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21 de mar. de 2011

Aprendiz

Aprendiz, criado por Wellington de Oliveira Teixeira em 21/03/2011
Aprendiz, criado em 21/03/2011

"Agora está tão longe. Ver a linha do horizonte me distrai.
Dos nossos planos é que tenho mais saudade,
quando olhávamos juntos na mesma direção.
Aonde está você agora, além de aqui dentro de mim...

Agimos certo sem querer. Foi só o tempo que errou.
Vai ser difícil sem você, porque você está comigo o tempo todo.
E quando vejo o mar, existe algo que diz que a vida continua
e se entregar é uma bobagem...
Ei! Olha só o que eu achei: cavalos-marinhos."
(Trecho de Vento no Litoral -
Renato Russo)

As ondas do mar batiam contra o casco do navio suavemente, na primeira vez que ele entrou em um navio. Conhecer a embarcação era o primeiro e tão esperado treino daquele aprendiz. Momento importante para situar o período de conhecimento teórico das peças isoladas que ele tinha decorado o nome, a função e o modo de manipular, agora em seu contexto pleno.

Aquele era o ano da realização do sonho para o qual estudara e recrutara ajuda para passar na prova de admissão. Mas também estava sendo um desafio, já que nunca havia ficado tão longe de seus familiares e queridos. A saudade e a falta daqueles a quem amava, apertava o seu coração de rapazinho.

Nessas horas, se lembrava de que não havia chegado à escola da Marinha em Florianópolis, de graça. Houve um preço a ser pago com dedicação.

Com suas novas amizades, estava enturmado. Divertia-se nos momentos de lazer com os colegas, mas ainda se sentia isolado.

Aqueles não eram os tempos de mensagens eletrônicas e instantâneas. As cartas levavam dias para alcançar o seu destino, as ligações telefônicas interurbanas eram caras e, por isso, raras.

Como subterfúgio para vencer a tristeza, todos os dias, ao final da tarde, no intervalo entre as aulas e o jantar, ia para a beira do mar com seu aparelho de som portátil, caneta e papel. Ali, ouvindo uma canção que seu amigo lhe dera, no dia em que partira do Rio de Janeiro, lhe escrevia uma parte de sua carta semanal. Era o momento de falar de alegrias e tristezas, do árduo treino diário, das faxinas e da alegria do final de semana em que ele e os companheiros podiam ir a cidade confraternizar com as meninas e arranjar encrenca com os meninos locais, enciumados.

Sentado na praia, com o fone em seus ouvidos - e aquele era o lugar mais propício para isso -, ouvia "De tarde quero descansar, chegar até a praia e ver se o vento ainda está forte. E vai ser bom subir nas pedras. Sei que faço isso pra esquecer, eu deixo a onda me acertar e o vento vai levando tudo embora...", música da Legião Urbana cujo vinil havia sido lançado a poucos meses. O título dela dizia tudo: vento no litoral.

Seu amigo também cumpria a sua parte no acordo, aquela mesma hora de todos os dias, era dedicada a escrever cartas bem divertidas, cheias de trocadilhos, piadas, e palavras de incentivo. E com as letras iam foto, tiras de quadrinhos, desenhos, e um pequeno cavalo-marinho embalsamado. Sabia que quando recebidas renovariam as forças do seu amigo já que quase nunca ele podia ir para sua casa. Os muitos meses isolado faziam parte do seu treinamento para marinheiro.

O final do ano chegou. Formara-se com notas muito boas, tinha a amizade de professores e colegas, era bem visto por todos. E com o final dessa etapa chegara o momento da grande decisão: embarcar e tornar-se um marinheiro ou desistir e seguir sua vida como civil.

Chegou ao Rio de Janeiro, só tento avisado da chegada ao seu amigo de cartas - o mesmo que um dia lhe havia ajudado a alcançar aquele sonho da sua vida, mesmo tendo lhe dito que odiava a ideia de vê-lo milico. Estava em seus planos fazer uma pequena surpresa para os familiares.

Na chegada, um olhar ao longe, uma corrida, um abraço forte e cheio de muita emoção. Em ambos, os olhos lacrimejavam, as emoções extravasavam.

Era um menino-homem, agora. Em seu quepe havia uma faixa de aprendiz de marinheiro. Olhando bem nos olhos de seu amigo, retirou a faixa e o presenteou. Estava voltando para casa.

Sorria, ao recordar seu aprendizado de marinheiro. Um dia fora um aprendiz que tremera de medo quando a tempestade chegou e navio era um briquedo do mar.

Como um bom aprendiz, percebera que no seu futuro não estava incluída a ausência da proximidade daqueles que lhe eram especiais. Não seria oficialmente um marinheiro, mas seu coração jamais deixaria de fazer as viagens que o tornavam pleno e feliz.

Wellington de Oliveira Teixeira, em 21 de março de 2011.

* Para Alessandro Laureano, com meu amor eterno. Espero que esse sentimento o alcance em qualquer lugar do mar do universo em que você esteja navegando, Sandrinho.

15 de mar. de 2011

Pensamento reticente, etcétera

Reticente, criado por Wellington de Oliveira Teixeira em 16/03/2011
Reticente, criado em 16/03/2011.

"Você é a única pessoa que pode decidir se a minha verdade
é autêntica para você ou se é bobagem - falei.
Os princípios pelos quais eu morreria, os mais altos valores que conheço…
para você são sugestões, são possibilidades.
Você escolhe, e por isso aguenta as consequencias.
Cada sim, não e talvez criam a escola que você chama de experiência pessoal."
(Richard Bach - Fugindo do Ninho - uma aventura do espírito)

"A verdade que negamos a alguém torna-se o lixo que vai entulhar a nossa alma"
(Wellington de Oliveira Teixeira - Ser Pensante)

Creio que as reticências foram inventadas para aqueles momentos em que você põe um ponto que seria o final em uma frase, mas, logo a seguir, novos pensamentos chegam freneticamente e tomam conta sem que você consiga ordená-los ou impedi-los.

É diferente do etcétera que você usa porque já dá para parar de escrever pois o que vier é fácil de completar, é óbvio, é simples, etc.

O pensamento reticente não é etcétera e tal. Incomoda. Como uma paixão, ele toma conta da cabeça, não importa quão importante sejam os pensamentos do momento. Vem, se estabelece e, quase sempre, atrapalha.

O pensamento do apaixonado é como ser assaltado por sombras, mesmo quando o dia está iluminado.

Certo. Exagerei um pouco. Digamos que paixão é o tipo sem noção. Não percebe que não é o momento certo para chegar e insiste em ficar. Tipo aquele sujeito que em toda festa você procura evitar. Conhece o tipo, né?

É que ele se aproveita do menor espaço disponível para abrir uma brecha enorme. Basta uma pequena foto, uma pequena frase, poucas palavras ditas ou um segundo de solidão na alma.

O pensamento dos apaixonados é reticente. Confirmem ou neguem, a paixão é a mestre em tomar nossos pensamentos durante o dia. Ou à noite. É como uma doença. E, que eu saiba, ainda não inventaram um remédio para os doentes de paixão.

O que fazer então? Talvez o melhor seja relaxar, gastar um tempinho com ela e tentar ir adiante.

No meu caso, vou direto ao encontro de um meio de expressar a questão: escrevo ou desenho, ou ambos.

Se resolve ou não a questão incial eu não sei. Até creio que não. Mas que dá um segundo de paz a alma, certamente dá!

Wellington de Oliveira Teixeira, em 15 de março de 2011.

* Me apaixonei, quando garoto, por Fernão Capelo Gaivota, Longe é um lugar que não existe e Ilusões - aventuras de um messias indeciso, livros do Richard Bach que se tornaram instrumentos que me ajudaram a moldar o meu próprio pensamento.