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6 de jun. de 2012

Aquilo que optamos por chamar de maternidade


Olho de Sauron - Senhor dos Anéis


Pra lavar nossas dores desses dias tão pesados.
Mais um pacifista se iguala à policia e ao ladrão,
Um pai de família: pacato cidadão,
Que não nota que o filho
Só ouve e repete
Simplesmente
A palavra
Não.
Pacato Cidadão - Gonzaguinha.



Lá vamos nós (que bom!) mais uma vez.

Um novo ser vai se estabelecendo. Ele está estruturando-se humano, por construir um campo de conexões específicas num mundo rodeado da infinitude de fluxos. Vai desenvolvendo essa superfície de contato com outros seres que estão, possivelmente, mais esquecidos da incorporalidade e mais acostumados ao que poderíamos comparar a uma espécie de casulo que define sua estrutura.

Bem, esse ser vem como consequência de uma opção (que pode não estar clara) de acalmar aquela certa incompletude que o desejo produz, aquela certa necessidade como espécie de perpetuação, aquela realização de um sonho de se desdobrar em outro: daquilo que optamos por chamar maternidade.

Mas preservo-me, alertando para o fato de que, com certeza, ao rotular esse movimento ou estruturação, cuido de não caracterizá-la como algo feminino. Ato contínuo, criação é expansão da alma, é transfigurar as relações etéreas em campos visíveis, é expandir as percepções dos sensíveis, é arte e, portanto, assexuada: algo que é de uma ordem mais espiritual que material - apesar de todo processo biológico envolvido.

É a partir daqui que surge uma questão bastante sensível, que poderia se tornar polêmica, caso seja apresentada sem os devidos cuidados.

Em toda a natureza, a maternidade é um vínculo que se estabelece no sentido de preparar o novo ser para atuar na vida de forma autônoma e independente. Tão comum que, alguns seres, praticamente ao nascer, assumem as suas funções no mundo.

Por alguma questão da ordem da nescessidade, os seres humanos ganharam um tempo relativamente longo de incubação e um período de estruturação das habilidades pós-parto que exigem atenção parental. Seus órgãos continuam seu desenvolvimento e sua estruturação de nível superior exige uma certa proteção do meio ambiente que é exercida por seus pais.

Mas, como muitas das atividades humanas, esse tempo não é pré-estabelecido, ele se constrói na relação. E, justamente aí, ocorre o que poderia ser chamado de desestruturação do processo de preparação para a vida. As funções parentais se prolongam, não por necessidade do novo ser, mas dos seus responsáveis.

Se torna fundamental analisar: Por que não incentivamos nossos filhotes a descobrirem a vida, a fazerem as suas escolhas, a realizarem descobertas, a desenvolverem um olhar próprio sobre a realidade, a lutarem por uma construção de si e de suas estruturas mentais baseada nas apropriações que consigam fazer? Fica, para mim, claro que é um processo necessário ao novo ser.

Que forças de insegurança atravessam nossas relações (pais e filhos) a ponto de tomarmos para nós a responsabilidade pelas direções e concepções de vida desse novo ser?

As tentativas de acesso ao mundo, hoje, são regidas pelo nosso sistema de negação (Não faça isso, menino(a)!). Aquela proteção, que antes era dedicava apenas às questões ligadas a preservação, passou a ser adota para tudo na vida. E, agora, a criança vive um mundo modelado por uma cerca de proteção com proporções absurdas, não tendo acesso à vida, não aprendendo por si, não estruturando seu mundo por meio de suas escolhas.

É de admirar que pessoas biologicamente adultas ainda não ultrapassaram o nível de dependência que deveria ser característico da primeira infância?

Minha preocupação passa pela questão do tipo de educação que (nos) proporcionamos: o aprendizado que a maternidade propõe é, sem dúvidas, aquele relativo a alteridade e às construções das estratégias próprias - aprendemos a superar nossos medos seguindo em frente, experimentando e descobrindo a melhor forma de prosseguir na vida, construindo perante as novas interfaces as nossas próprias formas de defesas e de ataques.

Não podemos apostar na morte, na incapacidade, nos desculpando com motivações exteriores, como se o mundo fosse, atualmente, mais perigoso que no passado. Precisamos nos alertar para o fato de que nós é que vivemos essas inseguranças e lutar para superá-las.

Os novos seres querem e, certamente necessitam, de uma estruturação baseada em uma educação para a vida, para as escolhas, para as vivências e para a apropriação de suas experiências pessoais: para a construção de sua plenitude. Nós, velhos seres, devemos entender o porque de Confúcio dizer que a nossa experiência é um farol que ilumina apenas o que já passou, não deve ser usado para o que virá; que, para esses novos provocadores da vida, precisamos ter um olhar renovado que consiga ver qual novidade ele traz que é capaz de nos levar a um novo patamar como seres.

Somos seres pensantes: isso significa que somos capazes de reavaliar tudo, de refazer em outras bases tudo, de nos transformarmos e, por essa transformação, nos renovarmos na prática e no entendimento. Podemos gerar novos paradigmas.

E, acredito, mais agora do que nunca: é hora de transformarmos as práticas castradoras desta maternidade atual, que não estão aí em função de um novo ser, mas do velho ser que, inseguro de si, se apoia na sua relação com o novo para voltar a sentir o saborzinho da novidade de vida que se perdeu com as velhas práticas da rotina.


Wellington de Oliveira Teixeira, em 16 de maio a 6 de junho de 2012.


* Obrigado Eric Bragança e Ubiracy Figueiredo por me permitirem refletir, na superfície límpida de nossas conversas, meus questionamentos.

** Olho de Sauron (da série Senhor dos Anéis, de J. R. R. Tolkien) é uma espécie de mau olhar, que observa apenas o que é de seu interesse e que é usado apenas para dominar e não para ampliar os horizontes e se libertar.