ela é um elemento transformador que adquire muitas formas, desde o calor que emana da madeira em chamas até a velocidade da água que escorre morro abaixo. Ela pode se transmutar de um tipo em outro. Mas a energia nunca é criada ou destruída. Ela sempre se conserva como um todo.

(Joanne Baker — Conservação de energia, p.8)


A maioria dos mitos adotados pela humanidade tenta reproduzir a noção de para sempre ou de eternidade. Não nos conformamos com as parcialidades, incompletudes e finitude. Mas o infinito nada mais é que uma longa sequência de acontecimentos e das expressividades que estes estimulam nos seres.

Não acredito em vazios: vácuos estão repletos de forças tão minúsculas e invisíveis que escapam à percepção ordinária; certamente, até mesmo daquela capaz de perceber as camadas constituintes da Ordem. Essas Partículas-Nano-Degraus são as peças recambiantes de um lego universal, que se reestruturam em infinitesimais partículas de tempo. A permanência é fruto de uma ilusão da razão, que é obstinada em se adaptar para manter a percepção de substância, constância, continuidade.

Esse conjunto de forças preponderantes da vida são tão maleáveis e recombinantes que podem se tornar absolutamente tudo no esfera da percepção. É bem possível que se escondam em algum recanto bem resguardado da alma em um dia como esse, com um céu silencioso e cinza com tonalidades de chumbo.

Fruto de uma invasão dos recônditos protegidos pela razão ou da atuação de uma força interna de atração inconsciente, não importa. As forças da vida exigem desintegrar absolutamente tudo o que está estabelecido para recompor as partes em um outro formato ou nível: a transformação é o tom maior da natureza.

Reagindo a sua atuação imperiosa, recorremos a uma certa nostalgia – essa sensação de estranhamento que, em alguns, se manifesta como tédio ou irritação e, em outros, como uma saudade ou tristeza. Diante dessas sensações, até mesmo o compositor Renato Russo recorreu ao 'e o que sinto não sei dizer'.

Essa afetação pelo instante de ausência do brilho de vida – da inexistência de um elemento disparador da vontade de ir para a rua e para as pessoas – ocorre em circunstâncias e momentos diferentes para cada um, mas em todos. A situação parece ser uma constante humana, que se constitui com elementos de interposição entre o que, na falta de conceitos mais esclarecedores, denominamos de interior e de exterior ao ser.

Há, porém, um outro paradigma na vida individual: tudo que passa pela vontade consciente abre o campo das opções. O maior deles é o da afetação: é possível escolher como reagir aos estímulos que nos atingem. Tudo que tem a potência de se tornar um bloqueador dos sorrisos do rosto e da alma também pode ser entendido e assimilado como produtor ou estimulador da resiliência, do aprendizado e, finalmente, constituir uma permeabilidade mais elaborada e eficiente para encarar os encontros que, fatalmente, iremos efetuar.

Wellington de Oliveira Teixeira, em 04 de fevereiro de 2018.

* A energia que capacita outros modos de ser também proporciona o alcançar novos níveis, em espiral ascendente. A força que torna inflexível uma vontade exige acumular o aprendizado de muitas mudanças de táticas. Se o alvo é importante, o processo de transformação que permite alcançá-lo deve ser valorizado na mesma medida: este é o conceito da transmutação aplicado ao corpo e à alma.

21 de jan. de 2018

Ondas que nos movem

Ondas,  criado por Wellington de Oliveira Teixeira em 20-01-2018.
Ondas, criado em 20-01-2018.

Às vezes o mar lhe impõe resistência puxando-a com força para trás, mas então a proa da mulher avança um pouco mais dura e áspera. E agora pisa na areia. Sabe que está brilhando de água, e sal e sol. Mesmo que o esqueça daqui a uns minutos, nunca poderá perder tudo isso. E sabe de algum modo obscuro que seus cabelos escorridos são de náufrago. Porque sabe – sabe que fez um perigo. Um perigo tão antigo quanto o ser humano.
(Clarice Lispector — As Águas do Mundo, Jornal do Brasil, 13/10/1973.)


Há uma certa atitude que é preciso assumir quando se adentra a praia, que ultrapassa o encantamento: o respeito por algo capaz de despertar o senso de infinito. Fora isso, é preciso entender que a água é maravilhosa e perigosa, simultaneamente.

Durante a juventude, me permiti um certo gosto por saltos de alturas diferenciadas. Em várias situações precisei desenvolver a reorientação espacial, para não perder o ponto de partida e regresso ou para aventurar-me um pouco além. Em outras, descobrir novos equilíbrios, indefinida e constantemente, se o mar repentinamente ficava 'crespo' e agitado e promovia o sobe e desce e o soçobrar de um lado para o outro.

As possibilidades de escolha e da tomada de decisões imediatas e circunstanciais como tocar a areia apenas em alguns momentos ou constantemente; de aproveitar a agitação para deslizar sobre a crista das ondas ou adentrar seu núcleo e deixá-la passar.

A chance de pertencer à imensidão, como elemento integrante e ativo, e ter essa noção de forma tão vívida é algo particularmente envolvente e instigante para mim. Talvez, por isso, praia esteja ligada à companhia de pessoas cuja relação comigo esteja bem estruturada, os que considero companheirxs e parceirxs da jornada da vida.

O litoral me toma em níveis diferenciados, mas para além da sedução de toda a diversão, sou um ser que se espiritualiza quando está diante ou nas águas e, nesses momentos, me deixo levar em ondas muito mais diáfanas e sutis *. Entro em um nível de reflexão e meditação profundos, uma verdadeira reavaliação de percurso e de onde me encontro, atualmente. Em todas as oportunidades, saio outro: mais leve, mais pleno de mim e – algo que considero crucial – consciente da interligação ao universo e aos outros.

Wellington de Oliveira Teixeira, em 20-21 de janeiro de 2018.

* Muitas das experiências que provocaram extensões sensoriais, percepções ampliadas, equilíbrios inesperados estão relacionadas a um encontro com rios, cachoeiras, lagoas ou mar. Águas conseguem exercer um papel purificador, conscientizador e integrador em mim. Muito do que vivi foi algo compartilhado, em níveis diferenciados, é claro, e gerou uma imensidão de boas recordações que permeiam esse momento de escrita. Demarco esses encontros como os melhores momentos de vida. Muitos investiram na construção desses instantes mágicos e deixo aqui minha gratidão a todos – vocês foram e são capazes de reacender o brilho na alma e o sorriso nos meus lábios: Caiam na PAz!

19 de jan. de 2018

Registros de alma

Registros de alma, criado por Wellington de Oliveira Teixeira em 18-01-2018.
Registros de alma *, criado em 18-01-2018.

De almas sinceras a união sincera nada há que impeça:
Amor não é amor se quando encontra obstáculos se altera, ou se vacila ao mínimo temor.
Amor é um marco eterno, dominante, que encara a tempestade com bravura;
É astro que norteia a vela errante, cujo valor se ignora, lá na altura.
Amor não teme o tempo, muito embora seu alfange não poupe a mocidade;
Amor não se transforma de hora em hora, antes se afirma para a eternidade.
Se isso é falso, e que é falso alguém provou, eu não sou poeta, e ninguém nunca amou.

(William Shakespeare — Soneto 116)


Residindo como um núcleo no interior da alma e se manifestando com pleno controle da estrutura física de alguém estão as forças de aproximação intensa: as diversas formas de amor capazes de realizar alguém. Conexões atemporais inerentes e em estado potencial que, circunstancialmente, manifestam-se.

Caracterizam-se pela capacidade de eternizar marcas na alma e no corpo que, continuamente, exigem ser reacendidas. Cada uma capaz de recompor um universo particular cuja ausência não impede o retornar do que foi vivido, se a chama interior brilhar.

A virtualização do outro é sua aquisição como um registro de alma. Torna-se um holograma: gera a sensação de presença e ocupa brechas ou espaços vazios.

Em alguns casos, de tão forte, a manifestação dessa conexão ultrapassa a razão – torna-se um sentido extra que assume uma situação – como as estranhas vivências onde, ao tempo em que se pensa, o contato ocorre no plano físico, via mensagem ou ligação telefônica.

Tenho como um aprendizado de minha vida perceber o irrealizável nos amores verdadeiros: mesmo que ocupem completamente a alma de alguém, o sentido de completude é instável e fluido, vem e vai, preenche e esvazia, sacia e depois torna faminto, novamente. É um encher a taça, saborear até o fim, iluminar-se ao se realizar e, depois, repousar. Mas a sua pausa é como a de uma melodia, que intui a próxima nota e exige a sua execução, provocando, imediatamente, o retorno de sua operação no momento seguinte — a necessidade se torna uma constante.

Não entendo isso como vício, mas como um recurso da natureza para nos impedir a paralisia, o contentamento, a satisfação plena. Como qualquer outra forma de alimentação, seu poder de efetuação é momentâneo. Ainda que reestruture todo o corpo e reacenda a alma, o faz apenas até que ocorra o seu consumo. E o ciclo retorna, infinito enquanto a existência conseguir se perpetuar. Bem… para alguns, essa é a única forma de ligação que não morre: amor se eterniza porque estabeleceu residência na alma.

Wellington de Oliveira Teixeira, em 18 de janeiro de 2018.

* Aventuras e desventuras sempre aguardarão os amantes, não à toa, as artes o empoderaram como sua máxima. Capaz de sacudir qualquer um, alterar o curso da história, esse elemento que se introduz na alma e mantém-se como um registro nela, parte integrante do ser, pode provocar as maiores tolices da vida e, simultaneamente, a sua realização.

14 de jan. de 2018

Sinalização e limites

Sinalizações, criado por Wellington de Oliveira Teixeira em 15-01-2018.
Sinalizações *, criado em

E no instante está o é dele mesmo. Quero captar o meu é. […]
E eis que percebo que quero para mim o substrato vibrante da palavra repetida em canto gregoriano. Estou consciente de que tudo que sei não posso dizer, só sei pintando ou pronunciando, sílabas cegas de sentido. E se tenho aqui que usar-te palavras, elas têm que fazer um sentido quase que só corpóreo, estou em luta com a vibração última. Para te dizer o meu substrato faço uma frase de palavras feitas apenas dos instantes-já.

(Clarice Lispector — Água Viva, p. 7 e 9)


Não sou exceção porque acontece muitas vezes na vida de também desejar uma sinalização mais evidente sobre o melhor caminho a seguir e me deparar com o silencio.

As superfícies estão aí com os seus marcos que mais se parecem com hieróglifos, símbolos de uma escrita a ser decifrada. Às vezes, o corpo tem uma apreensão própria e sinaliza a aproximação ou a repulsa; mas, em muitos outros momentos, encara o impermeável aos seus escrutínios, por mais que se insista.

Tento identificar a minha essência naquilo que estou vivendo e no que me torno. Sou uma escultura em fase de aperfeiçoamento: as ferramentas da vida abrasaram dolorosamente e rasgaram a superfície do meu corpo, mas percebo que estão estabelecendo linhas com mais equilíbrio e beleza na alma.

Esculpir-se exige conseguir estabelecer além de uma razão, um referencial de equilíbrio nos instantes de confusão para suportar cada desafio.

Simultaneamente doloroso, assustador e de uma beleza selvagem: de suas profundezas, a terra jorra magma que refaz e alimenta a sua superfície. Nossa natureza também o exige: é preciso constituir ambientes favoráveis para trazer à tona o melhor e o pior que nos habita. Encará-los com dignidade de quem aceita o que é, mas encontrar os pontos de transição e transformação para efetuá-los.

É preciso humildade para entender que, se a imensidão nos chama, o infinitesimal também. Temos o infinitamente grande guardado no peito, mas ainda expressamos as pequenas tiranias e a mesquinhez da nossa humanidade.

Podemos nos situar limítrofes, avançar numa linha de equilíbrio transitório, investir na ampliação das potências da vida. Mas, se surgir aquele instante mágico quando conseguimos estabelecer uma abertura maior no compasso que delineia os fluxos que nos determinam, uma expansão pode ocorrer e promover um novo território – com as aventuras, prazeres e dores que o desconhecido sempre oferece. É uma renovação, mas num novo patamar: algo que podemos denominar como recomeço.
Wellington de Oliveira Teixeira, em 15 de janeiro de 2018.

* Como um fluxo de água viva e pujante, ao mesmo tempo destrutiva e constitutiva do novo, a vida nos fornece desafios, experimentos capazes de gerar transformação quando assimilados. Disfarçados neles, em um conjunto de sinais, um manual de superação. É preciso encará-los e, a seguir, destilar seus venenos. O resultado é a renovação, um recomeço em outras bases, além de uma reserva em energia pessoal para compreender melhor as próprias necessidades e dar passos ao seu encontro.

12 de jan. de 2018

Onda vingativa

Onda vingativa criado por Wellington de Oliveira Teixeira entre 10 e 12-01-2018.
Onda vingativa *, criado entre 10 e 12-01-2018

A vingança não vai reduzir ou prevenir o mal, porque ele já aconteceu.
(Dalai Lama)


Todos os seres humanos são capazes de atrocidades. Alguns agem por ganância, outros por necessidade, outros quando submetidos a extorções ou chantagens.

Na psiquê humana há camadas de proteção aos choques inevitáveis da realidade. São como cápsulas que envolvem o inenarrável ou insuportável, isolando-o. Fica mantido oculto e ocupa na alma um lugar obscuro, um poço profundo. Isso não define ninguém como medroso ou como psicopata.

É preciso uma estratégia de preparo e de fortalecimento para poder ir abrindo, consecutivamente, as cápsulas e lidar com seu conteúdo – antes que tenham a chance surgir e atuar de forma reptiliana, como um bote –, pois, situações desfavoráveis permitem que se visibilizem como medos, traumas ou transtornos. E quando o grau de acúmulo atinge certo limiar, dependendo do estímulo a que está submetido, qualquer um é capaz de tornar-se perigoso.

Em tempos em que a ganância impõe a ampliação do número de pessoas nas linhas da miséria, a insegurança evidencia-se, e muito, com o uso das capacidades individuais para obter o necessário. E isso inclui atuar contra outros seres incautos, desprotegidos, ou que possam representar as chances que lhe foram retiradas.

Isso é um a lógica, não uma defesa, porque todos são capazes de externar os monstros inomináveis acobertados do olhar alheio, quando atingidos, agredidos diretamente ou o motivo considerado justo para virem à tona. Lide com eles ou sucumba ao seu poder destrutivo, que apenas se inicia com a obstrução das capacidades racionais e, como em tantos casos recentes, gera uma onda vingativa que atinge todos ao redor.

Wellington de Oliveira Teixeira, em 12 de janeiro de 2018.

* Acredito que a responsabilidade por atos e atitudes é algo pessoal. Diante de situações gerais ou inesperadas, é possível entender que há um desafio a se encarar (e até ser grato à situação que permite ampliar suas capacidades pessoais) e investir nessa apropriação potencializadora do ser. Quem age destrutivamente, começa por fazê-lo a si mesmo: um fato. Prefiro ir por outra via porque a minha plenitude o exige: paz de espírito é um bem inalienável.

6 de jan. de 2018

Interseções e intimidade

Intimidade criado por Wellington de Oliveira Teixeira em 05-01-2018.
Intimidade *, criado em 05-01-2018.

Queríamos tanto salvar o outro. Amizade é matéria de salvação.
Mas todos os problemas já tinham sido tocados, todas as possibilidades estudadas. Tínhamos apenas essa coisa que havíamos procurado sedentos até então e enfim encontrado: uma amizade sincera. Único modo, sabíamos, e com que amargor sabíamos, de sair da solidão que um espírito tem no corpo

(Clarice Lispector — Felicidade Clandestina, p.14)

Intimidade é uma sequência de encontros-desencontros que vão sendo superados ou apropriados e promovem um conhecimento ampliado das interseções entre os seres. É possível promover pontos conectados pelo estabelecimento de uma ponte de comunicação interpessoal. Mesmo que linguagens, interesses e objetivos sejam diferenciados, é possível criar formas de aproximação, ainda que temporárias e frágeis, até que possam ter o seu núcleo ativo e estimulado como um ímã.

Nos mundos individuais os acontecimentos são como eventos disparadores de reações específicas, sempre em acordo com o modo de ser ou estar no instante em que acontecem. Em geral ocorrem, com a mesma quantidade e intensidade, situações estressantes, que geram atritos e separações, e aquelas que constituem novas conexões ou restauram a potência das anteriores.

Em qualquer delas, as pequenas rupturas deixam fios soltos, desencapados. Sempre existirão lacunas, marcas, inseguranças e fragilidades, sendo necessário promover encontros que tragam à tona as forças de aproximação e a constituição de novas formas de ligação mais prazerosas e edificantes. Diante das farpas, escolhe-se ir recolhendo-as uma a uma ou se expõe ao disparo de reações exacerbadas, uma vez que são reprises que acumularam resíduos de outras, anteriores.

No geral, os sentimentos que repercutimos são uma certa vibração ou ressonância que, como determinados tipos de música, atraem ou repelem quem é sensibilizado por elas. Constituir intimidades exige, então, para além de ser o que se é de forma plena e expressiva, ter aptidão para se permitir ser afetado pela diferença e ser tocado de uma forma mais profunda.

Wellington de Oliveira Teixeira, em 06 de janeiro de 2018.

* Esgarçar, estirar, rasgar são ações conectadas aos tecidos, inclusive o das relações humanas. Nelas, diariamente, as forças de repulsão entram em embate com as de aproximação. O equilíbrio frágil entre um ser e outro é de uma dimensão muito diáfana, quase transparente. Entender isso, permite decidir evitar as rachaduras e as farpas que destituem seu poder de gerar a intimidade e, com ela, possibilidades maiores de tornar a si tanto quanto ao outro seres mais plenos e felizes.

2 de jan. de 2018

Questões de vida e da vida

Inesperado, criado por Wellington de Oliveira Teixeira em 02-01-2018.
Inesperado *, criado em 02-01-2018.

Eu sou um novato aqui! Estou apenas começando! Sou eu que tenho que aprender com vocês!
— Tenho dúvidas sobre isso, Fernão – disse Sullivan, ao seu lado. – Você tem menos medo de aprender do que qualquer outra gaivota que conheci em dez mil anos.
O Bando ficou em silêncio, e Fernão se mexeu, constrangido.
— Podemos começar com o tempo, se você quiser – disse Chiang –, até que você possa voar para o passado e o futuro. Então, você estará pronto para iniciar o voo mais difícil, mais poderoso, mais divertido de todos. Estará pronto para começar a voar para cima e aprender o significado da bondade e do amor.
(Richard Bach — Fernão Capelo Gaivota, p. 58-59)


Ser surpreendido acontece. Mesmo naqueles períodos em que tudo parecia tranquilo, o inesperado nos visita. E, como tudo o mais que nos afeta, atinge [in]diretamente também aos que estão ao redor.

Aquela cabeça-d'água que alcança os acampantes ou visitantes ribeirinhos e pode levar consigo muita coisa, inclusive vidas. Outro exemplo é o surgimento muito gradual de ondas que, por não ser percebido, se torna repentino e também leva outras tantas coisas.

Não basta ser cauteloso. Imprevistos são exatamente o que a palavra significa, não se pode prever. Porém, como tudo o mais, uma dose de precaução minimiza as consequências.

Para os sobreviventes, com o passar do tempo as marcas irão sumindo. Exatamente como o efeito das ondas sobre a areia: o susto passa, o machucado sara, os objetos são substituídos por novos ou reservas.

As lições são as únicas que permanecem e devem ser assimiladas em sua totalidade. Para isso, é preciso identificar e ir à fundo nas análises de cada detalhe. Há o fato imutável, assim como seus efeitos imediatos. Tudo o mais é uma decisão pessoal de como encará-los e absorvê-los.

Aqui se diferenciam os seres pensantes: tudo é um desafio e nestes não há valoração moral de bem ou de mal, há uma oportunidade imensa de crescimento pessoal. Quando assimilados, mesmo que parcialmente, se tornam parte da bagagem que constitui sua capacidade individual, o fruto de sua luta para fazer dessa vida algo que vale à pena.

Wellington de Oliveira Teixeira, em 02 de janeiro de 2018.

* As experiências vividas neste 1º de janeiro de 2018 ficarão marcadas no corpo e na alma e tornarão mais forte essa vontade de superação. A camiseta que criei e usei na virada do ano dizia: na frete 'trânsito, transitar, transição, transformação' e, nas costas, 'A água do rio só tem duas opções FLUIR ou PARAR, tornar-se mar ou estagnar'. Uma boa lição da vida para a minha vida.