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23 de abr. de 2016

Símbolos para exclusão e eliminação

Marcas da exclusão, criado por Wellington de Oliveira Teixeira em 23-04-2016.
Marcas da exclusão *, criado em 23-04-2016.

Virgílio Gaivota, você tem a liberdade de ser você mesmo, seu verdadeiro ser, aqui e agora, e nada pode detê-lo. Esta é a Lei da Grande Gaivota. A Lei que É.
— Está dizendo que eu posso voar?
— Eu digo que você é livre.
Tão simples e rápido como essas palavras, Virgílio Gaivota abriu as asas, sem esforço, e ergueu-se no ar. O bando, adormecido, foi acordado com o seu grito, tão alto quanto ele pode articulá-lo, de 150 metros de altura:
— Eu posso voar! Escutem! EU POSSO VOAR!

(Richard Bach — Fernão Capelo Gaivota, p.81)

Uma marca, uma runa ou um ídolo, potencialmente, carregam uma mensagem positiva. E muitos acreditam que gerar um símbolo para representar ideias essenciais à vida pode perpetuá-las. De um modo fatal, corrompidos pela ideia de difundir e preservar as suas, ignoram que pessoas diferentes também constituirão símbolos para representar ideias de igual importância. Pior. Boas ideias, consumidas por más interpretações, transformam-nas em motor de perseguições.

Os conceitos não são errados ou ruins. É que humanos são mestres em esquecer os princípios originários, assumir postos de guardas ou representantes e adotar práticas que não os corroboram. Por isso, a história elenca diversos tipos de cruzes e cruzadas. Também o é na atualidade. E em comum, como legado inegável, fica o rastro de agressões e mortes.

De novo, vemos cores ou símbolos utilizados para a segregação. Racha-se os fundamentos e as essências — igualdade, liberdade, fraternidade, por exemplo — seguindo-se lideranças ou representantes que, dizendo incorporar tais conceitos, encaminham a população em direção oposta. E vertemos, em nome do amor, o ódio; citando divindades ou afirmando retidões, a exclusão.

Hipocrisias modernas, elegemos corruptos para agirem em conformidade com o que pensamos, não em nome da verdade — o egocentrismo sacraliza o inenarrável. Se é bom para mim, não interessa se produzirá o bem-estar coletivo. Ignora-se até o princípio considerado essencial, o de amar, simultânea e igualmente, ao próximo.

Sistemas, causas, ideologias precisam se manter na esfera de conceitos e irradiar sua energia impregnando ações diretamente conectadas com eles. Não precisamos de líderes, de representantes, regentes se apropriando da fé das pessoas e induzindo-lhes a práticas nefastas. É necessário apenas pessoas que se conscientizem de sua humanidade, que busquem de forma saudável dar vazão aos sentimentos de ódio produzidos pela realidade e não projetá-los em um outro (só porque ele é diferente).

Os fim-de-mundo constantes em todas as profecias reafirmam isso: é um fardo humano corromper tudo o que objetiza. Ao sair da grande esfera dos absolutos ou dos incorpóreos e ganhar status de símbolos humanificados, estes incorporam as graves doenças de alma daqueles que os estabeleceram. Ao fim, destruição e desagregação: irmão contra irmão, filhos contra pais, amigos transformados em inimigos e, todos os que ficarem à margem, excluídos ou eliminados.

Wellington de Oliveira Teixeira, em 23 de abril de 2016.

* Há uma forma especial de expressão da ambiguidade da inclusividade nas igrejas, que é a exclusão das pessoas que professam uma fé diferente. O motivo disso é óbvio: toda igreja se considera uma comunidade de fé sob um conjunto de símbolos, e exclui símbolos concorrente. Sem esta exclusão, ela não poderia existir. Mas esta exclusão a torna culpada de uma adesão idólatra a seus próprios símbolos historicamente condicionados. Por isso, sempre que se faz sentir a Presença Espiritual, começa a autocrítica das igrejas em nome de seus próprios símbolos. Isso é possível porque em todo símbolo religioso autêntico há um elemento que julga o símbolo e aqueles que o usam. O símbolo não é rejeitado, mas criticado e, com isso, transformado. Ao criticar seus próprios símbolos, a igreja expressa sua dependência da Comunidade Espiritual, seu caráter fragmentário e a contínua ameaça de incorrer nas ambiguidades da religião que deveria combater.
(Paul Tillich — Teologia Sistemática, p. 653)

22 de abr. de 2016

Histórias interrompidas

Torturados, criado por Wellington de Oliveira Teixeira em entre 16 e 22-04-2016
Torturados*, criado entre 16 e 22-04-2016

Corpos distorcidos, desfigurados
ocupam valas, sem cerimônias, largados
irreconhecíveis ou carbonizados;
mentes laceradas, mutiladas,
almas despersonalizadas;
famílias desconfiguradas,
histórias interrompidas e
a sociedade se cala, corrompida.
(Wellington de Oliveira Teixeira — Torturados)


É impossível aceitar a relativização, comparações espúrias: tortura não é batalha, não é combate, não é disputa de projeto, não é ideologia, não é meio mas um fim em sim mesma que satisfaz os que dela se comprazem e não apenas os que a perpetuam.

Talvez seja demasiado humana, o fundo do esgoto da alma que brota, emerge, alcança a superficialidade e os discursos dos que não merecem respeito nem consideração, mas que consciências midiatizadas adotam.

— ainda assim, insisto em provocar-lhes o mínimo de sentimentos, desempedrar seus corações, minimizar sua cauterização, exercer de modo consciente um amor que vê o que os olhos não mais conseguem, a mente declina, a alma afasta. Não busco afirmação no campo moral ou pessoal. Sou movido pela ética da vida: toda e qualquer vida é importante, não apenas aquelas que eu avalio sob qualquer ponto de vista.

O faço por consciência de que sintonizar tal frequência de energia promove o absorver, o contaminar-se e submergir em sua podridão. É preciso resistência à barbárie. Os recursos do conhecimento atual não disponibilizam solução, mas em algum momento o poderá fazê-lo. Sonho com a cura para esses indivíduos cujos transtornos mental, de alma e espírito os impelem a incessantemente atuar ou apresentar suas grotescas ideias como se fossem admissíveis.

Antes que me acusem de passividade ou inatividade perante os descalabros presenciados na Casa (que deveria ser) do Povo, vou lutar com peito aberto contra o produto da degenerescência da alma que ainda acalenta correntes de pensamento — extremismos e fundamentalismos estão varrendo a humanidade, e têm representantes bem claros no país.

Mas é inegável que o golpe já foi perpetrado, a beleza de alma foi corrompida, basta ver a nova geração adotando a apologia da tortura. Espíritos embotados, são frutos das hipocrisias e dos discursos de ódio que penetraram a divisão da alma e do espírito envenenando a fonte da vida.

Em outro momento, isso bastaria para eu baixar os escudos, encostar armas e afirmar 'que recebam a sua recompensa'. Só que isso não é uma luta pessoal, urge me superar. Adoto a via do retiro e do silêncio interior que permite manipular o fluxo que percorre todos os seres. Ao acendê-lo, reaprendo que ele é de vida e não de morte!

Uma decisão soberana finalmente ocorre: avaliar as peças espalhadas e o estrago produzido; afirmar que não é de salvadores de pátria que precisamos, é de uma frente coletiva de sujeitos do próprio processo de vida; visibilizar em conjunto a atuação de uma vontade potente para reencaixá-las.

Não é momento para esmorecer o ânimo (guerreiros não desperdiçam o precioso tempo que possuem). Una-se aos que promovem vida e harmonia, que respeitam as singularidades que fortalecem, combinam e compõem e, por esclarecimento, convença os que lutam pelo contrário.

Wellington de Oliveira Teixeira, em 22 de abril de 2016.

* Convido todxs a clicar na imagem e observar os detalhes espalhados (há uma versão maior disponibilizada em separado)

3 de abr. de 2016

Escudos e barreiras

Escudos, criado por Wellington de Oliveira Teixeira em 26-03-2016.
Escudos, criado em 26-03-2016.

Barreira
Obstrução, alfândega (posto fiscal), controle de tráfego, trincheira, limite, linha de defesa (futebol). tudo que for usado para definir certo fluxo de elementos, impedindo alguns e permitindo outros e definindo quantidade e velocidade necessárias a um determinado equilíbrio.


Assistir filmes de ficção científica ou de batalhas ajuda a perceber a importância dos escudos como mecanismo de defesa. Assim como ter contato com alguns casos de transtornos mentais, para constatar que seu uso exagerado promove o aprisionamento em seu interior.

A natureza ensina a necessidade das trocas que fortalecem, nutrem e geram a capacidade de enfrentar elementos hostis que ultrapassam a verificação inicial enganando o sistema de defesa.

Relacionamentos desequilibrados intoxicam a alma: quem por paixão abriu mão de si, o atesta. Por falta de maturidade ou por desconhecimento que o mundo se sustenta nas trocas balanceadas, muitos agem impulsivamente e avançam para os extremos — aqueles pontos que fogem à interação da razão com a emoção. Aliás, são as intempéries emocionais que fazem com que alguém se afogue ou não escape de um incêndios, mesmo quando a solução está ao alcance e evidente.

A vida plena é obtida pelo equilíbrio. Ao contrário de hospitais, onde as pessoas estão com sua imunidade incapacitada, nos ambientes cotidianos assepsia demais é contraproducente: uma pequena dose dos 'maus elementos' ensina o corpo a se defender — o princípio das vacinas.

Permeabilidade é uma palavra para determinados mecanismos de trocas. Na biologia, a semipermeabilidade é a capacidade de filtrar as quantidades em nível ideal dos elementos que entram, erguendo uma barreira contra os excessos. Uma alegoria que pode e deve ser usada em relação ao mundo atual, onde os extremismos estão nos reconduzindo à barbárie(*), é a de vírus e bactérias, que convivem harmonicamente em nossos corpos, tornam-se inóspitos quando se reproduzem massivamente produzindo doenças crônicas ou fatais.

Ao invés de omitir-se, ignorar ou se fechar como proteção, é mais eficiente gerar colaboração, reunir forças para gerar um escudo de positividade, as redes de intervenção e apoio aos submetidos às adversidades, aos ódios, às intolerâncias, aos preconceitos e agressões.

Em outro front de atuação, de modo similar ao aprendizado do corpo humano, que aos poucos discerne o que é veneno do que é alimento, a quantidade da droga que cura da que mata, campanhas de esclarecimento podem minimizar os descontroles via multiplicação: cada um que aprende ensina a vários outros.

Promover o equilíbrio consciente e crítico entre uma ação e a reação desencadeada pode ser o ponto chave para evitar os desgastes, as iras despropositadas, as más interpretações, os desentendimentos e as agressões. Isso porque para ser saudável, em todos os níveis, agir preventivamente é tão eficaz quanto ter um escudo de alta capacidade. Ou mais.

Wellington de Oliveira Teixeira, em 03 de abril de 2016.

* Adorei reencontrar você, minha linda Simone!

2 de abr. de 2016

A produção do indigno

Indigno, criado por Wellington de Oliveira Teixeira em 01-04-2016.
Indigno*, criado em 01-04-2016.

[…] temos por dignidade da pessoa humana a qualidade intrínseca e distintiva de cada ser humano que o faz merecedor do mesmo respeito e consideração por parte do Estado e da comunidade, implicando, neste sentido, um complexo de direitos e deveres fundamentais que asseguram a pessoa tanto contra todo e qualquer ato de cunho degradante e desumano, como venham a lhe garantir as condições existenciais mínimas para uma vida saudável, além de propiciar e promover sua participação ativa e co-responsável nos destinos da própria existência e da vida em comunhão com os demais seres humanos.
(Ingo Wolfgang Sarlet — Dignidade da Pessoa Humana e Direitos Fundamentais na Constituição Federal de 1988, p.62.)


Reunir-se em territórios constituídos como guetos, em diversos países do mundo, é a única forma admitida para os que não se submetem à normatização heterossexual exclusiva ou aqueles que por sua natureza não conseguem atuar nela. O intuito explícito é o de impedir nas cidades a visibilização ou manifestação da afetividade por grupos minoritários.

Uma onda mundial de conservadorismo exacerbado está promovendo leis restritivas (inclusive a de pena de morte), obliterando a dignidade humana e impedido a cidadania plena para uma parcela da população. Retorna os discursos do determinismo do rosa e do azul, do tipo de brinquedos ou formas de brincar impostos desde a mais tenra infância. No fracasso dessa tentativa, a idealização de uma cura para o que não é doença. Por fim, a expulsão para as zonas cinzentas das cidades, os cantos escuros, o lado sem cor e convívio — a vivência sob a égide do segregado, do oculto e do escondido.

Na contramão dessas atrocidades, diversos indivíduos, grupos e organizações de apoio têm constituído redes de intervenção e de apoio visando minimizar os efeitos deletérios dos preconceitos. Campanhas ininterruptas de esclarecimento contra a intolerância tentam construir um mundo onde a qualidade humana de todos prevaleça e o diverso não seja mais o errado, o pecaminoso ou o indigno.
Oculta o sorriso, atua implícito;
o vero omitido, com duplo sentido
só vive o não dito.
Se torna esquizo.

Na sombra recluso, andar clandestino,
expulso sem culpa de ser subversivo:
um ser proibido, por ódio ferido,
marcado e sofrido.

O grito contido, o medo retido,
convívio restrito, descobre escondido
soturno e furtivo,
um gueto esculpido.

Wellington de Oliveira Teixeira, em 01 de abril de 2016.

* 'A produção do indigno', poesia e artigo, é um questionamento dos discursos de intolerância e preconceito que (inclusive por meio da força bruta) enviam para a clandestinidade as expressões afetivas fora da heteronormatividade. A cidadania plena dos gays, lésbicas, trans e variantes é um desafio que precisa ser encarado de forma consistente e contínua.