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17 de abr. de 2008

As escolhas

As escolhas - Wellington de Oliveira Teixeira - outubro de 1996 As escolhas - criado em outubro de 1996

“Qualquer caminho é apenas um caminho e não constitui insulto algum – para si mesmo ou para os outros – abandoná-lo quando assim ordena o seu coração(…) Olhe cada caminho com cuidado e atenção. Tente-o tantas vezes quantas julgar necessário… Então faça a si mesmo e apenas a si mesmo uma pergunta: possui este caminho um coração? Em caso afirmativo o caminho é bom. Caso contrário, esse caminho não possui importância alguma!”
(Dom Juan)


…“Vai ver que é assim mesmo e vai ser assim pra sempre. Vai ficando complicado e ao mesmo tempo diferente.”…
Renato Russo


Cada dia que passa, experiências vão sendo vividas ao interagir com o meio em que se vive. O dia a dia de cada homem produz nele uma seqüência de acontecimentos, de todos os tipos e intensidades. A esta seqüência de acontecimentos e as experiências produzidas por ela, ele resolveu chamar de existência.

Geração após geração, o homem tem realizado uma busca do que lhe é fundamental, tem procurado o eu sou que lhe diz respeito. À esse eu sou, que ele percebe ser a base de sua existência, a sua natureza, o que realmente é, no mais íntimo de si, deu o nome de essência.

A primeira coisa que percebeu é que a existência de alguém tem precedência a todo e qualquer sentido dado a esta mesma existência. Em outras palavras, essa busca o levou a entender um fato: sou (existência) é anterior à questão de saber o que sou (essência). “A existência precede a essência”, como dizia Sartre.


“O que sinto muitas vezes faz sentido e outras vezes não descubro o motivo que me explica porque é que não consigo ver sentido no que sinto, o que procuro, o que desejo e o que faz parte do meu mundo.”
Renato Russo

O que se observa na humanidade é que essa essência não está definida de antemão. Cada pessoa faz-se no dia a dia. É uma construção. E como as construções diferenciam-se uma das outras em muitos aspectos, cada pessoa diferencia-se das outras: é singular.

Se o homem não possui tal natureza, é ele quem vai criar-se a si mesmo. Criar sua própria natureza, sua própria essência.

Para alguns pensadores, nós somos uma experimentação, nos produzimos ao ir vivendo de tentativa em tentativa, até descobrirmos o que nos torna pleno. Viveríamos numa pura improvisação: atores colocados num palco, sem que o roteiro tivesse sido definido anteriormente, onde temos que decidir a personagem, o texto, como falar, como queremos viver.


“Sou uma gota d’água, sou um grão de areia.
Renato Russo


À diferença dos outros seres, o homem percebe que existe e que um dia terá de morrer. Por si só isso já o diferencia completamente e o isola. Se ele não vê nenhum sentido nisso tudo, sente-se alienado: um ser estranho no mundo. Isso pode levar ao desespero, tédio, depressão. Só que essa característica de se saber é o que lhe permite ser livre. O homem não foi definido, e tem a liberdade para o fazê-lo como quiser. E, é claro, isso o torna responsável por tudo o que faz. Não é como outros animais que seguem seus instintos, sua essência, sem que possa fazer nenhum questionamento e sem que possa ser responsabilizado pelos seus atos.

Essa liberdade faz de cada momento uma situação de escolha. Nos força a tomar decisões durante toda a nossa vida. E se a essência não preexiste em nós, também não existem valores ou regras eternas, a partir das quais podemos nos guiar. E isso torna mais importantes as nossas decisões, as nossas escolhas.


“Tudo é dor e toda dor vem do desejo de não sentirmos dor.”
Renato Russo


Algumas pessoas acham isso um fardo pesado demais para carregar. Preferem não se preocupar e se deixam levar, como uma folha à mercê do vento, levada para qualquer direção. O medo de assumir uma postura, uma idéia, um sentimento, um desejo, consegue lhe causar uma paralisia de tal proporção, que é melhor deixar de lado. Tentar esquecer. Tentar diminuir a responsabilidade por sua própria decisão. Só que isso cobra um preço: negar-se a si mesmo e viver a dor de, dia a dia, tentar não ser.


“Há tempos são os jovens que adoecem. Há tempos o encanto está ausente e há ferrugem nos sorrisos e só o acaso estende os braços a quem procura abrigo e proteção.”
Renato Russo


Só que, quem nega a sua capacidade de escolher, torna-se como uma massa anônima, impessoal. Passa de um ato para outro sem qualquer conflito ou pensamento. Não tem um eu próprio, pois foge de si mesmo e se refugia em mentiras. Não há como produzir felicidade num caminho de auto-negação. Onde a alegria verdadeira? Onde a espontaneidade? Onde a expressividade? Onde um relacionamento que complemente? Onde a amizade? Onde o amor?


Você diz que seus pais não entendem, mas você não entende seus pais. Você culpa seus pais por tudo e isso é absurdo: são crianças como você. O que você vai ser quando você crescer?
Renato Russo


Culpa do destino se não consegui ser feliz. Culpa da sociedade se não demonstro meus sentimentos. Culpa da geração anterior o fato do mundo estar como está. A responsabilidade nunca está nas próprias mãos: alguém sempre nos fez alguma coisa. É preciso projetá-la no outro. Qualquer outro. A vida no negativo é uma marca registrada dos que vivem desse modo.


“Começo a ficar livre – espero. Acho que sim. De olhos fechados não me vejo.”
Renato Russo


Mas nós, os que um dia resolvemos não mais aceitar ser uma marionete do destino, os que decidimos não permitir que os ventos do dia a dia nos levem pra qualquer direção contra nossa vontade, os que não queremos viver de culpa e nem desejamos viver culpando ninguém, os que encaramos a vida como uma grande chance de enfrentar o desafio da liberdade de ser – mesmo com preço que ela cobra, podemos criar um sentido para a nossa própria vida, pois somos nós que escolhemos aquilo que nos é importante, especial e fundamental. Nossas escolhas nos tornam o que somos. O nosso ato de decidir espelha aquilo que produzimos como nossa essência: as prioridades de nossa vida, os sentimentos que nos invadem, as qualidades que valorizamos e cuidamos em nós.


“Quando não estás aqui, meu espírito se perde. Voa longe…”
Renato Russo


E é a valorização do que é importante para nós que transforma nosso modo de olhar o mundo: abre as portas da percepção.

É o modo como percebemos que muda tudo o que acontece na nossa existência. Por exemplo: quando se vai buscar alguém por quem se está apaixonado numa rodoviária cheia de gente, nossa atenção não se liga a todas essas pessoas. Podemos achar que tomam espaço, que atrapalham, mas são irrelevantes. Naquele momento, a única coisa que se registra é que a pessoa que se quer não está ali. E esse não está se torna muito mais importante do que todos os outros sim está que possam existir naquele local. Só que, a partir do momento em que a pessoa desejada aparece, tudo se transforma dentro de nós: a angústia nos abandona, a falta desaparece, a plenitude nos toma de assalto. O mundo se transforma com nossa mudança. Porque o mundo só é aquilo que percebemos com a nossa consciência. E, se esta muda, o mundo muda também.


“O mundo começa agora – apenas começamos.”
“E daí, de hoje em diante, todo dia vai ser o dia mais importante.”
Renato Russo


Então, a decisão é a grande conquista da humanidade. Sua grande aliada. Cada dia que inicia traz consigo a novidade de vida, uma existência nova, exatamente porque ele começa com uma decisão: a de querer tomar as decisões e assumir a responsabilidade por viver num mundo tão fantástico, misterioso, maravilhoso e insondável (pequena homenagem a Dom Juan Matus, o índio mestre na arte de decidir, que me ensinou a procurar ter o espírito de um guerreiro impecável) ou achar que tudo no mundo é uma benção ou maldição. E que temos que suportar a vida porque ela é assim mesmo.

No fim das contas os que são, sabem que não há essa escolha inicial. Seu dia começa com a certeza de que o que se fizer será expressão de si, de sua essência. E procuram dar o melhor de si para que seu espírito e seus atos seja impecáveis.


“Preocupe-se e pense antes de tomar qualquer decisão, porém,
uma vez tomada, siga seu caminho, livre de preocupações e pensamentos;
haverá mil outras decisões ainda a sua espera.”
Dom Juan Matus

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