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25 de ago. de 2018

O fluxo e as percepções

O Fluxo e as percepções criado por Wellington de Oliveira Teixeira em 08-08-2018
O Fluxo e as percepções*, criado em 08-08-2018.

Existe um ser que mora dentro de mim como se fosse a casa dele, e é. Trata-se de um cavalo preto e lustroso que apesar de inteiramente selvagem – pois nunca morou antes em ninguém nem jamais lhe puseram rédeas nem sela – tem por isso mesmo uma doçura primeira de quem não tem medo: come às vezes na minha mão. O seu focinho é úmido e fresco. Eu beijo o seu focinho. Quando eu morrer, o cavalo preto ficará sem casa e vai sofrer muito. A menos que ele escolha outra casa e que esta casa não tenha medo daquilo que é ao mesmo tempo selvagem e suave. Aviso que o cavalo não tem nome. Basta chama-lo e acerta-se logo com o nome. Ou não se acerta, mas uma vez chamado com doçura e autoridade, ele vai. Se ele fareja e sente que um corpo-casa é livre, ele trota sem ruídos e vai. Aviso também que não se deve temer o seu relinchar: as pessoas enganam-se e pensam que são elas mesmas que estão a relinchar de prazer ou de cólera, as pessoas assustam-se com o excesso de doçura do que é isto pela primeira vez.
(Clarice Lispector — Uma aprendizagem Ou O livro dos prazeres, p.28-29)


Apenas alguns — conscientizados de que há sentidos e possibilidades disponíveis e presentes em esferas de vida compartilhada — ousaram ativar a vontade, em si, de viver. Mais potente que impulso ou desejo, a vontade exige o envolvimento total do ser na sua consecução.

Seres vivos em escalas do hiper micro ao hiper macro, orgânicos ou inorgânicos, produzem a integração numa rede que estabelece os mundos. Há acontecimentos ou forças, inclusive as inacessíveis ou imperceptíveis, que induzem os fluxos de energia à coesão ou integração formando conexões persistentes.

Pontes de cordas é uma possível metáfora para esse processo. Vias que se estruturam individualmente, mas que, de algum modo, se lateralizam, quase como um percurso de trilhos paralelos: as realidades produzidas por cada um atingindo, se acoplando, se integrando a um todo.

Em uma comparação frágil com os órgãos de um corpo, as cordas ou vias individuais são elementos (do nano ao macro) que efetuam suas vivências geralmente desapercebidos de sua inserção|integração com agrupamentos|conjuntos cada vez mais amplos.

Identifico, em uma maioria, processos de grupos hiperestruturados – são funcionais, como os das formigas e abelhas, com práticas preestabelecidas e estritamente determinadas: um balé, um dança. Mas vibro com os coringas, aqueles capazes de se restruturarem para atuar diversificadamente (pense numa célula tronco, rizomas, e os duplicadores de si quando algo os mutila).

A constituição da individualidade necessita da ilusão de isolamento – fundamental para constituição de vias funcionais específicas –, que de modo recorrente inviabiliza a percepção hiper macro ou cósmica de forças como a empatia, o acolhimento, o cooperativismo como os constituintes essenciais da Ordem.

Os desafiantes da morte são todos os seres que se utilizam dessas forças para refazerem pela aglutinação | transformação | regeneração de suas estruturas e capacidades. Dito assim não parece grande coisa, mas é o real milagre do que se engendrou como a vida, e seres em diversos níveis o compartilham: minerais, vegetais, animais, apenas na esfera do espectro visível (e evitando invadir espaços mais amplos, como os escancarados com os estudos do eletromagnetismo e dos multiversos).

Me agrada a sensação de ser pleno e persistente (afinal, quantos já contabilizaram quase 57 anos?). A vida é algo incrível com tantos altos e baixos, dores e alegrias, saúde e doenças (equilíbrio|desequilíbrio). Especialmente as estabelecidas por conta de conexões como as paixões e as composições ativas (puro efeito da vontade). Identifico tantos pontos de interseção com forças e seres que me potencializaram e, ainda hoje, o fazem. Há um fluxo que perpassa tudo isso. Apenas o pressinto ou intuo, mas não sei definí-lo.

Perceber é algo mágico. Os brilhos minguam ou se expandem e o fluxo segue indiferente ao que se passa, assim como nós em relação à operacionalidade dos nossos corpos, por ser apenas aquilo que o constitui. Mas até essa certa inconsciência é fundamental para tornar a vida mais rica quando as suas infinitas possibilidades se apresentam nos momentos em que senciência e a inserção no todo vêm à tona.

Wellington de Oliveira Teixeira, em 25 de agosto de 2018.

* Ao final de 2017, me propus tornar o ano de 2018, um de transformações e transições. Já na virada, fui surpreendido por roubo violento que me levou ao hospital, inconsciente. A elaboração do fato tornou mais forte essa vontade de afirmar a vida e de realizar as minhas propostas. A atual transformação na casa visibiliza muito o que aconteceu em mim, por ter me proposto e conseguido realizar o seu projeto, além de construir os móveis que me cercam. Contei com colaboração, especialmente nas pinturas (Beto e Diego) e de Gilmar (sempre ela!) na expansão das minhas ideias.
Estou na fase final de decoração. Nela, pego cada elemento anterior, o reavalio e construo um modo de incluí-lo na nova etapa ou excluí-lo, se não me representa mais (♫ Eu joguei tanta coisa fora, vi o meu passado passar por mim… – Paralamas do sucesso). Tudo que foi reciclado ou permaneceu intocado (não precisava mudar nada!) está me envolvendo, agora. Mais que satisfeito, estou feliz com o resultado. Bem… até a próxima proposta me atirar em outra empreitada.