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28 de jun. de 2014

Pode ser dolorido


Monstro ctônico, criado em 28-06-2014.

Na mitologia grega, ctônico (do grego χθονιος khthonios, relativo à terra ou terreno)
liga-se aos deuses ou espíritos do mundo subterrâneo, por oposição às divindades do Olimpo.
Refere-se mais ao interior do solo que à sua superfície (γαιη gaia ou γε gê) ou à seu território (χορα khora)
e alia os conceitos de abundância e sepultura.

(com base na Wikipedia)


Ela me pegou e passou a noite comigo. O nome dela Cefaleia. Ironia à parte, interprete isso como fui acometido por uma dor de cabeça.

Evito usar qualquer droga farmacêutica, então, recorri a um chá quente de erva-doce (era o disponível). Aspirei seu ar quente, usei um pano para segurar a chícara quente e o usava na área entre os olhos tentando dilatar os vasos sanguíneos e relaxar.

Como muitos sabem, dor não combina com conhecimento (evasivo, ele sai pela lateral). Hora de recordar algo sobre áreas e tipo de sintomas, não consigo. Recorro ao São Google (dar três pulinhos estava inviável!), que me mostrou em imagens que o mais próximo era a tensional. Me acorreram as velhas lições sobre psicossomática. Ri. Tenso se tornou meu novo sobrenome, já há algum tempo.

Adentrando a madrugada, resolvo ceder e utilizar algo. Não encontro. Queria perguntar 'Onde você colocou a dipirona, Beto Lobo?', mas o sujeito já estava abraçado e de caso com o Morpheus.

Então tento pano com álcool. Após rolar muito na cama, o corpo pede o arrego. Tenho que levantar. Buscar distrações tanto quanto o possível. Por isso estou aqui, depois de ter limpado utensílios da cozinha, desenhado, deitado e levantado algumas outras vezes.

Nessas tentativas de reduzir a atenção para a dor, alcanço as 5 horas e o cansaço fala bem alto. Vontade imensa de conseguir descansar, esfriar a cabeça (quase um trocadalho), esquecer um pouco. Mas, com tantas questões, não dá. A simples aceitação de que, se chega a se manifestar no corpo, é porque seus recursos se esgotaram não foi eficiente. Nem suficiente.

Os olhos começam a fechar sozinhos. O corpo entra no limiar em que nem a dor o impede de ir apagando. Evito reagir. Melhor aproveitar a oportunidade e tentar, mais uma vez, deitar e relaxar. Quem saber cochilar?

Funcionou. Agora, pela manhã, resolvo revisar e complementar o texto. É preciso aprender com todas as situações. Me sensibiliza, como em ocasiões semelhantes (meu histórico com dores, em particular as de ouvido, preenche um livro), imaginar o quão sofredor pode ser a vida daqueles que a vivem constantemente. Uma dor crônica e recorrente que apenas drogas de ação potente permite apaziguar um pouco.

Com esse alerta, avalio que a realidade não confere com o que supomos: na vida, o normal não é sempre dar tudo certo, o dia ser lindo e feliz, saudável, etc.

Quanto ao lidar com o acúmulo de questões, bem, isso fica para uma outra ocasião. Vamos aproveitar um pouco a distração: começou o jogo do Brasil e Chile, e vou torcer para passarmos juntos dessa fase.

Wellington de Oliveira Teixeira, em 28 de junho de 2014.

* Ctônico: http://pt.wikipedia.org/wiki/Ct%C3%B3nico
** Perceba como as vivência modificam nossa percepção e produção: abaixo a imagem original feita na hora da dor, do meu monstro ctônico. Avaliando a transformação, reaprendo que, após a tempestade, tudo merece receber uma reavaliado.

*** Para minha satisfação, foi dolorido, mas graças ao Julio Cesar e à trave, passamos.

24 de jun. de 2014

Fluxos circundantes

Irradiar, criado por Irradiar, criado em 22-06-2014. em 22 de junho de 2014.
Irradiar, criado em 22-06-2014.

Num passado remoto, o homem deve ter ouvido com assombro o som de batidas regulares
que vinham do fundo de seu peito, sem conseguir saber o que seria aquilo.
Não podia identificar-se com um corpo, essa coisa tão estranha e desconhecida.
O corpo era uma gaiola e dentro dela, dissimulada, estava uma coisa qualquer
que olhava, escutava, tinha medo, pensava e espantava-se;
essa coisa qualquer, essa sobra que subsistia, deduzido o corpo,
era a alma.

(Milan Kundera — A insustentável leveza do ser)

Você sempre volta com as mesmas notícias.
Eu queria ter uma bomba, um flit paralisante qualquer,
pra poder me livrar do prático efeito das tuas frases feitas, das tuas noites perfeitas. […]
pra poder te negar — bem no último instante — meu mundo que você não vê, meu sonho que você não crê.

(Cazuza — Eu queria ter uma bomba)


Construir, comprar ou alugar algo para poder aproveitar as águas, as terras ou o ar é uma boa ideia para expandir seu universo e se permitir aprender um pouco mais. Há muitas formas de locomoção e o mundo é imenso. Mas eu passei a gostar de viajar incógnito e o universo das agências de turismo não é opção para mim. Realidades são estritas, não por eu não saber ou querer aproveitá-las. Quando desejo e posso, eu o faço! É que as viagens ganharam como determinantes as interações estabelecidas com a vida.

A palavra encontrar apequenou-se quando entendi que solidões não se atraem. Elas não se gostam — até se evitam! Até que aprendam a vivenciar a solitude, o estar só sem se sentir solitário, os seres tentarão multiplicar suas emoções apenas absorvendo o que lhes é oferecido. Triste situação daqueles que só aprenderam na escola insidiosa do sugar.

Percebi que meu voo sozinho é solidário apenas quando partilha aquilo que é o espaço constitutivo e possibilitador das trocas. Mas, atenção!, trocas não representam uma relação de pesos e medidas de iguais proporções. Todo encontro pleno propicia mais do que algo ou alguém e eu temos para oferecer, é a ordem do equilíbrio que se estabelece.

Para tentar explicitar isso que acontece de forma inexplicável vou citar o cuidar de uma criança. Pais ou responsáveis podem confirmar. Basta lembrar aquele sorrisinho encantador, que instantaneamente aflora uma força que atinge mais do que uma onda do Havaí e engloba tudo. E enriquece a alma.

Houve muitas vezes quando restou como lembrança apenas um encontro que travei durante a viagem realizada. Encontros se fazem com pessoas. Ou com luzes, águas, cores, superfícies, sabores, texturas, sons. Ou movimentos, porque eu adoro trilhar, escalar, nadar — ainda não aprendi a voar, senão adoraria citar.

Nos momentos em que a companhia foi realmente compartilhada, os voos individuais e os modos próprios de absorver a experiência foram determinantes. Cada um com seu cada um criou as condições onde os fluxos circundantes atravessaram simultaneamente ambos. E a satisfação foi plena por isso: em cada um o necessário se estabeleceu como recompensa.

Não tenho pretensões a puritano, então, diria que assemelha-se a uma espécie de clímax simultâneo no sexo.

De algum tempo para cá, as experiências extra muros de casa (minha ou de um familiar) têm sido tão escassas que ficaram meio perdidas da lembrança. E, em função de uma urgência desmedida da alma, adotei os voos virtuais para dar conta do que se apresenta à razão ou à emoção. E os meios, assim como os instrumentos, foram as imagens e os textos. Para os alados deixei a minha confissão das angústias.

Ainda gosto de encarar meus próprios desafios. Mas esse último período tem reservado outro movimento e precisei aglutinar questões daqueles que incluí como do meu mundo. Então, nada a reclamar. Vou lá e limpo, lustro e reafino este instrumento débil, e parto para desobstruir as cacofonias e construir sinfonias com os movimentos propostos pela vida.

Só assim consigo ser. E por ser um momento em que me permito o entendimento de que este é um encontro que vale a pena, me promovo plenitude e ela me aperfeiçoa.

Wellington de Oliveira Teixeira, entre 23 e 24 de junho de 2014.

* Agora é apenas nota de rodapé: …no meu mundo um troço qualquer morreu, num corte lento e profundo entre você e eu. E ficou tudo fora de lugar… (Cazuza — O nosso amor a gente inventa (estória de amor))

23 de jun. de 2014

Desapropriando a própria imagem

Máscaras, criado por Wellington de Oliveira Teixeira em 22-06-2014
Máscaras*, criado em 22-06-2014.

A coragem de viver:
deixo oculto o que precisa ser oculto e precisa irradiar-se em segredo.
Calo-me.
Porque não sei qual é o meu segredo.
Conta-me o teu, ensina-me sobre o secreto de cada um de nós.
Não é segredo difamante. É apenas esse isto: segredo.
E não tem fórmulas.

(Clacire Lispector — Água Viva, p.59)


Todos já falaram de máscara — concordo. — das artes teatrais nas quais somos os figurantes e ela a protagonista. Afinal, a própria identidade nos é desconhecida.

Esse antagonismo — que se precipita e deságua das alturas de desejar um si mesmo — é não perceber ou aceitar a própria multiplicidade estrutural ou a pluralidade na singularidade. As muitas possibilidades existentes em cada um ou essa inevitável esquizofrenia.

As aceitáveis justificativas sociais, a farsa do cidadão modelo. A aparência é o palco pouco antes do fechar as cortinas e os bastidores assumirem, como sempre.

Aprovação social atrelada aos círculos familiares, profissionais ou de amizades é o motriz de todo tipo de aparato maquiador da vivência. O refinamento extremo do fingimento, em outras palavras, a cortesia da hipocrisia nas relações. As pequenas ou grandes omissões da própria motivação sempre covardemente oculta pela tão bem vinda interface descaracterizadora. Personas que se instauram como personalidade ou disfarces adotados pela impossibilidade de encarar o medo estonteante do suicídio social.

Máscaras não aderem ao rosto, à alma. São inflexíveis as contraposições ao fluxo do ser e estar pleno que impedem o afirmar-se: é fundamental impedir a transitoriedade e a flexibilidade no modo com que nos identificamos, a verdadeira oferta de cada encontro. Por favor, entenda: um nadador apenas o é quando na substância líquida. Depois que inventam o desportista, sua prática se torna a sua máscara e o domina e o engaja a uma forma modeladora de vida.

Toda escolha ou determinação de papel é apenas máscara aderente: até mesmo a maternidade. O fluxo existe, a conexão é plena. Isso é o que basta na relação. Tudo o mais são costumes, formas temporárias de agir — que, comprovadamente, em cada época ganha formatos diferenciados.

Mas as máscaras permitem interpretações variadas. As artes nos ensinaram que, como elas, são uma fala cifrada que pode ser exposta e ocupa o lugar do não dito: máscara não é maldita; é o mal dito, aquilo que fica encoberto. Toda obra-prima é o que foi oculto em grau máximo, do sofrimento e dor à paixão e alegria — tudo o que permitiu o surgimento de um artista.

Como tudo, a máscara também tem faces. Seu lúdico uso recreativo, como a brincadeira de heróis, é prova de lucidez. Aquele disfarce necessário para ser o mocinho de verdade e vencer o mal na calada da noite. O aprendizado do como, quando e onde permitir-se.

O mesmo não pode se dizer do disfarce do terno no calor tropical, o enchimento das lingeries, apliques e tudo o que é fashion (ou retrô). O não você diário, a sobredeterminação de um modo de ser que desapropria a própria imagem. Aquilo que com sua repetição produz o assujeitado, o reacionário, assim como todos os que não ousam tomar a vida nas próprias mãos: apenas uma máquina que o sistema mantém pois é produtiva e reprodutiva da escravidão.

Wellington de Oliveira Teixeira, entre 22 e 23 de junho de 2014.

* Jung avalia na Psicologia Analítica que carregamos psicogeneticamente um inconsciente que é coletivo, herdado dos ancestrais mais primitivos, perpetuado em cada nova geração. Persona, animus ou anima, sombra e Eu são os estágios do desenvolvimento, seus arquétipos universais.
  • Persona ou máscara são os vários papéis sociais, as relações intrapessoais ou interpessoais. Liga-se à habilidade de convívio e atuações sem se estratificar ou adotar definitivamente uma.
  • Anima constitui o lado feminino da psique masculina, o Animus o lado masculino da psique feminina, e seu desenvolvimento continuado permite relacionamentos mais plenos.
  • Sombra refere-se a parte evolutiva e mais profunda. Mais poderoso — e potencialmente mais perigoso — dos arquétipos: os ferozes e vorazes ímpetos animais do ser humano que precisam ser domesticados no indivíduo.
  • Eu como principal arquétipo organiza a personalidade humana, unificando e harmonizando os demais, atuando nos complexos e na consciência.
O objetivo de qualquer personalidade é o estado de autorrealização e de conhecimento do seu próprio Eu.

22 de jun. de 2014

Ah, é só um recado.

Recado, criado por Wellington de Oliveira Teixeira em 22/06/2014.
Recado*, criado em 22/06/2014.

Mas, para meu desencanto, o que era doce acabou.
Tudo tomou seu lugar depois que a banda passou.
E cada qual no seu canto, em cada canto uma dor,
depois da banda passar cantando coisas de amor.

(Chico Buarque de Holanda — A Banda)

— Muitas vezes – disse ele resignado – tudo se afigura não só como se tivéssemos
duas maneiras diferentes de exprimir-nos e falar,
cada uma delas só podendo ser traduzida na outra em forma de insinuações,
porém, mais ainda, como se fôssemos dois seres absoluta e radicalmente distintos,
que jamais poderão chegar a se entender mutuamente.
Parece-me extremamente duvidoso apurar quem de nós dois seria propriamente o ser humano,
autêntico e de pleno direito, tu ou eu, se é que um dos dois o é realmente.

(Hermann Hesse — O jogo das contas de vidro, p.370-371)


Da minha janela eu vejo um céu lindo: azul, com nuvens e iluminado.

Lá no fundo tem alguém soltando cafifa, não muito hábil, tal como eu fui. Absorvo o fato: o sentimento estrutura a felicidade no momento.

Chatice são as antenas no alto dos prédios, só querem enroscar a linha que passa ao seu redor. Vida de cidade bem desordenada, a área de lazer é o meio fio asfaltado — o da casa do vizinho.

Desbota, para mim, as cores da felicidade alheia, que continua alheia a minha avaliação.

Há um povo chamado de brasileiro, cuja resiliência é ímpar, que possui a habilidade de tornar brinquedo qualquer lixo que encontrar pelo caminho. Na falta, se corre de um lado para outro, ou um do outro.

É uma chama que se acende no interior e teima em fazer mágica com a triste realidade que ainda cerca tantos: sua riqueza é a alegria.

Wellington de Oliveira Teixeira, em 22 de junho de 2014.

* Nenhuma proposta de vida política que despreze a capacidade de [re]criação dessa brava gente brasileira terá condições de permitir que sua felicidade aflore, onde quer que seja.

17 de jun. de 2014

Indizíveis necessários

Indizíveis necessários, criado por Wellington de Oliveira Teixeira entre 16 e 17-06-2014.
Indizíveis necessários, criado entre 16 e 17-06-2014.

O que os outros recebem de mim reflete-se então de volta para mim,
e forma a atmosfera do que se chama: eu.
A outra — a incógnita e anônima — essa outra minha existência que era apenas profunda,
era o que provavelmente me dava a segurança de quem tem sempre na cozinha uma chaleira em fogo baixo:
para o que desse e viesse, eu teria qualquer momento água fervendo.

(Clarice Lispector — A paixão segundo G.H., p.27)


Dizem que não se deve expressar sentimentos ou promover raciocínios ou debates quando se está em uma situação difícil, quando vivências ou acontecimentos ao seu redor são desestruturantes. Vou aceitar como verdadeiro, mas vou me dar a chance de apenas divagar sobre questões que pertencem à ordem da vida como as preferências por determinadas coisas que fazemos.

Gosto muito de me permitir elaborar novos sabores para os pratos mais tradicionais, ler algo bem fora de minha área de atuação, encarar o aprendizado de algo novo. É verdade que são atividades nem sempre voltadas para mim. Talvez porque quase sempre preciso agir e pensar em função do coletivo.

Mas me permito uma boa companhia, compartilhar o pensamento e ousadias metafísicas, promover avaliações que possibilitem raciocínios ou ações mais conscientes. Esse, sim, um lado mais egocêntrico meu.

Ver possibilidades onde muitos optam por adotar bandeiras de verdades ou mentiras foi a minha iniciação ou primeiro passo para situar realidade e ilusão como almas gêmeas da percepção — poderosas geradoras do mundo interior de cada um de nós.

O segundo, para esse conjunto de pensamentos, foi o desconstruir os rótulos — aquelas etiquetas coladas nas testas de [e por] tantos conhecidos — do tipo fulano é isso, sicrano é aquilo; esse é assim e o outro é assado. Fiz opção por não reafirmá-los em prol de colaborar especialmente no sentido de desterritorializar as pessoas, de desconstruir movimentos repetitivos e incapacitantes de transformação, típicos da sua aceitação ou reprodução.

O terceiro, construir elementos que me encorajassem a expressar o que tenho de essencialmente válido em cada momento de minha vida. Um conceito que já absorvi é o de que meus encontros me transformam, trazem desejos diversos, provocam reações inexplicáveis pela sua unicidade — entenda, é por isso que não posso ser o mesmo para todos sem me falsificar.

As verdades que digo são forjadas nessa estruturação e eu sei que mesmo aqueles conceitos que não desejo abrir mão carregam um quê de pura interpretação — a exclusivamente minha. É como se eu parasse a vida num instante e me permitisse perceber alguns detalhes que só eu vejo e aparecem como um brilho fugaz numa superfície qualquer. Se poetizo um pouco esse entendimento, diria ser aquele reflexo da lua no alto da onda que se forma no mar e que consegue nos cegar por um brevíssimo momento.

Talvez, e realmente talvez, aquela pontada que tira a respiração e nos faz dobrar, não importa aonde estejamos, seja uma das únicas metáforas que consigo admitir para não deixar de tentar citar aquela dor, aquele vago momento onde se perde o próprio pensamento e se deseja o impróprio e o indizível.

Ainda muito imprecisa essa ideia, mas eu acredito que aquilo que impede a passagem, a ida que é sem retorno é apenas uma blindagem transparente que construímos para que um fluxo de loucura não penetre a nossa alma.

Wellington de Oliveira Teixeira, em 17 de junho de 2014.

* Conceitos como os de desterritorialização estão presentes nas obras de Giles Deleuze e Felix Guattari. Cito alguns trechos para incentivar a pesquisa:

Um regime alimentar, um regime sexual regulam, antes de tudo, misturas de corpos obrigatórias, necessárias ou permitidas. Até mesmo a tecnologia erra ao considerar as ferramentas nelas mesmas: estas só existem em relação às misturas que tornam possíveis ou que as tornam possíveis.
(Deleuze e Guattari — Mil Platôs: capitalismo e esquizofrenia. vol. 2, p.31)

Os seres existentes se organizam segundo territórios que os delimitam e os articulam aos outros existentes e aos fluxos cósmicos. O território pode ser relativo tanto a um espaço vivido, quanto a um sistema percebido no seio do qual um sujeito se sente 'em casa'.
O território é sinônimo de apropriação, de subjetivação fechada sobre si mesma. Ele é o conjunto de projetos e representações nos quais vai desembocar, pragmaticamente, toda uma série de comportamentos, de investimentos, nos tempos e nos espaços sociais, culturais, estéticos, cognitivos.

(Guattari e Rolnik — Micropolítica: cartografias do desejo, p.323)

11 de jun. de 2014

Gritar o indizível

Indizível, criado por Wellington de Oliveira Teixeira entre 10 e 11-06-2014.
Indizível, criado entre 10 e 11-06-2014.

A arte é uma forma de o ser humano expressar suas emoções, sua história e sua cultura
através de alguns valores estéticos, como beleza, harmonia, equilíbrio.

(MEC — Arte na Educação de Jovens e Adultos)*

Não é que eu me arrependi, eu tô com vontade de rir;
Não é que eu me sinto mal, eu posso fazer igual.
Não é que eu vou fazer igual: eu vou fazer pior!
(Nem sempre se pode ser Deus — por isso que estou gritando.)

Não é que eu passei do limite, isso pra mim é normal;
Não é que eu me sinto bem, eu posso fazer igual.
Não é que eu vou fazer igual: eu vou fazer pior!
(Nem sempre se pode ser Deus — por isso que estou gritando.)

(Titãs - Nem sempre se pode ser Deus)


Não se cala à toa.

Forças incomensuráveis impedem o grito de escapar

dos recônditos da alma, sussurrar aos ouvidos da própria vida.

Constituídos os dóceis domesticados a sufocá-lo:

engolimos a dor para, em silêncio, digerí-la.

E a vida, que por muito espremida,

num supremo desespero, quer-se ainda:

se infiltra e constrói a rebeldia,

de cada ato ou expressão produz a súplica

para que a arte grite por nós

o indizível.

[pra ninguém ouvir.]

Wellington de Oliveira Teixeira, em 11 de junho de 2014.

* A publicação dedicada a orientação dos que trabalham com arte no EJA está disponível em
http://portal.mec.gov.br/seb/arquivos/pdf/eja_arte.pdf

9 de jun. de 2014

O que importa à vida

Substrato, criado por Wellington de Oliveira Teixeira em 09-06-2014.
Substrato, criado em 09-06-2014.

Em verdade, em verdade vos digo:
Não é o servo maior do que o seu senhor, nem o enviado maior do que aquele que o enviou.
Se sabeis estas coisas, bem-aventurados sois se as praticardes.
(Bíblia — João 13:16-17)

Com efeito, esse é o mistério da consciência.
Os seres humanos afastam-se desse mistério; nós nos afastamos da escuridão, das coisas que são inexplicáveis.
Encarar a nós mesmos em outros termos é loucura.
Portanto, não despreze o mistério do homem em você sentindo pena de si mesmo ou tentando racionalizá-lo.
Despreze a estupidez do homem em você, compreendendo-a. Mas não se desculpe por nenhum dos dois; ambos são necessários.
Uma das grandes manobras dos espreitadores é contrapor o mistério à estupidez que há em cada um de nós.

(Carlos Castañeda - O Fogo interior, p.177-178)


Fui tomado por um pensamento: Aprender o que importa à vida e não a mim mesmo.
Durante muito tempo a ordem da vida era a transformação, e tudo o que existia era fruto de um elemento anterior.

Assim foi o olho por olho, cujo entendimento era o de que para se gerar a vida era necessário uma vida; somente com a semente germinava uma planta, num ciclo da vida reiniciando com o que se denominou morte. Aquela visão de recomeço, pros antigos: a passagem de uma forma à outra, exigia o fim da anterior, cujo bom aprendizado era ofertado pelas borboletas.

Bem, de certa forma era a única opção existente até algum momento quando a Ordem gerou um novo estatuto, o da transmutação, e foi possível a transfiguração. Nele, o elemento básico não era de ordem física, nem espiritual, nem emocional, mas uma síntese inseparável de tudo o que havia, e, por sua essência, denominou-se amor.

Emissários apresentaram a nova Lei. Os que permitiram-se um novo modo de acesso à Ordem, descobriram seu poder regenerador, multiplicador e aperfeiçoador.
Essa seria a história que eu contaria, se tivesse a habilidade de contá-las de um modo convincente. Como tantas outras, buscando apenas espelhar um aprendizado de eras, que se acumulou nas tradições — as religiosas, inclusive — apenas para tentar demonstrar que o sentido da vida é a própria vida, mas em sua plenitude.

Como tudo que se combina e se transforma nas reações e sínteses de um corpo humano, apenas um espelhamento do que acontece no universo: um só corpo, uma só mente, um só espírito. A totalidade.

A nova Lei determinava que no que convencionamos denominar de partes constituintes — do mais ínfimo, nano ou outra palavra que defina o menor possível — estava o fundamento de tudo. Nela foi-nos apresentado o sentido do quem quiser ser o maior, seja como o menor, espelhe-se e aja no que há de mais simples. A reversão de um modo ser e estar estabelecido com a tecnologia da sobrevivência, a genética do mais adaptável, a preponderância do mais forte.

Os que dominavam no mundo de então estavam exauridos com a preocupação pela manutenção de seu poder que não podiam ter vidas próprias, sentimentos em seu estado mais puro — tudo girava em torno de uma perspectiva estratégica de trocas interessadas e manipuladas: me sirvam que eu os defendo; sacrifiquem-se e serão abençoados; seu sangue em troca da paz.

E com a fundação da nova ordem ocorreu a reversão, a possibilidade da aglutinação em prol do todo. Na busca da plenitude de cada um, o bem maior para o coletivo. E a lógica pôde ser aplicada em todas as esferas da existência. Não a igualdade para todos, mas a diferenciação máxima: conjuntos de células diferenciadas estruturando, por união, órgãos diferenciados, que desenvolvem funções que estruturam um conjunto e constituem uma totalidade. Todos plenos, todos exercitando seu potencial máximo, todos solidários.

Foi assim que seu fundador demonstrou que a beleza do mundo e sua sustentação e plenitude não podem existir sem seu substrato: a energia. E a energia deste novo mundo era o amor.

Wellington de Oliveira Teixeira, em 09 de junho de 2014.

* Há diversas visões que tentei aglutinar nesse texto. Práticas dos antigos e dos novos xamãs, sacerdotes ou pensadores.
Penso que não precisamos jogar fora as lições, do mesmo modo que não precisamos repetir as práticas ou costumes apenas por si mesmo. Não devemos temer ser os produtores de um novo modo de lidar com os velhos problemas.
Apenas isso: o aprendizado que ultrapassa o si mesmo é o que importa à vida.

7 de jun. de 2014

As lentes e a visao

Lentes, criado por Wellington de Oliveira Teixeira em 07-06-2014
Lentes, criado em 07-06-2014.

E chegou a Betsaida; e trouxeram-lhe um cego, e rogaram-lhe que o tocasse.
E, tomando o cego pela mão, levou-o para fora da aldeia;
e, cuspindo-lhe nos olhos, e impondo-lhe as mãos, perguntou-lhe se via alguma coisa.
E, levantando ele os olhos, disse: Vejo os homens; pois os vejo como árvores que andam.
Depois disto, tornou a pôr-lhe as mãos sobre os olhos, e o fez olhar para cima:
e ele ficou restaurado, e viu a todos claramente.

(Bíblia — Marcos 8:22-25)


Veja bem: os olhos enxergam de acordo com o conjunto de lentes de que ele dispõe. Concordam com a afirmação 100% dos usuários de óculos ou lentes de contato e daqueles que trabalham com microscópios ou telescópios. Mas introduzirei uma outra categoria, a de quem exercita o pensamento crítico.

Diariamente somos expostos a um conjunto imenso de imagens. Imagens brutas ou inocentes, até que passam pelo filtro das edições — e são várias. Me guiarei na lógica por um princípio antigo e um texto atribuído a Jesus, que absorvi: há os quem tem olhos e veem — fica subtendido que há os que não conseguem ver bem mesmo tendo olhos.

Aprimorar o mecanismo que nos permite perceber mais do que o sensível — aquilo que parece ser evidente — é percebermos o fundo do palco, o tipo de iluminação, as cores escolhidas, a trilha sonora, e tudo o mais que produz a transformação de seu sentimento: a manipulação do dado para criar um determinado tipo de informação, um determinado modo de reagir — o que chamamos de aceitação.

Todo mundo sente, mas nem sempre percebe, que é o efeito da sonorização do filme de terror que faz a cena tão impactante; idem para o beijo no final do filme romântico. Talvez nem perceba que o mesmo acontece nos jornais televisivos: a cena original foi cortada, editada, destacada nos trechos que interessam aos seus editores — acredite!, eles também tem preferências políticas e acordos comerciais.

Não são apenas os vilões que se utilizam do recurso: você se veste, se perfuma, usa uma determinada combinação de roupas e acessórios quando pretende encontrar com alguém ou mesmo influenciar pessoas (profissionalmente ou não).

Somente com o uso da crítica — há sempre o positivo e o negativo em cada proposição — que suas opiniões poderão ultrapassar a repetição dos argumentos preparados e emitidos pelos âncoras ou formadores de opinião. Fique muito atento, também, às peças de divulgação produzidas pelos marqueteiros escolhidos por cada partido ou alianças locais. Todos se utilizam dos mesmos recursos, todos querem o mesmo: cativar você.

Você sabe o que significa estar cativo? É estar seduzido, aprisionado, escravizado. É perder a liberdade. É sujeitar-se.
Me permita uma pequena pausa no fluxo do texto para dizer: É por isso a raiva que sinto de que esta tenha sido a palavra escolhida na tradução do Pequeno Príncipe, num dos textos mais famosos do mundo, inclusive a ação proposta a seguir, a de enlaçar (ser preso ou capturado por laços). A expressão não deixou de ser verdadeira: você escravizou, agora se responsabilize! [Isso vai dar panos para mangas… certamente!]. Estabelecer conexões e ser cuidadoso nas relações é bem diferente do que a tradução-traição do original sugeriu.
Agora o outro lado: é preciso descontar muito ao avaliar o contexto e o período em que foi escrito. Eram outras épocas, outros modos de entender relacionamentos como amizade, namoro ou casamento. Viu? Até aqui, utilizar-se de crítica ajuda a entender as lógicas subjacentes ao que se vê.

A proposta que percorre esse texto é simples: há muitos e diferentes tipos de interesses ao seu redor — a seu critério, bons ou ruins — e você precisa estar atento para não se deixar levar inocentemente. Astúcia e prudência são o remédio para a questão (retornei ao meu aprendizado original). Citarei uma narrativa onde tentaram encurralar Jesus*: os impostos. Atento, percebeu a armadilha que haviam preparado, respondeu a questão separando-a em suas partes constituintes: distingua o que é de fé e o que é mundano ou secular (A Deus o que é de Deus e a César o que é de César!).

Muitas das consequências do fundamentalismo vem exatamente por não ser capaz de distinguir essa questão. Optaram pela letra morta e não o seu sentido. Decidiram ignorar todo o contexto que envolvia o momento da narrativa.

Ou receberam lentes ruins ou as utilizam para enganar. Fariseus dos tempos modernos?

Wellington de Oliveira Teixeira, em 07 de junho de 2014.

* Então, retirando-se os fariseus, consultaram entre si como o surpreenderiam nalguma palavra;
E enviaram-lhe os seus discípulos, com os herodianos, dizendo:
Mestre, bem sabemos que és verdadeiro, e ensinas o caminho de Deus segundo a verdade,
e de ninguém se te dá, porque não olhas a aparência dos homens.
Dize-nos, pois, que te parece? É lícito pagar o tributo a César, ou não?
Jesus, porém, conhecendo a sua malícia, disse: Por que me experimentais, hipócritas?
Mostrai-me a moeda do tributo. E eles lhe apresentaram um dinheiro.
E ele diz-lhes: De quem é esta efígie e esta inscrição?
Dizem-lhe eles: De César. Então ele lhes disse: Dai pois a César o que é de César, e a Deus o que é de Deus.
E eles, ouvindo isto, maravilharam-se, e, deixando-o, se retiraram.

(Bíblia — Mateus 22:15-22)

5 de jun. de 2014

A pele que cobria o monstro

Monstro atrás da pele, criado por Wellington de Oliveira Teixeira em 05-06-2014.
Monstro atrás da pele, criado em 05-06-2014.

Se buscarmos um paralelo para a lição da teoria atômica […]
[devemos nos voltar] para aqueles tipos de problemas epistemológicos com os quais já se defrontaram,
no passado, pensadores como buda e Lao Tsé em sua tentativa de harmonizar nossa posição
como expectadores e atores no grande drama da existência.

Niels Böhr (Nobel de Física, 1922) — Atomic, Physics and Human Knowledge, p.20 (*)

Todo rótulo é um crime contra o arbítrio por ser uma tentativa de usurpar a liberdade do outro, o que o torna livre: essa transmutação sui generis à humanidade.

Quantos tons de cinza você acha que eu deveria contar para dar conta da realidade. Você certamente já percebeu que nada é preto no branco (mesmo que você seja um adolescente idealista e tomado por uma causa!).

As vivências, em si, como letras no papel, são apenas um conjunto de símbolos que formam palavras. Mas cada uma não vale por si, depende do seu contexto, E contextos são — com texto ou não — indissociáveis de uma apreciação ou avaliação. Uma página em branco pode significar um 'não sei o que dizer'.

Em determinado momento você crê em algo. O que constitui em você essa crença está para além do que racionalmente você possa controlar: milhares de experiências que possuem um corpo como suporte — interagindo com as [d]eficiências que lhes são inerentes e estruturantes.

Ou você vai me dizer que cegos ou surdos ou paraplégicos constituíram o seu saber viver do mesmo modo que alguém que não possui essas questões para enfrentar? Posso questionar também com relação aos que constroem sua vida com base num lar amoroso e cuidadoso ou degradado por todo tido de má relações ou de drogadição.

Está mais do que provado que nenhuma estrutura, em si, é determinante do que alguém vai ser, crer ou viver. Há influência, e possivelmente forte, mas não é garantido porque simplesmente não é possível prever. Por mais que seja uma tentação acreditar, nada — absolutamente nada da ordem física ou emocional — pode ser determinante da construção de um ser.

Não sei se um monstro toma o corpo das pessoas ou se elas apenas retiram a pele que o cobria — me recordei da metáfora 'lobos em pele de cordeiro' —, mas todas as pessoas quando se transtornam se transformam diante de determinadas situações, especialmente das indeterminadas ou das que as surpreende.

Pense bem: todas! Isso soa muito mal. Provoca náuseas. É duro de tragar. Mas é a verdade. Variamos na escala da realidade: nem bons nem maus — simplesmente humanos.

Considerando as relações cotidianas, alguns são mais eficientes em cuidar da questão, alguns mais capazes de manter enjaulada a vilania, muitos deslizam ao sabor das intempéries ou das bonanças. E esse muitos somos eu e você. Não creio que o mal nos constitui, tampouco somos feitos apenas do que é bom. O custo que o dom do arbítrio exigiu foi esse: sermos estruturalmente neutros.

Repare que até aqui não citei espiritualidade (por favor, não se precipite com as críticas!), a estruturação genética e a apropriação individual de uma psiquê carregam esse fardo. Exatamente o dos vocábulos. Coloque o seu nome à esquerda, à direita os adjetivos e classificações. Isso mesmo, se dicionarize. Faça isso quando estiver alegre, o mesmo quando triste e a seguir com raiva. A transmutação que você sofrerá ainda não será suficiente para mostrar o quanto você pode deslizar nos significados que você mesmo entende como definidores de sua personalidade ou o seu si mesmo.

Imagine as seguintes relações: você + um desafeto; você + o amor de sua vida; você + seu mentor preferido; você + um criminoso. Você = você? o você é o mesmo que o seu ideal (Você)?

Mesmo que tente se dizer o tempo todo 'Vou Ser!', não é apenas improvável, é algo impossível de se obter porque em sua constituição está a escalaridade e a ressignificação. Explico:

— você pode ser mais ou menos bondoso, triste, saudável etc.;
— você pode ser outro de acordo com o encontro que efetua: encontros nos definem e espelham quem somos nos momentos de sua duração.

Depois a imagem borra, a estrutura se desfaz, você retorna à estaca zero. Outra oportunidade. Tudo de novo.

Todo novo, decida-se, escolha, lute e conquiste o que tornar-se.

Não é o simples 'fulano é bom e sicrano é mal' e, por mais que você queira rotular — porque isso enganadoramente parece facilitar a vida —, não basta. É o trilhar um aperfeiçoamento pessoal, de descoberta em descoberta o que chamamos de amadurecer. E a incongruência dessa questão é que ninguém se torna melhor porque maduro, mas porque decidiu — vez após vez — por dar um determinado direcionamento à vida e foi capaz o suficiente de manter a rota, mesmo com tantos desvios promovidos pelos obstáculos encontrados.

Viu? Livre arbítrio, não arbitragem. Não seja juiz de ninguém, nem de você mesmo.

Wellington de Oliveira Teixeira, em 05 de junho de 2014.

* Em relação à questão epistemológica, sugiro a leitura do texto de Akiko Santos (Laboratório de Estudos e Pesquisas Transdisciplinares — UFRRJ): Complexidade e transdisciplinaridade em educação: cinco princípios para resgatar o elo perdido. Disponível no Scielo:
http://www.scielo.br/pdf/rbedu/v13n37/07.pdf/

4 de jun. de 2014

Intrinseco

Intrínseco, criado por Wellington de Oliveira Teixeira em 03-06-2014.
Intrínseco, criado em 03-06-2014.

Intrínseco pode ser definido como o que está no interior, no âmago, no íntimo;
profundamente inerente, imanente, inseparável e constitutivo
e que é essencial para sua existência.


A Física teórica moderna […] colocou nosso pensamento acerca da essência da matéria
num contexto diferente. Ela desviou nosso olhar do que é visível — as partículas —
para a entidade subjacente, o campo. A presença da matéria é
acidental, poder-se-ia dizer, um mero 'defeito'. Assim, não existem leis
simples que descrevam as forças entre as partículas elementares.
[…] A ordem e a simetria devem ser buscadas no campo subjacente.

Walter Thirring — Urbausteine der Materie, p.160
(citado por Fritjof Capra - O Tao da Física p.163)


Somos formados por diversos elementos combinados em função de arranjos únicos num determinado complexo que constitui-se num espaço-tempo. Em nível probabilístico, um impossível de se repetir. Não por impossibilidade de clonagem ou reprodução como variável industrial, mas por conta dos invisíveis constitutivos de uma psiquê.

Exclusividade é uma característica da alma.

Em algum momento da vida, acontece de permitirmos um composto aditivo, uma recombinação, ao permitirmos um entrelace, em nosso âmago, com algo que é diverso de si mesmo. Às vezes, a impressão é de ser tomado. Essa química que ocorre — e há quem defenda ser supervalorizada pela reação que acontece no cérebro —, estranhamente se manteve nos últimos séculos posicionada no coração.

Só que o encantamento não necessariamente é relativo aos relacionamentos humanos, não! Há aqueles que em sua profunda conexão com a Ordem universal se redefinem. Outros, tomados por causas consideradas de grande magnitude, refazem o percurso de suas vidas.

Amar é algo que promove transcendência e, por um feliz contrassenso, torna-se o que há de mais intrínseco em alguém.

Quem vive relacionamentos profundos, em escalas e modos diversos, sabe que o amor em si — se é que tenha existência sem um ser — se afirma neles. Possivelmente, por isso, se diz que um pedaço foi arrancado de si, na ausência do promotor deste amor.

A dor como lição, nessa hora, remete ao ensinamento Zen: Você pode produzir o som de duas mãos batendo uma na outra. Mas qual é o som de uma das mãos?

Wellington de Oliveira Teixeira, em 03-04 de junho de 2014.

* Há quem torne-se intrínseco à nossa vida, não podendo mais ser retirado sem que haja falência do ser: uma consequência da eternidade do amor.

3 de jun. de 2014

Posição, direção e determinação

Atomizando, criado por Wellington de Oliveira Teixeira em 02 de junho de 2014.
Atomizando, criado em 02-06-2014.

O homem é uma corda, atada entre o animal e o além-do-homem — uma corda sobre um abismo.
Perigosa travessia, perigoso a-caminho, perigoso olhar-para-trás, perigoso arrepiar-se e parar.
O que é grande no homem, é que ele é uma ponte e não um fim:
o que pode ser amado no homem, é que ele é um passar e um sucumbir.
[…] Amo Aqueles que não procuram atrás das estrelas uma razão para sucumbir e serem sacrificados:
mas se sacrificam à terra, para que a terra um dia se torne do além-do-homem.
Amo Aquele que vive para conhecer e que quer conhecer para que um dia o além-do-homem viva.
E assim quer ele sucumbir.

(Nietzsche — Trecho de Zaratustra, prefácio §4, ano de 1883)


Escolher um caminho a seguir é o que sempre recomendo a todos que se veem diante de escolhas muito díspares, ou que conflituam os sentimentos, pensamentos e relações sociais. E quando — quase sempre — ouço 'Falar é fácil!', sou o primeiro a concordar. Ainda assim, mantenho a proposição inicial.

Certa vez, alguém me confrontou com uma frase que soou o gongo interior: 'você é um masoquista!'. O porque de soar é inteligível, uma vez que em sociedade abrimos mão do desejo puro e simples em prol de uma coletividade. No meu caso, a de suma importância para mim — a família.

O quanto vale a pena ou não é algo variável. Encarar os momentos solitários tende a diminuir, enquanto os de convívio a maximizar. Certamente, a questão se espelha em cada um que encarou a questão — talvez, todo o mundo.

Direcionar as ações com base na razão pura e simples é o maior criador de recalques que conheço. Cada desejo reprimido se anexa aos anteriores acumulando mais um grau na escala da insatisfação. Certamente você conhece pessoas que julgam todo mundo o tempo inteiro, os primeiros a jogarem a pedra, os que ignoram seus erros apontado os demais. Devo dizer sinceramente: seja piedoso com eles, são os que mais estão sofrendo.

A questão se encaminha mais para como canalizar a energia do desejo, em que momentos acatá-la e como utilizar o potencial que lhe é inerente.

Para avaliar a proposta, não é necessário ir muito longe, já que alimentação é um exemplo simples e preciso: comer o que se gosta, sempre, gera problemas sérios. Basta avaliar as consequências — físicas, sociais, emocionais, financeiras e outras mais — para a si mesmo e para os que estão ao seu redor (em especial nos casos em que se torna uma questão de doença).

Tentei me posicionar a respeito, quando da criação da imagem (para ver esses detalhes, clique nela com a rodinha do mouse).
  • Sabe aquela plantinha do bem-me-quer—mal-me-quer?
  • Sabe a órbita que o elétron faz em torno do núcleo do átomo?
  • Já viu uma rosa dos ventos ou utilizou uma bússola?
  • Já encarou um paredão de rochas durante uma caminhada pela areia de uma praia?
Tudo isso me remete a posicionamento. Exatamente o que é necessário ter diante das questões da vida. Não se escapa: em cada situação encarada, haverá as perdas e danos como, também, seu oposto ganhos e restauração. Simultaneamente.

Fugir, fica claro por esse raciocínio, não resolve a questão, muito menos a adia — a faz piorar. É como o medo de um fantasma que paralisa. Só piora quando não encarado.

Todos temos nossos fantasmas e medos. Sabemos o terror que nos causam. Vi um filme em que ensinavam uma criança a ter coragem de se levantar da cama e acender a luz, quando sofria de terror noturno e tinha pesadelos imobilizadores e catalizadores de reações físicas muito fortes. Envolvia diretamente posicionamento e direção, junto com uma determinação construída por uma tática simples.

Com os olhos fechados, pense naquilo que tornou o seu dia mais legal, levante-se da cama e se prepare para ir em direção ao interruptor. Em 5, 4, 3, 2 , 1.

Abra os olhos, vá e acenda a luz!

Wellington de Oliveira Teixeira, em 03 de junho de 2014.

* Esse texto acabou antecipando o que gostaria de fazer para homenagear meus familiares que aniversariam no mês de junho.