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30 de set. de 2017

Iconoclastia para reapropriar-se

Iconoclastia criado por Wellington de Oliveira Teixeira em 29-09-2017.
Iconoclastia , criado em 29-09-2017.

E o que significa quando, na versão de outra pessoa, eu sou o vilão? Conheço até bem demais as histórias ruins — mal imaginadas ou mal contadas — porque as escuto muitas vezes dos pacientes. Conheço as manobras dos que põem a culpa nos outros, dos que não conseguem enxergar que eles mesmo, e não os outros, constituem o ponto comum em todos os seus relacionamentos ruins. Existem tiques característicos que revelam a falsidade essencial de tais narrativas.
(Teju Cole — Cidade aberta)

O novo iconoclasta deve ser aquele que se utiliza de rigor de crítica para contrapor crenças estabelecidas ou qualquer tradição que seja invocada por si mesma, apenas. Ele denuncia a hipocrisia social e a aceitação passiva que compactuam com a degradação alheia *. Sabe, com absoluta certeza, que isso vai lhe produzir isolamentos. E quando ocorre, recorre ao entendimento de que é só, em si mesmo, mas que tem a potência de estabelecer conexões e composições com forças de mesma direção e, com isso, estar acompanhado em seus projetos.

Iconoclastia é o processo de desconstrução de ícones, mitos, [in]verdades, subjugo cultural. Mas prefiro adotar a ideia de que também é intentar para refazer a própria imagem no espelho em acordo com o que se é. Narrar a sua história e torná-la própria. Reinventar-se.

A antiga associação com a destruição física não é mais necessária. Ela se efetua com a mudança da mentalidade, do entendimento, com a criação de uma nova percepção não atrelada aos preceitos e preconceitos estabelecidos e entronizados no altar do dito cidadão de bem e guardião da moral e dos bons costumes.

A estratégia para encontrar-se consigo mesmo é encarar suas mazelas pessoais, seus ridículos, suas inconstâncias e incoerências, sem medo: elas existem. Mesmo vencendo estas, outras existirão. Evite retornar às mesmas. Descubra seu modo de desestruturar as forças de dominação que apodrecem a veracidade da sua alma. Conforme for conseguindo, mesmo que parcialmente, busque cuidadosamente identificar e retirar, do que sobra, as capacidades e forças que foram destituídas de suas potências iniciais. Faça um resgate delas.

Entenda isso como abandonar o papel de coadjuvante na vida. O conceito é tão antigo quanto não aplicado, não exercido, ou mesmo ignorado: na linha de produção de verdades intocáveis ocorre o massacre de qualquer semente de renovação. Trazemos histórias, toda a história do universo está dentro de nós, mas nenhuma é única até que alguém abra a sua própria trilha, siga seu caminho e constitua a sua jornada: ouse se reapropriar de si mesmo.

Wellington de Oliveira Teixeira, em 29 de setembro.

Queria muito que você estivesse aqui

Você se crê capaz de distinguir o paraíso do inferno, céus azuis da dor; distinguir um campo esverdeado de um trilho de aço gelado, um sorriso de uma máscara. Acha mesmo que consegue distinguir?
Fizeram você trocar os seus heróis por fantasmas, as árvores por cinzas quentes, uma briza fresca por um ar quente, mudanças por um conforto indiferente? Você trocou um papel principal em uma cela por um de figurante na guerra?
Eu queria muito, queria muito você aqui. Somos apenas duas almas perdidas, nadando num aquário, ano após ano, correndo sobre o mesmo e velho solo. E o que encontramos? As mesmas e antigas inseguranças.
Queria muito que você estivesse aqui.
(Pink Floyd — Wish you were here, trad. livre)

28 de set. de 2017

Adoro a dúvida

Dúvida, criado por Wellington de Oliveira Teixeira em 28-09-2017.
Dúvida *, criado em 28-09-2017.

A produção de valores precisa de condições favoráveis, do contrário, resulta em seres replicantes. Cópias sociais, como clones genéticos. Há os que louvam essa forma de ser: o Ser tornou impeditivo o ser autêntico.
(Wellington de Oliveira Teixeira — Quando a abstração tornou-se abominável)


Toda certeza é imprescindível e, ao mesmo tempo, instantânea – gera uma ruptura com o entendimento anterior e constitui uma nova compreensão. O problema em se adotar padrões imutáveis é que o imobilismo, a paralisia, a repetição terminam por deteriorar qualquer sistema.

Camuflado nos fundamentalismos, há controle, verdades e subjugo absolutos que beneficiam exclusivamente os seus incitadores. Períodos da história em que isso se verificou, houve mazelas e degradação nos seres humanos. Mas as pessoas o acataram e, como hoje, o admitiram pelo gosto do empoderamento.

Capitães do mato nada mais eram que escravos despersonalizados, que cauterizaram suas almas em função de obter algum poder sobre seus semelhantes: à época do período áureo da escravatura, já existiam sádicos e sociopatas, dentre outros (destaque para os cidadãos de bem, ditos sãos) que incentivaram a situação para dar vazão ao caldeirão de ódios ou desejos inconfessos e reprimidos.

O paralelo com a atualidade é fácil de fazer. Mas, ao se identificar o uso de um novo mecanismo estimulador mental como a midiotização, a situação torna-se muito mais crítica: ódios aflorando, práticas nefastas se estabelecendo, polarização indiscriminada e acrítica, todos os ingredientes necessários para obscurecer a razão. Não à toa, sugere a um observador atento um retorno à Idade das trevas.

A mente controlada esquece que, assim que se estabelecer o jugo, este recairá não apenas naqueles que foram designados como objetos do repúdio. As liberdades de todos ficam incontornavelmente restringidas. E, quando todos estão dominados, o corpo e a alma coletiva padecem, a sociedade adoece. Muitas das vezes, um arrependimento inócuo surge, mas o silenciamento envergonhado em nada altera a realidade, é puro ressentimento.

Só dando voz às dúvidas, permitindo que se efetuem socialmente, um novo processo tem a chance de se iniciar: o de ultrapassamento. É um movimento que afirma que algo que foi considerado essencial e agora se tornou um empecilho para o desenvolvimento — hora de descartá-lo ou substituí-lo, construir e constituir algo diferente.

A dúvida é o motriz da existência plena: não admite estagnação, anseia o próximo desafio e sua superação. Ela se estabelece e, de repente, neste 'foi de um jeito, agora está assim, mas pode mudar e, possivelmente, para melhor' um novo patamar e uma nova verdade surgem. Eu adoro a dúvida! Tem seus perigos (a vida é perigosa, em si), mas qualquer dúvida é melhor que uma certeza enrijecida.

Wellington de Oliveira Teixeira, em 28 de setembro de 2017.

* A trilogia Retorno à caverna, Primórdios atualizados e Adoro a dúvida (texto e imagens) apresenta uma avaliação crítica ao momento em que vive o Brasil, a partir do Golpe que reuniu Poder financeiro, Legislativo, Executivo e Judiciário (comprovado com áudios e vídeos) sob a batuta do poderio hegemônico na comunicação da Rede Esgoto de TV.
Como item central e essencial à condução processo, a midiotização (a produção de fundamentalismo acrítico) é a maior e melhor arma já utilizada no país para estabelecimento de controle de comportamentos.
Esses textos não pretendem o academicismo, ao contrário, desejam a provocação, a náusea, a indisposição contra a displicente paralisia que se estabeleceu. Um incentivo à iconoclastia em função dos absolutismos e dos preconceitos de qualquer espécie que estabelecem sorrateira ou descaradamente discriminações e exclusões sociais.

24 de set. de 2017

Primórdios atualizados

Primórdios, criado por Wellington de Oliveira Teixeira em 23-09-2017.
Primórdios, criado em 23-09-2017.

O Representante permanente do Brasil nas Nações Unidas também rebateu as acusações de genocídio dos índios da Amazônia: "… houve ausência de malícia especial e da motivação necessárias para caracterizar a ocorrência como genocídio*. Os crimes em questão foram cometidos por razões exclusivamente econômicas, e os perpetradores agiram unicamente para tomar posse das terras de suas vítimas."
(Jared Diamond — O terceiro chipanzé - a evolução e o futuro do ser humano, p.311)


Com a modificação das formas de dominação (de militares para culturais), a assimilação de valores estrageiros foi retirando as características locais, tornando-se o maior e mais poderoso e efetivo poder da atualidade: o subjugo voluntário por parte dos indivíduos.

Quando as cavernas eram o lar, o local de socialização, o referencial mais bem desenvolvido de segurança coletiva, humanos constituíram os primórdios dos agrupamentos sociais. Agentes específicos conservavam e protegiam os bens, enquanto outros obtinham os alimentos. Em busca de melhores condições de vida, caminhava-se continuamente, reservando o período quando a natureza mostrava seu lado mais poderoso e amedrontador para guardar o que já havia sido conquistado e se resguardar.

Na história humana força bruta e gestos protetores e acolhedores produziram questionamentos e modificação contínua nos comportamentos. Em alguns locais foi possível utilizar os conhecimentos adquiridos com o plantio para melhorar a alimentação e a saúde de todos e, neles, a socialização evoluiu. Várias espécies animais foram se achegando, gerando uma nova forma de convívio com aproveitamento mútuo.

O estabelecimento de trocas benéficas para todos permitiu a expansão dessa forma de reunir seres vivos, consolidando alianças entre agrupamentos de diversas localidades. Do surgimento das pequenas aldeias, vilas e cidadelas, encaminhou-se para a formação dos conglomerados, facilitando o desenvolvimento das artes e a transmissão e ampliação do conhecimento prático e teórico: os elementos culturais específicos se definiam e eram transmitidos ao redor.

Na contramão do colaboracionismo, a vontade de apropriação do alheio e uma gama imensa de forças inferiores foram manifestas em intervenções destrutivas. O enfraquecimento dos laços que uniam comunidades distintas, a produção intencional de escassez, a cooptação das vontades políticas de elementos estratégicos: os métodos padrão de atuação para os imperialistas se ampliaram.

Em diversos locais, o uso do poderio bélico-militar foi direto, mas as intervenções por espionagem evidenciaram-se prática mais efetiva: suborno de autoridades públicas e privadas estabeleceu traições, golpes internos e caos instalado, antes da chegada dos usurpadores. No seu rastro, bens locais, a língua e tudo mais que expressava a cultura e os modos de existir e ser de diversos agrupamentos foram extintos ou quase.

Na atualidade, a criação de grupos de manipulação da informação, construídos e mantidos por interesses financeiros, visibiliza essa força de modelação de pensamento. Nessa via de atuação, o lobby e a prática da corrupção constitui a geopolítica ativa e usurpadora dos bens das nações: a entrega dos tesouros estratégicos (extrativismo vegetal, mineral e a principal riqueza atual, a genética da biodiversidade) é aceito passivamente e não questionado.

Ao tempo em que a opinião pública admitiu a servidão como algo aceitável, a depender apenas de em que país, efetivou-se localmente o subjugo sobre a dignidade pessoal (o genocídio indígena e campesino, o uso da mão-de-obra infantil e do trabalho escravo, por exemplo).

Só que algumas questões específicas e locais de resistência ganharam mundo. Denunciados por novos instrumentos disseminados pela internet, a tentativa de aculturação hegemônica teve que remodelar-se. Mas cada técnica aprimorada vai se tornando conhecida e contra medidas são adotadas: a luta por independência vai se tornando objetivo coletivo de muitos povos. Isso confirma que nenhuma força de dominação se exerce sem reações contrárias.

Aos sujeitos que resistem ativamente às apropriações será necessário alavancar conceitos e práticas que se insurjam contra os assujeitamentos, as dominações, os convencimentos da massificação. Desconstruir, em suas bases, os preceitos fundamentalistas e seus poderosos controles de mentes e corpos, via midiotização, é essencial.

Essa perspectiva sinaliza possibilidades de um avanço por vontades, por capacidades, por tudo aquilo que investe na mobilidade ao invés da paralisia. É preciso identificar e investir, de forma coletiva, em aquilo que propiciará mudanças efetivas, que resgatará o uso do que é participativo, colaborativo e minimizador das discrepâncias sociais (especialmente as desigualdades financeiras). Acima de tudo, é preciso repetir incessantemente e fortalecer a ideia de que desistir não está na pauta do dia, muito menos assujeitar-se.

Wellington de Oliveira Teixeira, em 23-24 de setembro de 2017.

* A fonte utilizada por Diamond para comentar o extermínio dos índios brasileiros foi Victms of the Miracle, de Sheldon Davis, Cambridge University Press, 1977.

21 de set. de 2017

Retorno à caverna

Caverna, criado por Wellington de Oliveira Teixeira em 16-09-2017.
Caverna, criado em 16-09-2017.

Talvez, o futuro nos prepare uma surpresa:
um resgate nessa louca correnteza, qualquer nave que nos leve pelo espaço encontrar os deuses;
Talvez, um herói venha a surgir por entre as cinzas; das ruínas se levante, alcance a gloria,
e na moral da história o mito acabe com a razão.
Mas a verdade está cima do bem e do mal. Nossa lógica furada é a arma mais mortal:
a raiz de todo erro, a medida desse medo de mudar e achar o avesso, nosso fim, nosso começo.
É a nossa visão congelada no tempo esperando as respostas caírem do céu:
acreditar nas lendas do que virá é um álibi perfeito e tudo fica como está.

(Guilherme Arantes — Nosso Fim, Nosso Começo)


De inócuo não há nada nos discursos e ações que, aproveitando questões sociais ainda não elaboradas por grande parte da população, desqualificam a Ciência como um todo em prol de um determinado tipo de visão religiosa. Na mira dos que desferem os ataques, inclusive literais e físicos, as motivações para abortos, os gêneros e os espectros sociais, o ensino crítico e não religioso, e os pensadores de sistemas políticos financeiros não capitalistas e seus defensores.

Antes de prosseguir, um esclarecimento: há pesquisadores das religiosidades renomados em diversos campos científicos, buscando teorias ou comprovações que remetam às possibilidades de um ser inteligente e superior na constituição de grande parte, ou o pleno, do universo – diferindo totalmente da proposta dos fundamentalistas. Aliás, se posicionando contrariamente a estes.

No Brasil, há diversos líderes religiosos midiáticos apoiando políticos com discursos extremistas similares aos utilizados na Idade Média. Banalizam os crimes perpetuados por ditaduras civil, empresariais e militares, conclamam a retirada dos direitos conquistados por minorias, recorrem a discursos preconceituosos e sexistas afirmando que estão defendo a instituição família. Propõem a retomada de ações destrutivas e excludentes: as queimas de livros e de reputações – o lawfare* é a nova roupagem da 'caça às bruxas'.

Para estabelecer suas pautas, realizam acordos espúrios com representantes comprovadamente corruptos no campo político visando obter facilidades para a aprovação de leis que impedem o ensino ou divulgação de vias de pensamento diferenciadas das que defendem como hegemônica.

A seguir suas proposições, destruiremos os últimos baluartes do Conhecimento e apagaremos as chamas da última fogueira a sustentar a visão plural e respeitosa, não atrelada aos [pre]conceitos religiosos radicais e legalistas. Historicamente repetido de tempos em tempos, o movimento extremista é pendular e, após gerar genocídios de corpos e almas, deteriorará a vida em prol de uma suposta 'verdade'.

O objetivo final é o controle social. O que, neste momento, pode parecer banal, mas a história o comprova que é um movimento sem retorno que nos encaminhará, por meio de uma midiotização legalizada, à cauterização das consciências (já produzimos escravidão indígena e negra e genocídios de judeus, que evoluíram para o massacre racista de negros pobres, o trabalho infantil e/ou análogo ao de um escravo, e para o ataque aos estrangeiros, atualmente) e, por fim, à ignorância coletiva – que fatalmente nos levará de volta às cavernas.

Wellington de Oliveira Teixeira, em 21 de setembro de 2017.

* Lawfare é dar legalidade aos abusos, manipular as leis para atingir inimigo político; é usar estratégia abusiva do direito em vez de métodos militares.

17 de set. de 2017

Furtivos escapes

Furtivos escapes, criado por Wellington de Oliveira Teixeira em 16-09-2017.
Furtivos escapes, criado em 16-09-2017.

Quero crer na proximidade de uma geração inventora, contra todas as previsões contrárias. Uma que acolha mais pensamentos criativos que uma razão estruturadora; cujos olhos não estão, por escolha própria, obstruídos, embotados, ou com antolhos; cujo falar, ouvir e expressar provoque questionamentos, [re]avaliações, refazimentos de práticas. […] vou me permitir vislumbrar um horizonte contrário ao que o pessimismo quer me incutir.

(Wellington de Oliveira Teixeira — Por uma geração inventora )


Há uma onda desgastando e absorvendo consciências, almas e corpos, na atual configuração do país. Seu efeito aprisionante se manifesta, mais que em outros, em todos que não detém sua atenção para os fatos e suas consequências.

Mesmo compreendendo que é preciso agir para encará-la, há momentos em que o esforço não é suficiente para destrinchá-la e identificar seu sustentáculo e, com isso, construir o estímulo que permite o ir à luta para desfazê-la.

O melhor é continuar mexendo e remexendo até encontrar a brecha e escapulir ao aprisionamento. As últimas postagens carregaram essa quase agonia de querer projetar uma onda capaz de ser sintonizada por aqueles que se identificam nessa situação.

A construção de imagens e textos está conectada ao que me mobiliza para dar conta, vazão, expressão aos fluxos que atravessam meu instante. As interferências podem ser incompreensíveis e efetivamente frustrantes e paralisantes. Narrar essa trajetória é um modo de compartilhar essa angústia e dar oportunidade para intervenções e contribuições dos aliados e companheiros de jornada.

Fazer isso não é trair o processo de vida a que me propus*. Ver ou vivenciar o imobilismo é motivo maior de preocupação. Me afeta visualizar o futuro de muitos que gosto sendo desconstruído, mas cansa desenvolver sozinho diálogos educativos, pedagógicos, modos de desconstruir falsos raciocínios – não tenho pretensão de iluminar ninguém, não creio em salvadores da pátria.

Acredito, porém, que há sentido em aglutinar, em reunir colaborativamente outros para alterar a realidade de um modo ou de outro. Pode ser que, unidos, consigamos mobilizar pessoas via interseção de pensamentos críticos: produzir a chance de alguém encontrar um furtivo espaço-tempo para escapar dos aprisionamentos, forjar e estabelecer sua liberdade de ser e estar.

Meu método é investir na ampliação do acesso a instrumentos de avaliação, sinalizando os nós que encontro, apontando interesses subvertedores dos direitos individuais. Quando não funciona, fica um pouco dessa sensação de derrota, apesar do esforço despendido. O resto, não tenho como definir. Continuo persistentemente descobrindo e seguindo adiante.

Wellington de Oliveira Teixeira, em 16 de setembro de 2017.

* Minha aposta de vida, o mundo que acesso é uma ilusão que meu cérebro determina por sua momentânea incapacidade de expandir a percepção. No entanto, e exatamente por isso, aposto nas interferências, naquilo capaz de me sensibilizar. Se aceito a afetação é porque necessito. E segundo as únicas regras que estabeleci para meu mundo, é em função do prazer ou do aprendizado – entendi que tudo na vida se encaixa aqui.

16 de set. de 2017

Fluxos contingenciados

Fluxos contingenciados, criado por Wellington de Oliveira Teixeira em 16-09-2017.
Fluxos contingenciados *, criado em 16-09-2017.

O tempo do sonho é o instante do olhar, como o clarão de um relâmpado que, subitamente, clareia a paisagem noturna. E o tempo do desejo é sempre o presente, pois é ativo de modo permanente e constante, mesmo quando expressa um Wunsch de trinta anos atrás ou mais. O desejo está sempre lá: ávido de significantes.

(Antonio Quinet – A descoberta do inconsciente: Do desejo ao sintoma, p.75)


Impulsos não tem vida própria, nós lhes damos expressão conforme as percepções pessoais se manifestam. Há pulsos que fazem vibrar ações de amor e nos permitem colocar o outro em nível semelhante ao nosso. Outros, são os monstros que espreitam, prontos para assumir a superfície e provocar danos indiscriminados.

O convívio social exigiu gerar os calabouços interiores, uma espécie de cala-a-boca para diversas forças que atuam em cada um. Mas cada um desses afetos serve como sinalizador de nossas capacidades destrutivas e construtivas e de que o resultado vai depender da combinação e dosagem utilizada. Tudo, em dose exagerada, perde sua função principal e nos encaminha aos distúrbios desnecessários.

Fluxos enjaulados, não se efetuam. Nem visibilizam o que é circunstancialmente bom ou mau, pois nada é, em si, isto ou aquilo. Precisamos da ira tanto quanto da compaixão. Alcançar esse nível de evolução pessoal é fundamental: sem ele, somos presas fáceis da manipulação. Para seres que se estruturam em equilíbrios precários, como nós, é essencial encontrar o que realmente é deletério, o que destrói a integridade, a natureza e a vida.

Há discursos que, em sua essência, objetivam semear o ódio ou visam abusar da boa vontade alheia. Nos irar permite rejeitar o que é sórdido. Pode até nos conduzir a intervir por meio de ações que os desconstroem; na contramão deles, gerar práticas que constroem elementos que capacitam e produzem superação e ultrapassamentos. Mas, cuidado!, é fundamental não moralizar: cada um tem seu processo individual e exclusivo, mas este não precisa tornar-se excludente. O que, hoje, quem produz tais discursos crê, pode mudar, amanhã, alterando suas práticas, também.

Por uma outra via: itens do caminho, os que são preservados, tornam-se significativos porque fazem uma narrativa de vida. Certamente, você já amou e odiou, já acertou e errou, já conquistou e perdeu. Essas não são oposições conceituais, apenas. Representam os pequenos blocos que o constituíram. Agrupados em diversas configurações, manifestam o ser diferenciadamente, a cada situação.

Não importa o que você guarda dentro de si ou expõe para todos, tudo depende do uso que lhe é dado. Desse modo, não cabe desqualificar elementos do passado em função de práticas renovadas ou mais eficientes. Todos foram fundamentais à evolução pessoal. Há momentos para levar os monstros para passear, sim. Mas considere que, na vida, tudo exige equilíbrio e somente nele efetivamos essa sensação de plenitude e encontramos nosso lugar no mundo e na Ordem dos acontecimentos.

Wellington de Oliveira Teixeira, em 16 de setembro de 2017.

* O inconsciente já foi entendido como o subterrâneo de um indivíduo, o local onde estariam reprimidos os impulsos destrutivos para ele: a prática de jogar para debaixo do tapete e manter as aparências.
Outras vias de pensamento tentam realizar uma releitura, compreendendo que o que é em determinado momento contido, por ser socialmente indesejável, sempre se manifesta em alguma outra circunstância. É preciso que não sejam contidos, mas contingenciados, que surjam como imagens para refletir (e permitir refletir sobre) os desejos obscuros. Sem isso não é possível colocá-los em cheque, entendê-los.
O uso intencional e equilibrado como fonte de criatividade, de expansão e especialmente como introdutor de novidades deve ser um dos objetivos da sociedade. As academias de arte perceberam isso e foram amplamente beneficiadas com a produção dos filmes de terror e suspense e outras formas de expressão.
O desafio é demonstrar que o 'dar vazão' é algo imprescindível, pois nos subterrâneos da alma esses fluxos contidos corroem o ser e geram as anomalias e distúrbios, as sociopatias. Mas, expressados de forma positiva voltam a ter sua função primordial, peso ou medida que compõe o equilíbrio das forças e permitem emergir um sujeito apto para a integridade e plenitude.

14 de set. de 2017

Modos de vida guetificantes

Despressurizando, criado por Wellington de Oliveira Teixeira em 14-09-2017.
Despressurizando, criado em 14-09-2017.

Os laços entre nós e uma pessoa somente existem em nosso pensamento. Ao enfraquecer, a memória os afrouxa e, apesar da ilusão de que desejaríamos ser vítimas, e com a qual, por amor, por amizade, por delicadeza, por respeito humano, por dever, iludimos os outros, nós existimos sozinhos*. O homem é o ser que não pode sair de si, que só conhece os outros em si, e se diz o contrário, mente.
(Marcel Proust — Albertina desaparecida, p.48)


As relações sociais nem sempre se estruturam por acordos pacíficos. Qualquer imposição, mesmo as bem sucedidas, produzem um amargo gosto em quem a engoliu porque se transforma em veneno. Claro que qualquer droga em uma pequena dose pode remediar, mas em doses maiores tende a matar.

A história ensina que os fluxos acabam se tornando pendulares, indo de um extremo ao outro, por conta da pressão exercida para exercer um ponto de vista dominante. E tudo que é forçado e indesejado se acumula, pressionando. Um incômodo que exige encontrar ou produzir brechas para escapar. Como um balão, se não o ar não for expelido, despressurizando a tempo, explode.

A eclosão de uma estrutura aprisionante pode exigir uma atividade em tal grau de potência que pode ser comparável a um tsunami, varrendo todas as superfícies. Mas ele surge silenciosamente, em meio a outras ondas. Quem diria que, por um acaso, algumas se reuniriam com outros elementos naturais e comporiam um dos maiores espetáculos da natureza? Destrutivo? Não apenas. Após sua passagem, a paisagem se recompõe, de um modo ou de outro. A única coisa que permanece é a dor da tragédia que se abateu.

Algumas pessoas reagem de forma violenta aos aprisionamentos, outras decaem por suas fragilidades e optam pela inexistência. Em qualquer dos casos, uma tragédia anunciada: as rachaduras vão se expondo porque a pressão exercida se amplia e vai sendo continuamente ignorada.

Como sociedade, é preciso desenvolver modos de convivência que não sejam guetificadores, separatistas e excludentes. Mesmo quando há questões morais. Não é preciso esforço para identificar que há diversas e não apenas uma moral, como os fundamentalismos tendem a afirmar. É preciso reaprender e ensinar o uso das sutilizas, da atenção particularizada, do buscar no outro o subsídio para entender as suas e as nossas próprias questões.

Como o ponto mais importante a se ressaltar, somente com envolvimento crítico, visando uma reabertura à vida colaborativa e cooperadora, será possível mudar a realidade e desestruturar os aprisionamentos, de forma pacífica; antes que o sejam pela via da revolta, dos confrontos e da destruição.

Não somos seres 'naturalmente' pacíficos ou guerreiros; somos um construto que vai se estabelecendo nos inter relacionamentos. Podemos nos agrupar para nos defendermos uns aos outros, por uma opção de vida. Do contrário, resta apenas essa luta para pisar no outro em nome de um modo de vida vendido como o melhor: a questão que você deveria fazer é '— Para quem?'.

Wellington de Oliveira Teixeira, em 14 de setembro de 2017.

* Esse pensamento propõe que o maior gueto imposto a um ser humano é própria existência, isolada e solitária. Mas, traz uma concepção de que é preciso gerar as estruturas do outro, torná-lo alguém, dentro de si mesmo. O processo é voluntário, e o único capaz de permitir um olhar diferenciado sobre nós mesmos e sobre o outro: entendendo-o como um igual e com isso, desconstruir os segregacionismos.
Gueto
(do italiano ghetto) região em que são confinados os membros de uma etnia ou de grupo minoritário, devido a pressões ou questões econômicas ou sociais. Na Segunda Guerra Mundial, guetos eram regiões urbanas que isolavam e concentravam a população judaica local. Os alemães estabeleceram pelo menos mil guetos na Polônia e na União Soviética.
Atualmente, qualquer estilo de vida ou tipo de existência resultante de segregação ou tratamento discriminatório.
O gueto de Varsóvia ficou famoso pela resistência que ofereceu à dominação nazista. Hoje, grupos ativistas promovem a desguetificação, questionando as segregações e preconceitos e promovendo uma sociedade mais igualitária.
Formação socioespacial delimitada, racial e/ou culturalmente uniforme, baseada no banimento forçado de uma população negativamente tipificada (..) para um território reservado no qual essa população desenvolve um conjunto de instituições que operam ao mesmo tempo como substituto das instituições dominantes da sociedade abrangente e como neutralizador contra elas.

10 de set. de 2017

Receptáculos

Receptáculos, criado por Wellington de Oliveira Teixeira em 10-09-2017.
Receptáculos *, criado em 10-09-2017.

A estrada é longa, com muitas curvas sinuosas que nos guiam quem sabe para aonde.
Mas eu sou forte, forte o suficiente para carregá-lo: ele não é um peso, ele é meu irmão.
Assim prosseguimos: seu bem-estar é de meu interesse. Não é nenhum fardo a suportar
Chegaremos lá! Ele não me atrapalha, ele não é um peso; ele é meu irmão.
Fico sobrecarregado de tristeza porque nem todos os corações
estão repletos da alegria, do amor de um para com o outro.
A estrada é longa e não possui retorno. Durante o percurso, por que não compartilhá-la?
Assim, a carga não vai absolutamente me pesar: "Ele não pesa, ele é meu irmão!"

(Bobby Scott e Bob Russell — He ain't heavy, he's my brother, trad. livre)


Há pesos que carregamos e nos oprimem por impedir a manifestação de um ser completo e pleno. Certas obrigações que não se relacionam com um processo de busca e compreensão do necessário, do essencial ou mesmo daquilo não nos oferece um prisma, por pequeno que seja, de um vir a ser mais evoluído. Os outros, esses são dons de vida, desafios fundamentais para encontrarmos e manifestarmos as capacidades e potencialidades, inclusive aquelas de inclusão, colaboração e participação: o todo só existe com a integração de suas partes e quando cada uma é plena em si mesma.

Essa visão de mundo, carregada de um certo otimismo – acredito eu que sóbrio e equilibrado – com relação aos acontecimentos, dificuldades ou relaxamentos, singularmente vividos e, de vez em quando, absorvidos na composição de um si mesmo legítimo. Certamente alguns dos passos durante, trechos e recortes de um dia ou de um período de vida, são árduos, exigem uma vontade férrea de ir adiante, propõem valores que ultrapassam o olhar apenas sobre si mesmo. São estes que sinalizam: podemos e devemos ser companheiros de vida, parceiros de jornadas, cooperadores uns com os outros.

Claro, isto exigirá abdicar do passo mais rápido, em alguns momentos, em prol de tornar-se o apoio ou sustentáculo para não permitir que uma construção desabe sobre si com as intempéries da vida. Mas eu garanto: empatias e solidariedades retornam em produção de devires mais conectados com o que está por aí, com os elementos que precisamos aglutinar para compor nossas potências pessoais. Nem sempre o que temos a doar é o necessário para alguém, e isso não nos torna desqualificados; os encontros são seletivos e os fluxos só deveriam se reunir quando há compatibilidades a serem compartilhadas.

Essa dose de egoísmo é ímpar, ela nos ensina que um mundo melhor para se viver depende do ambiente e das companhias que tenho ao redor. Somos seres únicos, nascemos e morreremos sozinhos; no ínterim, constituímos as possíveis narrativas dessa caminhada ao optar por composições com aquilo que exprime potência por si e, ainda assim, não se nega a estabelecer novas formações.

Um olhar acurado não é aquele que determina o outro, mas o que permite refletir-se no outro e nesse processo obter a compreensão, o entendimento e a sabedoria. Alguns estão rastejando, outros engatinhando, muitos mais dando os primeiros passos e subindo os degraus. Todos nós, por uma fração de segundo que seja, podemos nos inserir na Ordem e Nela constituir as ousadias, as coragens, as determinações e vontades que nos impulsionam para o adiante.

Gosto de uma alusão que propõe que as percepções variam entre o que está estabelecido e o que é desejável. Em algum momento, quem sabe, a chama acende, a taça se preenche e o todo se manifesta num adeus à forma para ir ao encontro do desconhecido. O incognoscível só o é enquanto não estamos aptos a apreendê-lo e assimilá-lo com a forma ou conteúdo que alcançamos atualmente com nossa percepção e práticas de vida.

Reafirmo, o processo de vida é único e intransferível, mas admite prazerosamente as interações, que não outras, as do aprendizado com os processos estabelecidos por outros: alteridade é fundamental na construção da individualidade.

Wellington de Oliveira Teixeira, em 10 de setembro de 2017.

* Indico porque gostei muito de assistir ao vídeo: The Justice Collective. Meus sinceros agradecimentos a Genésia Santana de Araújo (uma mãe pra mim!) pelo envio, nesta manhã, que me inspirou esse artigo.

Reconheça os cantores que participaram deste projeto de arrecadação de fundos:
Andy Brown (Lawson),
Gerry Marsden (Gerry and the Pacemakers),
Paul Heaton (The Beautiful South),
Glenn Tilbrook (Squeeze),
John Power (Cast and The La's),
Robbie Williams (Take That),
Melanie C (Spice Girls),
Rebecca Ferguson,
Holly Johnson (Frankie Goes to Hollywood),
Paloma Faith,
Beverley Knight,
Eliza Doolittle,
Dave McCabe (The Zutons),
Peter Hooton (The Farm),
Ren Harvieu,
Jon McClure (Reverend and The Makers),
Paul McCartney (The Beatles),
Shane MacGowan (The Pogues),
Bobby Elliott e Tony Hicks (The Hollies),
Hollie Cook (The Slits),
Coral Gospel LIPA,
Clay Crosse,
Alan Hansen,
Peter Reid,
John Bishop (comediante),
Neil Fitzmaurice (escritor),
Kenny Dalglish (jogador de futebol).

9 de set. de 2017

Artificialização e extinção?

Artificialização, criado por Wellington de Oliveira Teixeira em 09-09-2017.
Artificialização *, criado em 09-09-2017.

Podemos mapear todos os milhões de espécies de seres vivos que existem na Terra, mas nunca saberemos literalmente tudo o que há para saber a respeito de uma única espécie de bactéria que seja – até porque, graças às mutações no DNA e a seleção natural, esse sempre será um alvo em movimento. A vida e os cosmos continuarão a produzir novidades, que precisarão ser escarafunchadas com paixão e precisão. Você pode ou não acreditar em um mundo sobrenatural, mas o mundo natural já contém em si a semente do inesgotável.
(Reinaldo José Lopes — Qual o sentido da vida em os 11 maiores mistérios do universo)


A natureza tende a produzir encaixes em novas configurações da realidade: a tal da adaptabilidade. Assim também os humanos com seu jogo ou guerra de gerações. O diferencial está em que a humanidade tem uma tendência a impor um padrão, mesmo se o objetivo anterior era o de quebrá-lo. Somos contraditórios.

Por exemplo, a pasteurização é um processo que tenta controlar a qualidade de um produto, que busca retirar qualquer traço de impureza nele e, na contramão do que se busca, simultaneamente destrói os elementos que, em doses inócuas, promovem o estímulo às defesas orgânicas, a saúde como um todo.

A pasteurização social se visibiliza pela repetição previsível dos comportamentos, manipulações das práticas de modo a gerar uma hegemonia e sua reprodução indefinida. No que torna seres humanos previsíveis, controláveis, manipuláveis, presas fáceis, tem produzido extinções como as da criatividade e da produção do 'si próprio', perdido em um 'si genérico'. Esse tipo de humanização pode estar gerando efeitos nefastos na natureza.

Prefiro escapar, por enquanto, da desqualificação ou da moralização deste processo. Vou tentar capturar as minúcias, as pistas (pense nisso: as práticas sempre mudam em função de seu ambiente) para constituir um cenário possível das consequências imediatas da nossa inserção na artificialização da vida.

Algo que vai na contramão do que os aferrados à modelação dos comportamentos (fundamentalistas, dentre outros) tentam obliterar e insistem em ignorar: só na diversificação há permanência. Há em todas as épocas um determinado tipo de evento (como uma peste) que dizima parcialmente a humanidade e a extinção só não ocorre por conta da diferenciação que gradualmente ocorre no processo de evolução natural e das práticas diferenciadas.

Sob esse ponto de vista, as mutações, as fugas do padrão ou da normalidade são o que há de mais eficaz na preservação das espécies. Um paradoxo, é verdade — mas quem disse que a Ordem usa o mesmo raciocínio que essa espécie que se considera sapiens ou sábia?

Sempre ocorreram, é verdade, mas o atual ritmo não deve ser ignorado: as transformações nas funções cerebrais e no corpo humano estão se radicalizando e começamos a detectar seus efeitos nos comportamentos. A virtualização está remodelando os órgãos sensoriais e a estrutura de sustentação corporal. Fato preocupante, porque acelerados artificialmente. Ultrapassamos as fronteiras dos escrúpulos, em nome das ganâncias, em especial as dos conglomerados empresariais farmacêuticos e de agrotóxicos globalizados.

Só que, quando as vias comuns não são efetivas, a natureza promove rupturas marcantes, especialmente se a devastação ultrapassar o contexto de espécie, aproximando-se de sua própria extinção. Mudanças genéticas vêm ocorrendo em todas as espécies em um ritmo incomum. É possível supor que para enfrentar essa tentativa de apropriação da cadeia natural e os desastres resultantes das intervenções da humanidade.

Ainda que escalas evolucionárias exijam milhares de anos para efetivar qualquer diferenciação completa e autônoma, o interstício, o período intermediário e de transição é composto por um convívio – geralmente não pacífico – entre os que estão dentro dos conformes anteriores, observando sem entender ou explicar o surgimento e proliferação da mutação. A a tentativa de erradicação do diferente tem sido a prática predominante. Mas, e se o minoritário, de repente, tornar-se um salto evolutivo, e modificar o jogo da preponderância e do predomínio, estaríamos encarando nossa próxima evolução?

Wellington de Oliveira Teixeira, em 09 de setembro de 2017.

* E daí que as opiniões divirjam? Que o campo das ideias seja sempre de batalhas? Não é disso que a proposição acima trata. Ser é a única questão que cada corpo-alma-espírito carrega como próprio. Somos um amontoado de partículas e particularidades assimiladas num percurso. Certo. Mas as formas de constituição diferem. E muito.
Algo recentemente tem me causado um grande incômodo: a verdade não importa, somente sua aparência, aquilo que pode substituí-la porque opera em nome da resolução de algum medo da expressão de si mesmo.
Todo incômodo tem seu lado provocador, instigador que, se bem utilizado, promove transformação. Minha questão relaciona-se a identificação de uma prática retomada atualmente de se escudar em algo ou alguém para expressar ódios, rancores, insatisfações e irritação com diversas situações — perpetuando práticas de fundamentalismos que eu pensava estar ultrapassados. Nessa cadeia de atitudes e práticas, a identidade pessoal é sobreposta.
A negação e a projeção, mecanismos de proteção pessoal, extrapolam para o apagamento da personalidade. Lidamos com a adoção de avatares que possuem corpos. A virtualização desconstruindo as vivências. A imitação e o mimetismo produzindo artificialidades e estas, possivelmente, à extinção do sujeito humano, realizando a especialização do assujeitado como padrão.

8 de set. de 2017

Lavas e remodelações

Remodelações, criado por Wellington de Oliveira Teixeira em 07-09-2017.
Remodelações, *, criado em 07-09-2017.

É a conhecida tese de que o inconsciente se estrutura como uma linguagem, sendo linguagem tomada aqui em sua dupla face de língua e de fala. Sistema abstrato de diferenças entre signos e sistema concreto de trocas sociais a linguagem, assim considerada, mostra-se compatível com o materialismo que Lacan pretende infiltrar em sua concepção de inconsciente. Um materialismo que é ao mesmo tempo uma crítica da positividade e da identidade, intuitivamente presentes na noção de retorno. O retorno do mesmo e o retorno como presença de objeto invertem-se, através da chave da linguagem, no retorno da diferença e no retorno da negatividade, atributos essenciais da noção lacaniana de simbólico.

(Christian Ingo Lenz Dunker — Um Retorno a Freud, p. 118)


São fundamentais os acontecimentos que trazem à tona, das profundezas da alma, os elementos essenciais relegados à segundo plano. Eles são os únicos capazes de renovar a superfície exterior de cada um, ao evitar a solidificação e a permanência de uma forma fundamentada no passado.

Não são nossos demônios. Esses magmas interiores são nossos anjos internos que batalham por nossa subsistência e resistem ao subjugo à máscara social. São ódios e amores parciais, pensamentos e sentimentos reprimidos, frases engolidas, gestos interrompidos e tudo o mais que é empurrado para o calabouço obscuro da inconsciência e mantido compulsivamente fora do domínio da existência.

Vez por outra, quando conseguem rachar a superfície polida – com isso, nos apresentando nus e crus –, exprimem essa parte de nosso ser que, divergindo dos moldes, escapa às modelações. Sim, são incompreensíveis, na maior parte dos instantes. São produtores de descontinuidades e de desarranjos das estruturas que adotamos visando a sobrevivência social. Isso não significa desqualificável, destrutivo em si. Pode-se denominá-los como rearranjadores.

O corpo social permite vivências nos campos da colaboração, da empatia, dos agrupamentos e coletivizações – práticas necessárias, capazes de estabelecer sintonias e equalizações –; em grau idêntico, tem potencial para constrangimento e impedimentos que obrigam a encobrir a manifestação das diferenciações e do que não está predeterminado.

Quando os fenômenos disruptivos ocorrem, social ou individualmente, o que vem à tona produz tanto estragos quanto benefícios. Utilizar as decomposições para reformular o estabelecido é como desmontar e remontar peças de um lego, é semelhante a fazer a reciclagem de produto potencialmente tóxico: algo sempre urgente e sadio.

A socialização impõe uma espécie de mordaça: há vozes dentro de nós que são caladas e lutam por se fazer ouvidas. Permitir que elas aflorem e se expressem de forma criativa (não como lavas de vulcão) é algo terapêutico e que não deveria ser um desafio para poucos. Comparável a uma viagem ao fundo do ego, a busca aos tesouros interiores pode ser a maior aventura que alguém se propõe.

Refazer-se continuamente supera os benefícios individuais: os rearranjos proporcionam as condições de manutenção de uma sociedade viva, continuamente renovada, ao permitir a absorção de novas e diferenciadas formas de ser. Pena que é próprio apenas dos que não se omitem, dos que se encaram honestamente e dos que encontram na sua contínua transformação um modo de evolução do ser.

Wellington de Oliveira Teixeira, em 07 de setembro de 2017.

* A elaboração de uma situação conflitante pode ter o viés da reordenação. Ao invés de se deter no passado, em si, ressignificá-lo para a atualidade.
Imensos fluxos contidos pelas exigências do cotidiano ou pelas regras sociais estruturam-se como magmas de um vulcão, no interior de um ser. Como o líquido em ebulição no centro do planeta, impõe o movimento e as transformações internas. Vez por outra, se expressam como erupção e seus jatos remodelam a superfície: ao tempo em que promove caos, desestruturações, os novos elementos trazem nutrientes que afetarão o ambiente próximo, via composição.
Certamente isso pode ser estendido, como uma metáfora, para as inter relações sociais. Ao lidar melhor com suas peculiaridades, suas diferenciações, um indivíduo tem o potencial para desfazer o enrijecimento social. Não que isso elimine as máscaras socialmente elaboradas, que sempre existirão, mas proporciona um uso consciente, sem a adesão e deformação da própria face.
Minha leitura é a de que esses elementos reprimidos podem ser aliados poderosos nos processos de desenvolvimento de um ser e da sociedade. Não como inimigos, não como refugos, esses elementos guardados e ocultos da superfície, podem atuar como potencializador de alguém, da mesma forma que um adubo reconstitui a potência de uma planta.

4 de set. de 2017

Subterfúgio humano

afetação, criado por Wellington de Oliveira Teixeira em 01-09-2017.
Afetação *, criado em 01-09-2017.

A eternidade é o estado das coisas neste momento.
(Clarice Lispector)


O aqui e o agora, como única forma de constituição do eu, traz gigantescos desafios à noção noção de ser, especialmente de ser de forma duradoura. Temos essa sensação-ilusão de sermos o mesmo desde a infância, mesmo com transições nem um pouco suaves. Há um certo apego a essa ideia. Em alguns, a obsessão pelo contínuo faz da rejeição ao que foge aos padrões uma questão de vida.

Seres humanos desejam profundamente acreditar no ser, mais do que no estar sendo. Somos incapazes de lidar conscientemente com os infinitos e variáveis modos de ser que carregamos e que podem ser atualizados a cada instante, disparados por cada encontro efetivado como composição ou decomposição de nossas potências.

Qualquer presunção de fixidez é vã. Cada forma de ser dura apenas uma certa fração de momento pois, a seguir, somos afetados por alguma força de vida e desviados da aparente trajetória traçada. Instantaneamente, mudamos de gente de bem para gênios do mal, ou qualquer variante intermediária. Somos pura transformação: amando-odiando, aproximando-afastando, cuidando-negligenciando, em todos os graus possíveis.

Tudo se define nos encontros que estabelecemos, a cada instante. Cada imagem, som, sensação tátil, aroma, sabor, capturados pelos sentidos é capaz de incendiar a alma; e rimos, choramos, amamos ou odiamos, inclusive todos os indeterminados. E isso é o suficiente para nos mobilizar, nos retirar da paralisia e da mesmice: somos os seres da afetação, aqueles que se deixam afetar e afetam o que quer que encontrem.

À despeito de tudo isso, nos agarramos a fixação, esquecemos o movimento e estabelecemos uma paralisação: apenas uma fotografia de certa imagem mental que foi impressa em nossa alma. Impactos vivenciados, que viram marcas na superfície de um encontro, podem estabelecer um certo padrão: assim surgem as opiniões a respeito de algo, alguém e sobre si mesmo.

A rotulação ultrapassa essa opinião acerca da marca da dor-prazer vivenciada. Ela surge como uma extrapolação visando determinar uma essência para algo ou alguém, a despeito de nada poder garanti-la: o desconhecido e o diferente tornam-se os maiores inimigos imaginários de quem não consegue lidar com o que produz incerteza.

Assujeitados a esse processo, o que evidência nossas transformações se torna quase imperceptível, ou mesmo ignorado: o bloqueio permite acreditar num si mesmo contínuo. A ilusão da permanência, nossa ou a do outro, é o subterfúgio humano para acreditar que tem algum controle sobre a própria vida.

A bem da verdade, nos despedaçamos e nos remontamos na totalidade do tempo de nossas vidas, em função dos distanciamentos ou aproximações, dos embates ou das pacificações, do que quer que nos aglutine ou desagregue.

A metamorfose ambulante não é a exceção, mas a mais profunda realidade experimentada por cada ser humano que ainda carrega a sanidade. Loucura é o estabelecimento de uma aparência forçada, dessa máscara social que ocupa o lugar da fuga do vir a ser em nome da permanência.

Wellington de Oliveira Teixeira, em 03 de setembro de 2017.

* Temporalidade e Transformações são a essência da vida física e, dependendo do ângulo ou prisma adotado, ganham cursos muito diferenciados de influência nas práticas. Somente aqueles que conseguem se determinar um certo desapego, um certo espaço para novas experimentações, conseguem se estabelecer como ser de encontros potentes. Esvaziar-se é necessário para que novos conteúdos tenham vez: tarefa hercúlea, que traz consigo igual medida de descobertas e de ampliação de horizontes.