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26 de mai. de 2014

Cavalgar furacões

Cavalgando furacões, criado por Wellington de Oliveira Teixeira em 26-05-2014
Cavalgando furacões, criado em 26-05-2014.

Ele abriu os céus e desceu; nuvens escuras estavam debaixo dos seus pés.
Montou sobre um querubim e voou; elevou-se sobre as asas do vento.

(Bíblia — 2 Samuel 22: 10-11)

Sopra o Vento!
Voam pelos ares cadeiras, o lixo. Dança a Sacola Plástica.
A bola inalcançável já não faz mais a criança feliz,
Nem o boné aperta os miolos de mais uma Cabeça de Vento.
Ri o Vento pois não há nada mais rebelde do que ele.

(Quando o Vento sorri — C. A. Albani da Silva - 19-09-2012)


Apenas uma sugestão a você que se aventurou por essa leitura: o intrincado jogo de palavras que utilizo aqui não deve ser um elemento paralisador. Ilusões nos dirigem sem controle, mas no mundo tudo é ilusão, a tal ponto que, no pensamento cristão, para superar as limitações todos serão transformados.

Para pontuar o motivo do texto, vou dizer: Vá por mim, a razão não é o melhor instrumento quando você é surpreendido ao ser engolido por um furacão. Uma outra via deve ser ativada, e de forma urgente.

Minha sugestão é que você permita-se adotar as práticas dos inventores, especialmente quando os instrumentos existentes são defasados para uma determinada tarefa. Um modo de entendimento sobre o que eles fazem é exemplificar que quando seus sentidos falham na tentativa de enxergar pelas ondas luminosas (está escuro, há bloqueios) descobrem um meio de usar a detecção de ondas de calor, que permite.

Não é bem uma surpresa, para quem já viu algum filme que utiliza tecnologias avançadas, certo? É um simples processo de usar nível de ondas diferenciadas. Vou me apropriar — nesta prática de escrita-proposição — dessa lógica da viabilidade de trocar o método de percepção. E vou perguntar: Por que acontece o abandono das percepções inimagináveis por uma fixa, se a capacidade de absorção que possuímos ao nascer é virtualmente infinita?

Uma das respostas que me deram foi a inexistência de verdades estabelecidas até que a lei da sobrevivência física toma a dianteira (não há percepção sem uma estrutura que perceba) na forma de uma intricada relação simbiôntica que permite a sobrevivência do todo: um filhinho descobre que sem a mamãe não irá adiante e, com isso, o seu possível torna-se limitado — sem aprender os modos desse ser que lhe dá o suporte, não conseguirá descobrir nem vivenciar suas próprias descobertas.

Dê um pequeno salto e avalie que os seres humanos são frutos de uma adaptação ao planeta mãe. Isso bastaria como apresentação (bem básica) para a inserção de uma alma no mundo, mas não explica o porque de tantos não desenvolverem práticas que permitam retornar àquele desconhecido, optando por permanecer cativos dessa realidade fixa.

Dizem que as almas migram. Se o fazem deveria ser pelo prazer de novas descobertas. Mesmo os que assim acreditam, divergem com relação ao tempo: entre vidas, na própria vida (tipo viagem astral) ou na pós-vida. Será que, adotando-se a eternidade da alma, a questão se resolveria?

Duas vertentes geradoras de modos de pensar-agir me tomaram, a arte e a filosofia. Com filósofos entendi que as pessoas podem usar a alma para ir à fonte primordial do pensamento e, com isso, estruturar ideias dos possíveis existentes por lá. Com artistas entendi que uma obra de arte deve permitir à alma uma subversão das estruturas estabelecidas no mundo das verdades.

Vejo nesse conjunto de pensadores, práticas que são pedagógicas em si. Mas, e cada vez mais, gosto de imaginar que é a transformação pessoal provocada pela experiência estética o motivo para torná-las tão valiosas. Afinal diante de uma arte plena, inexplicavelmente, somos remetidos ao mundo sem fixidez, onde todos os significados vivem na dança das cadeiras, com a pequena distinção de que ninguém é excluído.

No mundo desses seres pensantes, não há determinação de um modo correto de viver, são vários; não há interpretação verdadeira, há modos de apreensão. Só que uma proposição como essa não tem sido o que, em geral, a humanidade deseja ou adota. Ela exige que cada um envolva-se por si e para si mesmo. O desafio, a diferença, a divergência tornam-se o campo de forças sem o qual não somos motivados nem nos deslocamos.

Encará-la exige muita coragem: corre-se um risco sério ao tentar cavalgar furacões. Mas, à rigor, sempre há momentos em que é possível enlouquecer, não importa se você é algum dos que fazem da vida uma busca consciente ou dos que preferem o deixa a vida me levar.

Wellington de Oliveira Teixeira, em 26 de maio de 2014.

* Uma curiosidade para mim, é que quase desisti de colocar o ser alado cavalgando o furacão, na imagem.

24 de mai. de 2014

Vulcanos

Vulcanos, criado por Wellington de Oliveira Teixeira em 24-05-2014.
Vulcanos, criado em 24-05-2014.

Vulcão é um tipo de montanha, uma estrutura geológica.
Sua produção é realizada por magma, gases e partículas quentes quando emergem à superfície.
Para além do magma derramado, sua função é injetar poeira, gases e aerossóis na atmosfera
— sem a dose projetada a transformação da superfície retardaria.
Mesmo que inconscientemente, somos pequenos vulcões nas relações que estabelecemos na terra.

(Wellington de Oliveira Teixeira)


Dói, para si e para quem atinge.

Mas, um vulcão que não expele suas lavas não cumpre sua função porque não basta tê-las aceitado dentro de si: sendo substrato e fruto do mundo inteiro, a ele deve retornar.

O significado da dor que sofreu ou da que causou só aparecerá depois; o entendimento da energia gasta e das consequências, muito tempo depois — talvez depois de estar extinto.

Nossa linearidade impede de entendermos o processo.

É necessário retornar à helicoide, ao cone cuja ponta está na base. Um pequeno furo capaz de transbordar imensos jarros produtores de vida.

Talvez por isso as espinhas nos rostos para corações adolescentes: hora de transformar a casca exterior.

Talvez, repito por não ter outra palavra para expressar, somente assim aprendamos que nesta vida o passageiro é apenas isso. Sua viagem por ele também.

E enquanto não entendermos as interpenetrações das realidades (cada um possui a sua) não alcancemos a beleza desse engendramento.

A terra, a areia, o tijolo, as ferramentas e tudo o mais usado, jamais alcançarão os desígnios do engenheiro. Será preciso ultrapassar o tempo da construção para se apreciar o resultado, ainda porque nenhum de nós teve a chance de olhar a planta original.

Wellington de Oliveira Teixeira, em 24 de maio de 2014.

* Para Diogo de Azevedo Ramos, um filhote de vulcão.

21 de mai. de 2014

Ideia fixa

Ideia fixa, criado por Wellington de Oliveira Teixeira em 20-05-2014.
Ideia fixa, criado em 20-05-2014.

Fixação: seus olhos no retrato, minha assombração, fantasmas no meu quarto.
Fixação,
I want to be alone!
(Fixação - Kid Abelha)


Algumas pessoas não percebem que quanto mais você tenta se livrar de uma ideia, mais ela se fixa e exige a sua atenção. Resta apenas dedicar-lhe o seu tempo.

O problema é quando ela é do tipo muito, muito insistente. Ela vai e volta, sempre nos momentos mais inconvenientes para desviar sua atenção e retirar a objetividade de um raciocínio.

Esse peixe é uma ideia assim: de tão insistente acabou sendo construído com a reprodução de milhares de peixes iguais reduzidos. Algo semelhante à técnica utilizada nas imagens 3D que vinham em livros ou quadros e exigiam um determinado modo de observar para que sua profundidade fosse obtida. Há pouco tempo achei uma imagem nesse padrão e refiz a sensação do campo ampliado de visão.

Apesar de, no caso do peixe dessa imagem — fruto de uma outra imagem que criei —, antes de desistir de mudá-lo, testei várias proposições: isolamento, descamação e fossilização. Mas ele se revitalizava sempre. Chegou o momento onde larguei de mão e admiti que precisava destacá-lo, desfazendo toda a imagem de fundo e tornando-a apenas um suporte.

No fim das contas, justifiquei a ação pelo fato de ser um elemento importante que me acompanha e me dá prazer há muito tempo — talvez desde a adolescência. No fundo, tentei apenas me livrar dele ou do que ele representa para mim nesse momento.

Por fim, construí um certo afastamento e obtive de volta a capacidade de raciocinar, que havia perdido. Não é muito, mas já dá para superar a paralisação e ir adiante: melhor uma ideia flutuante do que uma fixa.

Wellington de Oliveira Teixeira, em 20 de maio de 2014.

* Obsessão, como uma ideia fixa, refere-se às crenças erradas e distorcidas, que, por conta de uma intensa repetição involuntária, tornam-se um transtorno limitador à vida por distorcer a realidade: pensamentos negativos conectado a algo que causam incompletude e culpa. Há sempre a sensação da falta ou de algo mal feito, independente das novas tentativas de finalização.

17 de mai. de 2014

Emoldurando histórias

Emoldurando histórias, criado por Wellington de Oliveira Teixeira em 17-05-2014
Emoldurando histórias, criado em 17-05-2014

Ora, há diversidade de dons, mas o Espírito é o mesmo.
E há diversidade de ministérios, mas o Senhor é o mesmo.
E há diversidade de operações, mas é o mesmo Deus que opera tudo em todos.
Mas a manifestação do Espírito é dada a cada um, para o que for útil.
Porque a um pelo Espírito é dada a palavra da sabedoria; e a outro, pelo mesmo Espírito, a palavra da ciência; e a outro, pelo mesmo Espírito, a fé; e a outro, pelo mesmo Espírito, os dons de curar; e a outro a operação de maravilhas; e a outro a profecia; e a outro o dom de discernir os espíritos; e a outro a variedade de línguas; e a outro a interpretação das línguas.
Mas um só e o mesmo Espírito opera todas estas coisas, repartindo particularmente a cada um como quer.
Porque, assim como o corpo é um, e tem muitos membros, e todos os membros, sendo muitos, são um só corpo, assim é Cristo também.

(Bíblia— I Coríntios 12:4-12)


É tão bom poder registrar fatos da vida e realizar práticas que nos valorizam. Especialmente visando futuras boas recordações ou reacender sentimentos que produzem alegrias, reflexões e nos reafirmam a capacidade de superação.

Não. Isso não é um egoísmo, no sentido comum dado ao termo. É criar pequenos oásis na vida. Produzir estações aonde você pode ir para permitir-se, num breve momento de descanso, refrescar-se e reavaliar a jornada no arenoso cotidiano.

Nesta madrugada, aceitei a sugestão do Zidson Arduim e ouvi a gravação de uma palestra que recapitulava a questão do eu, com base nas práticas passadas (reconheço que eficientes à época), e que desqualificava algumas das teorias que embasam práticas atuais, em especial as que valorizam as capacidades e possibilidades de uma pessoa e incentivam seu desenvolvimento.

Exemplificando com inúmeros livros e projetos que visam auto-ajuda (adorei quando citou que esse auto relacionava-se ao faturamento do autor) questionou muitos destes ensinamentos. Me deterei na questão do espelho e do cultivo de um eu centrado em si mesmo.

De imediato, ponto para ele por ter encarado a questão do egocentrismo, remetendo-a à prática deletéria de glorificação da alegria e o denegrimento da tristeza e seu correlato na juventude contrapondo-se ao medo doentio do envelhecimento: um tudo deve estar maravilhosamente bem e belo para ser bom.

Fiquei, porém, detido a refletir sobre as consequências propostas por ele após a expansão do raciocínio inicial. Sinceramente, me vi tentado a dizer que usou de silogismo (premissa verdadeira, conclusões falsas ou não tão verdadeiras assim — por validarem apenas um determinado percentual do todo).

Questiono seu uso do texto bíblico do minimizar o Eu para que o Cristo sobressaia, uma vez que não foi contraposto aos que sugerem que o Cristo deve ser visto em você ou naqueles que propõem o investimento no crescimento pessoal (físico, emocional e espiritual) para tornar-se valoroso instrumento do Espírito.

É fundamental distinguir a vida centrada em um eu do imagético social (a todo custo, bem sucedido, lindo, sempre novo, feliz e disposto) do eu sustentador de um ser, aquele sem o qual a pessoa desaba, se desidentifica e perde a energia para vivenciar os acontecimentos da vida — tão bem representada pelo que considero ser a maior doença contemporânea: a depressão.

Dito isso, retorno ao que me propus escrever, isto é, produzir ações e pensamentos que me capacitem a encarar não apenas o cotidiano, mas constituírem-se um reservatório para aqueles momentos em que nos esgotamos em função das necessidades nossas e as dos que amamos.

Assumo de antemão que gosto da ideia dos quadros e das fotografias como uma alegoria desse pensamento. Geralmente porque estão associados aos nossos momentos de alegria, quando estamos descontraídos, acompanhados de pessoas que são do nosso agrado ou amadas. Uma pequena olhada e nos proporcionamos momentos de reconforto, sorriso, boas reflexões.

Produzir algo assim liga-se intimamente a uma atitude proativa de construir e vivenciar os momentos e permitir o cultivo de um eu não auto-centrado. Sólido em si, mas amplo o suficiente para entender que na composição com outros se dá uma multiplicação das próprias potências: capacidades que estão diretamente relacionadas à permissão de ser e estar compartilhando um mundo completamente imprevisível, extraordinário e infinito em possibilidades.

Meu ponto de vista defende que não é destruindo o eu, mas o qualificando que alcançaremos a verdade bíblica, pois nos aproximaremos dos parâmetros estabelecidos pelo próprio Cristo: como a si mesmo.

Sugiro que não deixe passar despercebido o fato de que ele estava nos dando a sua maior contribuição: o amor como a única e máxima referência da vida. Ele fez disso um revisionismo de toda a antiga lei — aquela do tirou-perdeu, matou-morreu, olho por olho.

O atributo que inseriu transforma-nos por uma nova perspectiva: a ampliação do entendimento de quanto melhor conseguir ser, quanto mais aprimoramento, quanto mais próximo da perfeição ou do máximo possível, melhor a contribuição realizada para toda a humanidade.

Nada mais do que construir um si mesmo amável, desejada e decididamente expansionista e coletivizador: Um por todos, logo, todos por um.

Wellington de Oliveira Teixeira, em 17 de maio de 2014.

* Dom Juan questiona a vontade de simplesmente fazer desaparecer a angústia da vida e os sentimentos confusos sem nenhum esforço para tal — algo bastante atual e representado pela medicalização da vida.
Se por um lado, Em casos extremos, um drinque permitia a um homem um momento de paz e desapego, um momento para saborear algo que não se repete., por outro, utilizar-se sempre do mesmo artifício, é fugir da realidade:
Você é demais - disse ele. Daqui a pouco vai pedir um remédio de feiticeiros para remover tudo que o aborrece, sem fazer nenhum esforço de sua parte, apenas o esforço de engolir o que lhe for dado. Quanto pior o gosto, melhor o resultado. Esse é o lema do homem ocidental. Você quer resultado, um poção e você está curado.
(Carlos Castaneda — O Lado ativo do infinito, p.126-127).

14 de mai. de 2014

Tubulações em máquinas desejantes

Tubulações, criado por Wellington de Oliveira Teixeira em 14-05-2014.
Tubulações, criado em 14-05-2014.

Capítulo 1: As máquinas desejantes
Em toda a parte são máquinas, de maneira alguma metaforicamente;
máquinas de máquinas com seus acoplamentos, suas conexões.
Uma máquina órgão é ligada em uma máquina fonte:
uma emite o fluxo e a outra corta.
O seio é uma máquina que produz leite,
e a boca, uma máquina acoplada nela. […]
Em toda a parte, máquinas produtoras ou desejantes,
as máquinas esquizofrênicas, toda a vida genérica:
eu e não-eu, exterior e interior não querem dizer mais nada.

(O anti-Édipo: capitalismo e esquizofrenia — Gilles Deleuze e Félix Guattari*)


Não é preciso muita imaginação para se perceber que o corpo humano é um emaranhado de tubos. Tubulação passível de macro e micro observações nesta máquina desejante que é incrivelmente complexa em cada um dos seus mínimos detalhes. Mas, nada basta em si próprio, o desejo acontece nele e o faz ser o que ele é — ou não.

Funcionalmente falando, esses tubos transportam energia, lubrificação, sustentação e, alguns muito especializados, informação. Cada um, quando novo, precisa de cuidado no manuseio e utilização. Não exigir a utilização de sua capacidade ou tensionamento máximos, até que estejam preparados para isso, é o melhor modo de se evitar que rompam. Porém, mesmo com o uso cuidadoso, há o desgaste natural que ultrapassar a inércia impõe.

Porém, essa máquina vem com peças de reposição, os famosos sobressalentes, que vão substituindo as desgastadas com o passar do tempo. Um processo automatizado e muito bem coordenado de troca e eliminação dos resíduos indesejados.

Quanto ao arsenal de tubulações de um ser humano, eles entopem, perdem elasticidade, a pressão e a força, fazendo com que a qualidade com que desempenhavam suas funções se reduza. Mas criamos tecnologias para prolongar a vida útil de tais equipamentos. Pesquisamos composições que, quando reunidas com o combustível que abastece o corpo, tornam o processo de desgaste muito menor: limpeza, lubrificação, aditivos que estimulam um desempenho melhor. No entanto, mesmo com as tecnologias cirúrgicas e os novos produtos com base em nanotecnologias, isso ainda tem um limite — e é preciso respeitá-lo.

Mesmo em uma cultura de supervalorização das novidades, as antigas máquinas possuem funcionalidades, algumas das vezes, exclusivas. O filme Sete Vidas** nos apresenta o uso de prensas que imprimem cartões exclusivos ou gravuras. Grandemente valorizadas pela dificuldade extrema de se conseguir o mesmo efeito digitalmente. Exclusividade e raridade lhes promovem a importância.

De certa forma, no fim das contas, cada peça da máquina consegue se estabelecer e permanecer em função daquilo que produz: as efetivas permanecem, as ineficientes são substituídas.

Por menor que tenha sido o seu tempo útil, cada contribuição, sem exceção, permite que todas deixem o seu legado: um funcionamento que podemos chamar de vida.

Wellington de Oliveira Teixeira, em 14 de maio de 2014.

* Bruno Cava, em sua resenha de O anti-Édipo: capitalismo e esquizofrenia diz:
Toda a realidade se cria no desejo e pelo desejo, num movimento para dentro e para fora, que se diferencia inclusive em si mesmo, uma vastidão intensiva. Por sermos tocados pelo desejo, sempre há algo em nós que nos convoca para além do que somos. O desejo nos chama de um nome estranho e nós respondemos — outros.
[…]Por isso, nenhuma pessoa, nenhuma coisa, nada basta em si próprio. Sempre se pode ativar um excedente, uma carga delirante que desborda e embaralha.
Aqui, nenhum vitalismo à vista: tem desejo de vida e tem desejo de morte. Do contrário, as pessoas nunca se suicidariam.


** Sete Vida é um filme de 2008, onde o protagonista sofre depressão por se julgar culpado de um acidente que causa a morte de sete pessoas. Tentando se redimir decide salvar o mesmo número de pessoas mortas no acidente, doando partes de seu corpo.

11 de mai. de 2014

O cérebro e o arbítrio

Arbítrio, criado por Wellington de Oliveira Teixeira, em 09-05-2014
Arbítrio, criado em 09-05-2014.

Precisamos ensinar à próxima geração de crianças,
a partir do primeiro dia, que eles são responsáveis por suas vidas.
A maior dádiva da espécie humana, e também sua maior desgraça,
é que nós temos livre arbítrio.
Podemos fazer nossas escolhas baseadas no amor ou no medo.

(Elizabeth Kubler-Ross)


Um cérebro é um mecanismo tão incrível que não nos damos conta de sua fragilidade. Isto é, até que ocorra uma mínima falha em seu funcionamento.

Tudo o que conhecemos, aprendemos, observamos e vivenciamos se constroem ou se estruturam nele e sem ele não há qualquer pequeno prazer que nos permita o acesso à felicidade.

Nascemos e passamos a usar o olfato, o tato, a audição, o paladar e a visão para nos referenciarmos no mundo. E, ao adicionar registros para o maior banco de dados que se conhece, ele se constitui como o centro de nossas vivências. Sua rede neuronal vai se ativando e se interligando — uma multiplicação espetacular das experiências — até que passamos ter uma visão mental multidimensional da vida.

Quanto mais nos permitimos ampliar o campo sensóriomotor, mais ele consegue fracionar e relacionar os estímulos e a construir o que chamamos de totalidade de uma percepção.

Ao tentar descrever todas as suas capacidades, percebe-se que é preciso uma linguagem que não descreva impulsos elétricos apenas, mas uma poética interposição do conglomerado de estímulos que somos capazes de receber e de absorver: a beleza dos detalhes de uma experiência de vida.

Essa rede tão intricada é o que nos possibilita alcançar o cerne do mundo. E, ao concatenar as dimensões do possível e do imaginável, estabelecemos aquilo que podemos denominar de os olhos da alma. É aqui que testemunhamos o surgimento de um ser humano e suas distinções em relação a todos os outros.

E a linda mítica poética religiosa, que o denomina como o ser especial, estabelece o maior dos dons divinos para a criação: o arbítrio.

Wellington de Oliveira Teixeira, em 11 de maio de 2014.

* Idealmente, o arbítrio deve ser entendido como o poder ou faculdade de decidir, de escolher, de determinar e de estabelecer juízo com base exclusiva na vontade.

8 de mai. de 2014

O necessário para refazer as suas forças

Turbulências, criado por Wellington de Oliveira Teixeira em 08-05-2014.
Turbulências, criado em 08-05-2014.

Senhor, dai-me a serenidade para aceitar o que não pode ser mudado;
a coragem para mudar o que pode ser mudado;
e a sabedoria para distinguir uma coisa da outra.

Reinhold Niebuhr


Turbulência é algo tão complicado quanto os seus sinônimos: agitação, alvoroço, desordem, inquietação, motim, perturbação, abalo, comoção, conflito, conturbação, desassossego, ebulição, efervescência, estremecimento (a lista é imensa!). Permitir-se um momento de recolhimento é uma tentativa de facilitar lidar com as consequências do que ela provoca na vida.

Há alguns movimentos da natureza que me referenciam o entendimento a respeito de como afetam o dia a dia — meu e de outros caminhantes da estrada da vida. Dentre eles, dois eu considero muito assustadores. São o vulcão em atividade e os tornados, pois destroem a superfície existente ao seu redor e promovem a mudança. Digo que são agentes de transformações radicais.

À distância, é lindo ver a erupção de um vulcão submerso. Documentários a respeito retratam sua atividade modificadora e seus efeitos que alcançam até a prática de surf nas praias, dependendo da profundidade. Tornados na superfície da terra, também. Sempre deixam um rastro que atesta a sua passagem.

Eu construo a minha reflexão com um aprendizado anterior: a água ultrapassa as questões pois aprendeu a ser fluida e a se transformar. Outros elementos são simplesmente destroçados.

Várias questões encaradas diariamente são capazes de transformar uma vivência, remexendo com sentimentos e pensamentos. Dificultam mais quando não há uma ação possível que esteja ao alcance para modificá-las.

Inatividade não é opção ou uma solução. Mas refletir, meditar pode ser. Se não para mudar a questão, para alterar o modo de encará-la ou de ser afetado por ela. E isso não é apenas jogo de palavras.

Quando alguém decide se definir como aprendiz da vida, imediatamente aceita o fato de que nem sempre dará conta de todas as questões. Independente do esforço dispendido para o aprendizado, algum dia surgirá uma questão na prova e ficará confundido ou incapaz momentaneamente de resolver.

Adotar esse posicionamento pode promover um pouco de paz na tormenta, nas revoluções que atingem diretamente a alma e gerar a calma necessária para ir aprendendo e superando, aos poucos.

Há uma reflexão, em forma de oração, atribuída erroneamente ao Francisco de Assis, que tem sido de grande auxílio em situações extremadas ao incentivar ousadia para mudar o que posso, tranquilidade para o que não posso e buscar a capacidade para realizar a distinção.

Sim, porque a vida segue, mesmo quando não estão solucionadas as questões. Mas você se permitiu a abertura necessária para acolher um pouco serenidade e paz: o necessário para refazer as suas forças.

Wellington de Oliveira Teixeira, em 08 de maio de 2014.

Furacão (também chamado de ciclone ou tufão): ocorre em mares de águas muito quentes (acima de 27°C) e refere-se à mais forte tempestade da natureza, com até 1.000m de diâmetro e ventos a partir de 120km/h. Em seu centro ou 'olho' (de até 16km de diâmetro) é bem calmo, porém o turbilhão ao seu redor há ventos de mais de 300km/h.
Tornado: tormenta violentíssima que ocorre em qualquer lugar, cuja duração é de até três minutos. Sua base ou 'funil' tem poucos metros de diâmetro e ventos de até 800km/h, e arrasa tudo no seu caminho.

7 de mai. de 2014

A ampulheta do fim

ampulheta do fim, criado por Wellington de Oliveira Teixeira em 07-05-2014
Ampulheta do fim, criado em 07-05-2014.

Recentemente, gastamos milhões de dólares mandando médicos para a África
com a missão de distribuir preservativos gratuitos e instruir as pessoas sobre métodos anticoncepcionais.
E um exército maior ainda de missionários católicos foi para lá em seguida dizer aos africanos que,
se eles usassem os tais preservativos, iriam todos para o inferno.
A África tem agora um novo problema ambiental: lixões transbordando de preservativos não utilizados.

(Dan Brown - Inferno, p.102)

Cerca de 42 milhões de pessoas são portadoras do vírus HIV no mundo todo.
Mais de dois terços delas vive na África, ao sul do Saara.
Nos países mais atingidos, um em cada três adultos tem o vírus.

(BBC Brasil)*


A ampulheta do mundo continua a liberar seus grãos e nós a trilhar a estrada da destruição em massa. Mas, não somos semelhantes aos que nos antecederam. Ao contrário daqueles poucos que viveram antes de nós, nossa contribuição é enormemente maior: somos bilhões que se reproduzem em escala geométrica.

É evidente que um dia, a terra irá sacudir, eliminar esses seres tão incômodos — isso se não a destruirmos junto. Em qualquer dos livros considerados sagrados ou tradições espirituais isso é o ponto final, ou para a civilização cristã-ocidental, o apocalipse.

Hoje, é a ciência que produzimos ao custo de tantas mortes de seres pensantes quem nos alerta, sinalizando já há algum tempo, a tolice que é esse procedimento.

Mas, definitivamente, somos seres individualistas, egoístas. Argumenta-se que por conta de uma evolução em que mais fortes, os que se alimentam melhor, os que matam mais sobrevivem. Não sei. Para mim, há um mal produzido historicamente: a necessidade de se obter mais e mais, a despeito de outros — tantos outros — que ficarão sem nada. Resumindo, consumismo. O fruto não apenas de um sistema econômico (capitalismos, socialismos, comunismos), uma vez que o erro é sistemático: ganância.

Algumas pessoas até esqueceram, após a queda do muro de Berlim, que o arsenal que a terra possui tem a capacidade de destruí-la várias vezes. O desejo de controlar outros povos, de dominar populações não usa mais arco e flexa, ou rifles automáticos. É a famosa escalada do mal: se alguém tem um canhão eu construo uma bomba, crio vírus geneticamente manipulado, utilizo a nanotecnologia da morte. Insanidade.

Mas, como acontece com indivíduos, tomara que o destino da Terra possa ser trocado. Mesmo não havendo mais como corrigir, pelo menos minimizar o estrago.

Não há como isso acontecer por decisão de alguns, assim como não se produz comportamentos apenas baixando leis (elas são subornáveis em benefício de poderosos e abastados). Tem que ser um processo de coletivização da questão. Tem que ser uma decisão interna de contribuir para a melhoria, uma metanoia — a mudança na mente que altera o rumo e as práticas de vida — propagada.

Os movimentos coletivizadores como o Greenpeace, dentre outros, tentam nos sensibilizar. Mas parece que fazemo-nos de surdos, queremos aquele famoso cada um no seu quadrado (uma das maiores imbecilidades já inventadas!) que ignora o fato de que ventos, mares, forças da natureza não são privativas de ninguém. Elas se manifestarão em qualquer lugar, mesmo que geradas há milhas e milhas distantes: alterações climáticas com desertificação ou inundações, destruição da calota polar e falta d'água, poluição e envenenamento das terras cultiváveis, propagação global de novas doenças de um modo incontrolável.

Dan Brown em seu livro Inferno traz um tema à tona: a superpopulação. Propagação do pessimismo? Não. Um tentar até o fim facilitar a conscientização.

Será que conseguiremos em tempo?

Wellington de Oliveira Teixeira, em 07 de maio de 2014.

* O problema não é exclusividade africana. Com 14 mil novos casos globais por dia, cresce o risco de a doença também ganhar força na Ásia.
http://www.bbc.co.uk/portuguese/especial/1341_aids_no_mundo/

6 de mai. de 2014

É preciso aprender a sofrer

Aprendendo a sofrer, criado por Wellington de Oliveira Teixeira em 06-05-2014.
Aprendendo a sofrer, criado em 06-05-2014.

O sofrimento proporciona-nos a melhor protecção para a sobrevivência,
uma vez que aumenta a probabilidade de darmos atenção aos sinais de dor
e agirmos no sentido de evitar a sua origem ou corrigir as suas consequências.

António Damásio — neurocientista.


Dor física ou moral, padecimento, amargura, desgraça, desastre, agrura, desconsolação, desgosto, mágoa e pesar. Não importa seus sinônimos, o sofrimento é algo que atinge a todos. É preciso aprender a sofrer.

Engraçado dizer isso. Sempre que eu uso essa expressão, logo me contradigo dizendo 'Engraçado não, interessante!'. Tem certas coisas que, por mais que a gente queira, repete e não abre mão porque fazem parte de nossa alma. Inclusive o modo de sofrer. Cada um tem o seu, e não é preciso muito esforço para encontrar suficientes elementos da psicologia para afirmar tal fato.

Tendemos a repetir algo que funcionou, de alguma maneira, em uma determinada oportunidade. Pela crença de que irá funcionar sempre ou como uma estratégia de começar tentando por aquilo que já foi eficaz — tipo um determinado remédio que seu corpo se adapta melhor.

Podemos comparar com a fé de que após a noite o dia chegará. Bem, até é muito provável que a terra complete seu ciclo, assim como o fato de estar vivo para apreciar tal acontecimento. Mas isso não é uma certeza absoluta.

Algumas tendências de pensamento afirmam que diante da ausência de algum elemento básico à sobrevivência criamos um reflexo conceitual e passamos a vivenciá-lo: é o entendimento ou surgimento da perda ou da falta. Há correntes na psicologia que definem esse processo como fundamental para a formação de um ser humano.

Dependendo do estado de espírito circunstancial, o efeito pode ser algo simples e superável rapidamente ou — me confirmem os que lidam com tendências depressivas — pode causar um estrago emocional desproporcional.

O que surpreende é a maneira como lidamos com aquilo que nos causa dor: calados, resmungando, chorando, gritando, e por aí vai o leque de opções que caracterizam cada um.

Apesar de, na maioria das vezes, não termos a chance de evitá-la, podemos encarar a dor por meio de um filtro racional: ela é parte da vida, é um elemento necessário ou formador de nós mesmos. E para nos ajudar, citar um exemplo simples como as injeções em momentos de doença.

Não tão simples, são as dores ligadas aos problemas de relacionamento — especialmente os de longa duração. Farta literatura romântica ilustra casos de que alguém tornou-se uma parte de si e seu afastamento é imediatamente sentido como sofrimento. Casos de separação, divórcio ou morte são exemplares. Esse último, que produz separação definitiva, exige uma nova forma de lidar, uma vez que cada ser humano e suas relações conosco são muito diferenciadas.

Quaisquer filtros que apliquemos ficam aquém do que o luto produz. Por isso, há apenas uma forma de reagir: aprender a sofrer.

Wellington de Oliveira Teixeira, em 06 de maio de 2014.

* Filtros são entendidos aqui como elementos que protegem ao mudar a configuração do que se percebe, assim como óculos escuros em ambiente ensolarado.

2 de mai. de 2014

A mensagem do pombo correio

Pombo correio, criado por Wellington de Oliveira Teixeira em 02-05-2014
Pombo correio, criado em 02-05-2014.

Solte-me para que eu possa voar por terras longínquas
onde há campos, árvores e montanhas verdejantes; flores, fontes e florestas:
um lar além do horizonte.
Pombo correio a voar além dos sonhos há muito esquecidos.

(tradução livre do trecho de Skyline Pigeon - Elton John*)


Uma vez citei a forma como as pessoas assimilam músicas que tocam a sua alma transferindo-as para as suas relações pessoais, referindo-me a um costume entre pares de namorados. Não me ocorreu, na época, um outro uso. Um que me foi revelado apenas hoje, por conta de um depoimento feito por um sobrinho para seu tio que havia falecido.

Meu filhote Claudinho narrou o momento quando Paulo Roberto o ensinou a primeira música em inglês que havia aprendido, com isso, reproduzindo nele a mesma experiência - já que foi, também, a sua primeira.

A música é um fio condutor do espírito, produz um nível de sensibilidade cujo espectro ultrapassa palavras. Porém, o que me sensibilizou tanto não é o fato de que a experiência tenha se reproduzido ou que seja a primeira. É a disponibilidade em uma relação familiar para partilhar vivências e abrir portas novas, ocorrendo entre um tio e um sobrinho.

O convívio com os meu sobrinhos é uma das coisas na vida que mais me dão prazer. Para nós, brincar, discutir, analisar faz parte de todos os nossos movimentos juntos. Sempre um movimento aberto para a franqueza e compartilhamento dos fluxos de alma.

No caso do Claudio, a recordação acontece após cerca de 40 anos daquele movimento conjunto e, na narrativa do meu amigo, tornou-se aquela que retornou, no momento da morte do tio.

A letra da música, certamente, tinha correlação com o momento. No entanto, não creio que apenas isso bastaria - há tantas outras que falam do mesmo tema -, uma marca assim se aprofunda e só ganha sentido com a maturidade, com o entendimento de que os momentos são fugidios, evaporam facilmente. E aqueles momentos que não trazem algo para o nosso caminho se perdem pela estrada.

Desejei retratar a mensagem da música com um quadro com traços claros e fundo bem definido: um pombo voando pela linha do horizonte. E foi o que eu fiz. Isto é, até que reli o depoimento de despedida. Na dureza de um sentimento de perda, a dor muitas vezes se escamoteia em palavras exatas, traduções rígidas e, com isso, perdemos a aura poética, espiritual e emocional que sempre ronda a questão vida e (vida-pós) morte.

Voltei ao projeto e o refiz utilizando de aquarelas e movimentos sinuosos - como são os nossos caminhos de vida, como são os nossos pensamentos em momentos como esse, como entendi ser o intento dele ao utilizar de um instrumento de expressão de si para os familiares (muito além do de para si mesmo). Escolhi, para manter o mesmo grau de inferência, refazer a tradução feita por ele da música. E os correlacionei. Desejei reafirmar o seu entendimento de que hoje é o dia em que ele [o tio] pode estender suas asas e voar novamente.

E o que era para ser apenas uma postagem na rede social, generalizou-se, tornou-se um motivo de questionamento e, por isso, um texto do Ser Pensante. Explico. É aqui que eu penso o mundo que meu mundo produz, sob a única e exclusiva ótica que eu tenho: eu mesmo.

Mas saliento (e digo isso com toda a clareza, pois meu filhote sabe) porque ele sempre é parte do meu mundo: simplesmente doeu em mim, também.

Wellington de Oliveira Teixeira, em 01-02 de maio de 2014.

* Os trechos da música utilizados aqui são:
Turn me loose from your hands Let me fly to distant lands
Over green fields, trees and mountains, Flowers and forest fountains
Home along the lanes of the skyway

For just a Skyline Pigeon Dreaming of the open
Waiting for the day He can spread his wings And fly away again

Fly away, skyline pigeon, fly
Towards the dreams You've left so very far behind.


a música encontra-se disponível em: http://letras.mus.br/elton-john/64492/