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31 de ago. de 2017

Artifícios e arte

Artifícios, criado por Wellington de Oliveira Teixeira em 31-08-2017.
Artifícios *, criado em 31-08-2017.

O poeta é um fingidor. Finge tão completamente Que chega a fingir que é dor A dor que deveras sente.
E os que leem o que escreve, Na dor lida sentem bem, Não as duas que ele teve, Mas só a que eles não têm.
E assim nas calhas de roda Gira, a entreter a razão, Esse comboio de corda Que se chama coração.

(Fernando Pessoa — Auto psicografia)


O essencial está na expressividade obtida ao usar qualquer elemento à seu dispor para interferir em seu contexto pessoal ou social. Do contrário, a arte produz passividade e imersão ingênua.

Qualquer intervenção que se pretenda artística deve ter elementos catalisadores de incômodos e questionamentos, de produção de deslocamento: capturar a atenção e provocar estranhamentos é fundamental.

É um desafio complicado: captar o expectador e sua ótica, sem abrir mão de dar vazão a seus movimentos de transformação e de realização pessoal. Onde alguns usam a superexposição ou o exagero para denunciar o que escapa à visão, outros mimetizam a realidade extraindo-a do seu contexto usual para constituir novos contrapontos ao óbvio, ao comum, ao esperado.

Sessões onde o autor explica a sua obra tendem a ser inócuas. No entanto, narrar a experiência pessoal de composição pode ser efetivo: vivências e rotas trilhadas podem encontrar eco, mesmo que de modos díspares. Mas é fundamental compreender que quase nunca se obtém uma transposição da percepção em grande parte dos observadores (repleta de alucinantes rotinas, mesmices e tédios), tornando o inusitado muito raro.

Na selvageria da vida cotidiana, permitir um ponto de fuga, uma distração que seja, de modo a descansar olhos enrijecidos e perspectivas manipuladas é uma tarefa complicada, tanto quanto essencial.

Quando, para além disso, ocorrer um pequeno deslocamento no ponto de equilíbrio, um passo além e suas novas perspectivas, gerou-se um novo mundo. É que essa nova imersão tem potencial de libertar a alma dos cárceres privados impostos pelas sobredeterminações à vida.

Wellington de Oliveira Teixeira, em 31 de agosto de 2017.

* Para uma ampliação do tema, por outras vias de pensamento, sugiro a leitura de A invenção na arte - Devires e sensações na filosofia de Deleuze e Guattari.

29 de ago. de 2017

Consumidores consumidos

Consumidores, criado por Wellington de Oliveira Teixeira em 27-08-2017.
Consumidores *, criado em 27-08-2017.

Mesmo quando tudo pede um pouco mais de calma, até quando o corpo pede um pouco mais de alma, a vida não para.
Enquanto o tempo acelera e pede pressa; eu me recuso, faço hora, vou na valsa: a vida é tão rara!
Enquanto todo mundo espera a cura do mal e a loucura finge que isso tudo é normal, eu finjo ter paciência.
O mundo vai girando cada vez mais veloz, a gente espera do mundo e o mundo espera de nós um pouco mais de paciência.
Será que é tempo que lhe falta pra perceber? Será que temos esse tempo pra perder? E quem quer saber?
A vida é tão rara, tão rara!

(Lenine — Paciência)


O distanciamento da realidade é um poderosíssimo instrumento para a alienação ou para a restauração da alma e está intimamente ligado à atitude de quem o pratica. Há similaridade do método, talvez da motivação, nunca do projeto de futuro. Em ambas, forma ativa ou passiva, o equilíbrio da vida estará em jogo e a forma de inserção social, também.

Há séculos, a prática da meditação, da contemplação, do isolamento tem sido utilizada com objetivos variados, de monges a estrategistas. Esse intervalo que se proporciona à mente e ao corpo para fins de restauração permite a retomada do fluxo com nova perspectiva e sem a tensão que distorcia a avaliação das condições do momento.

Em tempo semelhante, o uso de substâncias entorpecentes cumpre sua função para um objetivo totalmente oposto: apagar a realidade, fornecer o esquecimento e o desligamento do cotidiano. Se por um lado, as happy hours, as noitadas e assemelhados funcionam como interruptores ou escape da rotina, fora do uso para lazer coletivo, o uso para o bloqueio do sofrimento pessoal, por incapacidade de lidar eficientemente com as exigências da vida contemporânea, torna-se um grave problema de saúde pessoal e pública.

Para além das questões espirituais, religiosas, psicoterápicas ou mercadológicas, a experimentação pessoal define um modus operandi e, por fim, o uso consciente ou perda de domínio próprio.

Está cientificamente comprovado que esses movimentos de afastamento recondiciona seus praticantes, restaura as suas capacidades já estressadas, a ponto de nos países mais desenvolvidos a redução da carga horária de trabalho ser objeto de avaliação positiva até mesmo do empresariado, que produz novos elementos para dar margem maior à sua efetivação, inclusive durante a jornada de trabalho diária. Não é bondade, é a maximização dos lucros que está em jogo.

Numa via de precarização da vontade própria, a drogadicção retira, vez após vez, um outro percentual de potência de agir, favorecendo apenas o reagir anestesiado, seguir o fluxo sem questionamento. Doses cada vez mais ampliadas para poder encarar o cotidiano: o trabalho, a família, a ausência de perspectiva de vida. Daqueles insigths, favorecidos inicialmente pelo uso de alguma substância, resta a incapacidade de elaboração criativa, a inserção não mais positiva em relacionamentos sociais e, por fim, a desvalorização pessoal, inclusive a trabalhista: a nova escória ou dejeto social.

Em meio a esse embate entre potência e impotência, entre atividade e passividade, entre alienação e estratégia de inserção, o modo de investimento nesta batalha de vida determinará ser sujeito ou assujeitado no que se refere a constituição e preservação de sua individualidade e de sua subjetividade. Mais e fundamentalmente essencial: ser capaz de participar sadia ou doentiamente de uma sociedade com paradigmas exacerbadamente consumidores do corpo e da alma.

Wellington de Oliveira Teixeira, em 29 de agosto de 2017.

* A insanidade é o resultado de elementos não passíveis de assimilação ou absorção de forma sadia, um sobrexposição ou superexposição às exigências pessoais e/ou sociais. O resultado se manifesta como alienação.
A degradação dos valores que potencializam a vida, em nome da homogeneização, padronização, do consumismo e da reprodução dos discursos, é a marca registrada da atual e decadente sociedade: pensamentos e ações cativos e escravizados.
  • Precarizar tudo: de diferentes formas, a sociedade atual compôs mantras sagrados, rendendo-se em idolatria ao deus Mercado – tudo é pouco para ele, pessoas são apenas engrenagens e todos são substituíveis.
  • Quanto piores as condições de vida, melhor: mão de obra mais barata, desistência de direitos em nome da sobrevivência; um passo do uso de seres humanos como cobaias, por alguns trocados das farmacêuticas, à destruição da sustentabilidade ambiental planetária.
Sobretudo, é preciso gerar corpos dóceis, inativos, silenciosos. A nova safra dos expectadores da vida: ela passa por eles, e eles não notam.

25 de ago. de 2017

Encarando o inusitado

Inusitado, criado por Wellington de Oliveira Teixeira em 23-08-2017.
Inusitado *, criado em 23-08-2017.

Você está enganado. Um guerreiro não procura nada para consolar-se […] um guerreiro nunca pode deixar nada ao acaso, o guerreiro altera o resultado dos acontecimentos pela força de sua percepção e seu propósito inquebrantável.
(Carlos Castaneda — O segundo círculo do poder, p.96)


Há uma certa lógica inusitada para os dias atuais, admito, de, sem recuar perante um ataque pessoal, não se propor um ataque e até evitar um conflito. Não é preciso religiosidade para valorizar essa prática para pessoas com menor grau de compreensão ou incapacidade de avaliar cenários e contextos. Mas discordo de que essa é a prática para todos ou para todos os acontecimentos.

Muito do que alguém aprende e que compõe em termos de crescimento pessoal é consequência direta dos confrontos, seu enfrentamento e superação: desafios são o que há de essencial para o ser humano. Paralisia perante esse nível de vivência interfere no relacionamento interpessoal, induz a ficar refém de posicionar-se como vítima ou malfeitor, ou de avaliá-la como benção ou maldição.

Situações onde é preciso o enfrentamento (ou a fuga) exigem um posicionamento estratégico: avaliar suas capacidades momentâneas e usá-las adequadamente para conseguir uma superação. Cabe, inclusive, utilizar de recuos parciais, de recolhimentos visando a constituição de nova potencialidade – tal como o corpo humano atua diante de doenças – e confundir isso com medo ou submissão é, no mínimo, um ponto de vista frágil.

Ao enfrentar encontros potencialmente decompositores – aqueles que enfraquecem, que entristecem, que debilitam a capacidade de estar integrado ao todo como um ser pleno –, é preciso um olhar diferenciado e compreender que há apenas a atividade encarando seu maior inimigo, a passividade: as paixões e seus efeitos bloqueiam o agir e só permitem o reagir, impedindo o domínio de si.

Diante dos desafios, qualquer avanço, por menor que seja, é demonstração de superação, a começar da assimilação desse conceito: o que faz de alguém um guerreiro não é o ataque, nem as vitórias, exclusivamente; é a capacidade de se inserir em cada situação com posicionamento próprio, estratégico e apreender e aprender com cada uma.

Wellington de Oliveira Teixeira, em 25 de agosto de 2017.

* Adversidades, adversários, advertências compõem um universo em que se opta por ver a vida como um desafio inigualável, mas breve. Mudam-se os cenários, mas sempre será você quem poderá determinar seu papel como protagonista e escolherá os desafios não como seus antagonistas, mas como coadjuvantes; ou o contrário, tornar todos os demais protagonistas de sua própria vida e ficar agonizando em um papel supérfluo, onde tudo o mais é um antagonista. Qualquer escolha que se faça, a responsabilidade por ela é sua: não há espaço para culpabilizar ninguém pelo que você se tornar.

21 de ago. de 2017

Divi & Dido

Resvalando, criado por Wellington de Oliveira Teixeira em 19-08-2017.
Resvalando *, criado em 19-08-2017.

Divi

Assomam pensamentos, escorrem em emoções,
acham entrecortadas incontáveis projeções;
fantasmas esquecidos, trancados em porões
de alma e calabouço contido em corações.

Dido

Jatos expelidos, quais palavras de vulcão,
magmas efervescentes brotam na ebulição,
silêncios engolidos resvalam na pressão,
querem voz e força e menos solidão.

DiviDidos

Querem voz e força e menos solidão de alma e calabouço. Contido em corações, magmas efervescentes brotam na ebulição. Acham entrecortadas incontáveis projeções: jatos expelidos. Quais palavras de vulcão, assomam pensamentos, escorrem em emoções. Fantasmas esquecidos, silêncios engolidos, trancados em porões resvalam na pressão.

(Wellington de Oliveira Teixeira — Divi & Dido)

Ser alguém inteiro é lidar com incansáveis desejos e afetos, inextrincáveis interrogações e descobertas e, quase sempre, esbarrar em incontáveis desencontros, desencaixes e decomposições que frustram.

A constituição de si é algo instantâneo mas, por mais breve que seja, permite um vislumbre de continuidade, de permanência. Mas atente para esse fato: cada vislumbre precisa ser demarcado, afirmado e registrado como uma conquista.

A Ordem se expressa quase sempre como um emaranhado de forças antagônicas que atravessam e interferem neste processo. A vida se constitui por meio de campos de força, como os imãs potencializados, que promovem ininterrupta divisão nos seres e elementos, impondo novas recomposições.

Mesmo com força de vontade e usar de muito entendimento para efetuar um encontro, a doação de partes de si acontece sem qualquer controle sobre o que acontecerá. Esse vai e vem ou doação-troca, é como ficar sustentado apenas em um fio sobre o abismo.

Quando as circunstâncias impedem a boa combinação dos elementos, pode ocorrer quebras interiores, divisões que em seu extremo provoca a perda da noção do porquê, da motivação ulterior, do desejo do vir-a-ser e da plenitude. Racham a sensibilidade. Implodem o interior. Explodem a razão. Faz passear na linha que beira a vida, sem inserir-se nela: inconformado, sem encaixe no mundo, dissociado.

Relações mal estabelecidas produzem emoções em frangalhos – talvez a razão para tantas canções 'românticas' – e é o que faz ampliar a imensa categoria dos alienados: o 'tudo bem, tanto faz' que se constitui como mote de vida.

Em momentos assim, é preciso gerar os pontos de fuga da pressão, é fundamental dar espaço a essas questões, inquietudes, sofrimentos ou o que mais incomodar. Há incontáveis e inomináveis formas de se fazer um voo e de expressar o que está arraigado e intrínseco, aquilo que fica guardado mas que quer ter voz e expressão própria: escreva, desenhe, se exercite, assista, converse, costure, cozinhe, viaje. É só um jato que alivia a pressão do vulcão, um brilho momentâneo, sim; mas faz toda a diferença.

Wellington de Oliveira Teixeira, em 19 de agosto de 2017.

* O Transtorno Dissociativo de Identidade (TDI) ou transtorno de múltiplas personalidades é um fenômeno que ocorre quando um único indivíduo apresenta características de personalidades ou identidades diferentes, que se alternam no controle em momentos distintos, alterando sua forma de perceber e interagir com o meio.

Difere da esquizofrenia ('mente dividida') por ser mais uma fratura no funcionamento normal do cérebro do que da personalidade. Intriga profissionais da Saúde, é controverso, e novas pesquisas buscam mais evidências empíricas.

Pense um pouco e veja se você consegue correlacionar a personagem com o diagnóstico:
  • David Banner (Incrível Hulk);
  • Stanley Ipkiss (O Máscara);
  • Saint Seiya gêmeos (Cavaleiros do Zodíaco);
  • Dr Jekyll and Mr Hyde;
  • Sméagol (O Senhor dos Anéis);
  • Kevin Wendell Crumb (Fragmentado, 2017).

18 de ago. de 2017

Expectativas e expectorantes

Anacrônico criado por Wellington de Oliveira Teixeira em 17-08-2017.
Anacrônico *, criado em 17-08-2017.

Anacronismo
Atitude ou fato que não está de acordo com sua época; assumir ou atribuir ideias e sentimentos cronologicamente impróprios, ou deslocar costumes e objetos da época a que pertencem.

Contextualizar
Dar um sentido e entendimento atual para práticas ou elementos antigos. Interpretar ou analisar, integrando a perspectiva de um determinado contexto: descrever as circunstâncias, explicando uma situação e sua conjuntura.

Tal pai tal filho. A expressão tão difundida, pretende-se algo admirável, até mesmo um elogio. No entanto, carrega uma opressão desmedida: tornar-se o próprio pai é abdicar de si mesmo.

É inegável que pais desejam para seus filhos o que creem ser melhor para si mesmos. Por gerações, os pais artesãos transmitiram a seus filhos o seu ofício pessoal, por exemplo. Sob a perspectiva de época, a construção de sua relação apresentava vários componentes importantes: compartilhavam momentos de entrosamento e de ensino; uma geração aperfeiçoava a que a outra lhe deixou como legado. Enquanto processo de vida, funcionava bem para a maioria dos casos, o que serviu para ser adotado como referência.

Quando esses referenciais não são questionados visando sua contextualização, tornam-se aprisionantes. A avaliação de um determinado percurso, mesmo que efetivo e até mesmo eficiente na composição de um ser, exige entender que os paradigmas ontem adotados estão baseados em perspectiva anacrônica, já ultrapassada: o trajeto de seus filhos, na atualidade, possui uma realidade muito diferenciada da que você viveu, durante o seu.

De modo algum seus valores deixaram de ser significativos. Mas precisam da referenciação pessoal: funcionaram para você, ou para a sua geração, se for possível ampliá-los de tal modo.

Os métodos educacionais se transformaram. A multiplicação das opções de profissionalização que as novas tecnologias propiciaram – seguindo a linha de raciocínio estabelecida –, mudaram os cenários. E reproduzi-los deixou de ser algo apreciável ou mesmo desejável. Mas ainda é muito difícil para a maioria dos pais, responsáveis e educadores se propor uma reestruturação dos seus métodos de ensino.

Como doença, a gripe produz o catarro e impede a respiração e a oxigenação. É necessário expectorá-lo, para recuperar a saúde física. Referenciais antigos atuam como essa gosma ou secreção, sufocando novas práticas. São obsoletos, ineficazes e um empecilho para o desenvolvimento de um ser sadio e em uso pleno de suas capacidades.

É necessário constituir uma disposição de mente e um olhar renovados. Quais práticas trazem de volta os elementos que fundamentaram os valores anteriores? Que tipo de tempo de compartilhamento, de transmissão de experiências pessoais, de visão de mundo está sendo estabelecido com a nova geração? Esse é o grande desafio da atualidade para todos os interessados em construir ambientes saudáveis para a formação da sua linha de sucessão.

Não tenha medo de desconstruir paradigmas para reconstruí-los sob uma nova perspectiva. Este é um processo de um valor inestimável: ao mesmo tempo em que propicia a você um desenvolvimento pessoal – e, como bônus, impede o tornar-se anacrônico ou obsoleto para quem você ama – abre um caminho de horizonte amplo, onde o respeito, a confidência, a cumplicidade e a presença verdadeira (não basta estar ao lado!) se estabelecem no comum acordo e, no caso de pais e educadores, estruturam as condições essenciais para a expressividade e a plenitude daqueles sob sua responsabilidade.

Wellington de Oliveira Teixeira, em 17 de agosto de 2017.

* Há uma má interpretação quando se diz que Desconstruir um conceito é Deturpá-lo. Não se aplica, pois o que está envolvido é recompô-lo aos seus elementos originais e avaliá-los individualmente; a seguir, verificar como foi feita a amálgama (a reunião deles) em sua composição final. Os elementos constitutivos nos dão a noção do que havia em jogo, no momento em que ocorreu a sua constituição e os efeitos produzidos.
Para a contextualização, esse método nos fornece elementos para compreender a valoração que o fundamentou. Em muitos dos casos, ótimos valores de época são a base. A questão que se nos apresenta, na atualidade, é: que elementos atuais os reativam?
Reproduzir o antigo porque foi bom não é saudável, se é possível renovar suas bases conceituais e práticas, pois a nova roupagem permite alcançar a nova geração.
Há que se temer o mau uso ou manipulação desse método, mas, isso é inerente à vida. Acredito que o melhor é buscar com afinco ser o mais eficiente possível na tarefa, e com isso, abrir novas perspectivas e positividades para o mundo.

16 de ago. de 2017

Regenerando o tecido da realidade

tecido da realidade, criado por Wellington de Oliveira Teixeira em 12-08-2017.
Tecido da realidade, criado em 12-08-2017.

Observando o mundo, verifica-se que todo pequeno progresso no sentimento humanitário, cada aperfeiçoamento das leis criminais, cada passo em direção à redução das guerras, ou em direção a um melhor tratamento para as raças de cor, ou abrandamento da escravidão, cada progresso moral que tenha ocorrido no mundo, sempre contaram com a oposição das igrejas mundialmente organizadas […]
Minha opinião pessoal sobre a religião é a mesma de Lucrécio. Considero-a uma enfermidade nascida do medo e fonte de indizível sofrimento para a raça humana. Não posso negar, contudo, que tenha feito alguma contribuição à civilização. Nos primeiros tempos, ajudou a fixar o calendário, fez com que os sacerdotes egípcios registrassem os eclipses com tanto cuidado que acabaram sendo capazes de prevê-los. Estou pronto a reconhecer esses dois serviços, mas não conheço outros quaisquer.

(Bertrand Russel — Por que não sou um cristão e outros ensaios sobre religião e assuntos conexos *)


Está comprovado que não há realidade, como um absoluto para todos. Vivemos mundos diferenciados em função da apreensão dos elementos por nossos sentidos (inclusive ao denominado espiritualidade), psiquê e razão. O tecido da realidade depende da perspectiva adotada para analisá-lo ou apreendê-lo.

É possível verificar diferentes cenários, antes de adotar uma perspectiva principal, para quem avalia criticamente as situações. O método é semelhante a adiantar ou retroceder uma das pernas para permitir uma mudança da perspectiva, sem efetivar o passo atrás ou à frente.

Melhores decisões, dentro de determinado campo de atuação, amplia a chance de conquistar os desafios e ser um vencedor. Jogos de estratégia promovem essa prática de construir os cenários adiante, sob diferentes pontos de vista, para cada situação. Como técnica, quando usada em negócios, política, propaganda e relacionamentos, a prospecção, mais do que conquistas, evita muita dor de cabeça, ou pior.

Por outro lado, o mau uso do método facilita a manipulação daqueles que se aferram a uma única perspectiva. Estes tendem a adotar padrões e predeterminações fundamentalistas porque não exige pensar e se posicionar a respeito do que embasa tais conceitos. Uma perspectiva possível torna-se a Verdade.

O estímulo à constituição de egocentrismos exacerbados tem promovido rupturas graves no tecido das relações: a humanidade do outro é descartada. O interesse nesse tipo de manipulação social é algo muito antigo. Foi feito, por exemplo, objetivando a escravização de indígenas e negros, quando negociantes, políticos e líderes religiosos afirmaram que eles não possuíam alma. Para os que tinham interesse em acreditar na ideia, foi o suficiente para se desculpar até mesmo para cometer atrocidades e ignorar genocídios.

É possível optar por uma via de construção pessoal desenvolvida com independência, mas fortalecendo a colaboração social e o sentido de inclusão. A interdependência, nesse caso, ultrapassa o aprisionamento, produz a cooperação e estabelece o mútuo e harmônico desenvolvimento para todos.

Wellington de Oliveira Teixeira, em 15 de agosto de 2017.

* A Citação, que está em Pela Bandeira do Paraíso, uma história de fé e violência - Jon Krakauer, me remete a muito do que se tem visto no acumpliciamento Política-Religião, em função do poder financeiro. O Golpe Legislativo-Judiciário contra a presidente Dilma Rousself que, mesmo sem qualquer crime, foi deposta teve toda a bancada evangélica votando a favor, à despeito de sua base exigir outro posicionamento. A formação de um bloco no Legislativo demonstra bem o seu caráter: uma bancada de ruralista, armamentista e religiosa (Boi, Bala e Bíblia).

9 de ago. de 2017

Novas efetivações

Efetivações, criado por Wellington de Oliveira Teixeira em 06-10-2017.
Efetivações *, criado em 06-10-2017.

Morcegos voam e localizam insetos no escuro por meio de um sistema de sonar, ou ecolocalização, emitindo em alta frequência gritos que refletem nos objetos à sua volta e retornam a eles em forma de eco.
Essa forma de percepção é completamente diferente de qualquer sentido que possuímos, portanto, é razoável supor que é subjetivamente diferente por completo de qualquer coisa que podemos experimentar. De fato, existem experiências que nós, como humanos, jamais poderemos experimentar, mesmo em princípio; existem fatos sobre experiências cuja natureza exata está além de nossa compreensão. A incompreensibilidade essencial desses fatos deve-se à sua natureza subjetiva – ao fato de que incorporam essencialmente um ponto de vista particular.

(Ben Dupré — Como é ser um morcego?, em A mente importa, p.36-37)


São incríveis, incontáveis e instantâneas, as formas de um indivíduo se apropriar de qualquer percepção e, inconscientemente, fundamentar o seu modo de ser, manifestando uma subjetividade: o que vê, o que sente, o que processa é a resultante de um processo de interposição ou sobreposição de fluxos de diversas fontes, com suas composições com absolutamente tudo (de escalas nano à cósmica) disponível a cada instante na Ordem.

Por falta de termo melhor, nomeamos essas apreensões de mundo como realidade. O mesmo ocorre com a palavra pessoa, essa ilusão de continuidade gerada por flashes sequenciais, similar a um filme, que é apenas uma sucessão de diferentes imagens fixas.

Não temos uma continuidade material, somos pura transformação. Gravitamos em torno de um determinado núcleo expressivo onde, a qualquer momento, pode ocorrer um rompimento nas composições de forças ou até mesmo novas áreas de atração alterarem o núcleo da gravitação. Percebemos cada nova estruturação como uma mudança no ser.

Assim, mudança exige a quebra das cadeias e amarras que mantinham a órbita e essa ruptura gera energia capaz de pressionar e impulsionar avanços ou retrocessos nas composições já constituídas. Estas variações são bem vindas, por permitirem as condições de refazimento do ser e a desconstrução de sua estruturação mais rígida, as máscaras.

Se a atualidade é a ressonância que ocorre entre as impossibilidades (já se efetivou) e os não constituídos ou prováveis; somos um puro presente, o resultado de uma reação entre passados e futuros. E nessa espécie de liquidez, de insustentável leveza do ser (ou outra formulação expressiva para nomeá-la) podemos efetuar uma superação do enrijecimento, via [des]agregações e superações, desse continuum e estabelecer uma espiral sobre o círculo.

Ao observar mudanças, entende-se que a riqueza da transcendência de um ser está em franca oposição aos fundamentalismos ou imobilismos: sem os giros ascendentes, sem novas composições de equilíbrios, somos um ciclo, monótono e repetitivo, destituídos da vida e de suas múltiplas capacidades.

Já que na Ordem nada é estático, qualquer imposição para produzir um acorde fixo ou a continuidade do imobilismo gera estagnações e desequilíbrios. Nos seres humanos, previsivelmente, isso só conduz ao tédio e ao sofrimento: o resultado de não conseguir constituir novas efetivações e apenas estabelecer motivos para criticar as dos outros. Não à toa, seres assujeitados encaram a decomposição de sua humanidade e acabam por se tornar indignos dela.

Wellington de Oliveira Teixeira, em 09 de agosto de 2017.

* Efetivar é fazer com que se torne efetivo (produzir efeito). Efetuar-se como ser exige um processo contínuo de efetivações. Ao gerar-se oposições ao processo ou mesmo empecilhos às efetivações de si mesmo ou de outrem, produz-se um aprisionamento a um determinado modo de ser. Pode parecer banal, mas é o mesmo que destituir alguém de seu mundo, de suas particularidades, sua subjetividade. E isso só gera infelicidade e uma sociedade doente.

5 de ago. de 2017

Ladeira abaixo

Ladeira abaixo criado por Wellington de Oliveira Teixeira em 05-08-2017.
Ladeira abaixo *, criado em 05-08-2017.

É sobretudo quando tudo é falso que se ama o verdadeiro, é sobretudo quando tudo está corrompido que o espetáculo é mais depurado. O cidadão que se apresenta à entrada da Comédie deixa aí todos os seus vícios, a fim de retomá-los apenas à saída. Lá dentro ele é justo, imparcial, bom pai, bom amigo, amigo da virtude; vi muitas vezes a meu lado malvados profundamente indignados contra ações que não deixariam de cometer se se encontrassem nas mesmas circunstâncias em que o poeta situava o personagem que abominavam.

Diderot — Escritos políticos (citado por Giannetti — Auto engano, p.45)


Olha o lobo! tem duas faces: a de quem engana e a dos que se permitem o contínuo engano.

Desastres repentinos acontecem, faz parte da vida. Ninguém está imune às suas consequências. Outros, certamente, são tragédias anunciadas, cujo risco é escalado perigosamente até acontecerem. Desavisado não é a palavra que cabe aqui: quando se escolhe ignorar os sinais que alertam para o perigo iminente e se acata a dessensibilização por costumes, elas ocorrem por opção.

Não se enquadram nessa categoria, o gosto pelo perigo, pelos desafios e por esportes radicais. Neles busca-se a construção de técnicas, via treino árduo e a elaboração e construção de equipamentos mais adequados. Flui em outra sinergia.

Campanhas de esclarecimento público devem atentar para a construção de plataformas com oportunidades de exposição contínua à informação crítica, de base científica e linguagem acessível. Por desumano que pareça, priorizar quem não possui nenhum acesso às informações é essencial. O foco dos alertas deve ser agrupamentos onde há casos de ignorância verdadeira, o desconhecimento do perigo. O convencimento dos que se alienam, mesmo que importante, é etapa secundária.

Fique à vontade para ler este artigo como esclarecimento e apoio à governança e ao trabalho da Polícia Civil, mas ele volta-se especialmente para questões político sociais. Sua crítica principal está direcionada a manipulação, que continua gerando os piores desastres que o país já enfrentou em muitas décadas e tantas outras, anunciadas diariamente, sem que haja esboço de reação por parte da população. Midiotia e Apatia andam de braços dados e repetem o mesmo chavão; caminhando — mesmo que fortemente alertadas sobre o perigo — para o poço sem fundo da alienação.

Wellington de Oliveira Teixeira, em 05 de agosto de 2017.

* Os meios de comunicação dominantes estão apresentando ideias com recursos que o cidadão comum desconhece, e acolhe sem perceber. Sua ignorância ativa, o torna passivo perante o poder midiático.
A produção incessante da alienação é o princípio básico da dominação. Ela é produzida mais do que com o 'pão e circo' para o 'populacho'. Técnicas avançadas, usam os nano dados individuais, voluntariamente informados (sua localização, o que está fazendo, onde e o que compra, etc), compilados, agrupados e estruturados em informação precisa. Esta é utilizada na propaganda como a 'arma' do negócio. Agora, especialmente na manipulação sociopolítica eleitoreira e na passivação dos ânimos alterados e da indignação popular, redirecionada contra aqueles que tentam ser seus aliados.

2 de ago. de 2017

Invencionice dá lucro

Invencionice, criado por Wellington de Oliveira Teixeira em 01-08-2017.
Invencionice *, criado em 01-08-2017.

[…] o campo da economia foi transformado pela visão comportamental, que solapou irrevogavelmente a suposição de que os seres humanos sempre agem racionalmente e em seu próprio interesse. A verdade é que as pessoas são mais complexas. Para a economia de amanhã, a tarefa será encontrar um modo de integrar esses dois modelos.
(Edmundo Conway — Economia Comportamental, p.193)


Sem dúvida, o próximo campo interessante para pesquisas [é] a economia comportamental, que integra economia e psicologia. Promete oferecer novas perspectivas para as políticas governamentais.
(Greg Mankiw — Economia, Harvard)


Em casa, na escola, no trabalho, na rua, os ambientes tendem a ser geradores de motivação e de ampliação da expressividade. Quando não podados em sua raiz, permitem o surgimento de uma geração conectada com o novo e do inusitado, harmonizados com seu meio-ambiente.

Inovação, como capacidade, e não apenas algo fortuito ou eventual, está intimamente atrelada ao entusiasmo. Agrupar condições e expectativas é uma questão tanto de práticas sociais quanto de investimento educacional e produtivo. Qualquer dos casos depende da constituição de solos férteis para inter-relacionamentos. Criar é resultado de uma experiência interna que se expande para o ambiente.

Investir com o olhar para o imediato, para as linhas de produção do que já existe, para o mercado, se tornou um grande erro. O futuro está na criatividade e profissionais inovadores. Empresários dos setores mais produtivos abandonaram vídeos e slides como 'motivadores' (funcionou por algum tempo, mas a perda de sua eficácia é visível). É preciso outras vias de renovação qualitativa dos profissionais. O atual modelo educacional formal, além de enrijecido e padronizado, está ultrapassado e é contraproducente.

Criar é ser capaz de projetar o interior da mente e tem correlação direta com liberdade, respeito pessoal e consideração às opiniões divergentes. Por esse viés de pensamento, a Educação de qualidade (de formação ou de reciclagem) começa com priorizar intercâmbios cooperativos entre as escolas e as empresas. A base ou alicerce socioeducativo é constituído a partir da integração de todos os elementos envolvidos (alunos, técnicos, professores e sociedade) na identificação dos problemas e na proposição de soluções, mediados pelo viés científico oferecido via projetos extensionistas das Universidades Públicas.

Tanto a criação quanto o valor agregado (dar utilidade, usabilidade e atratividade para o resultado obtido) produzem bem-estar e prazer de realizar nos profissionais envolvidos, mas se expandem exponencialmente em função da autorrealização. Se, ao ampliar o acesso à Educação de qualidade, a chance de encontrar agentes inovadores (disponibilidade no mercado de trabalho) aumenta, por si só, isso fortalece investir na ideia; mas, se ultrapassando isso, as pessoas obtém realização no que fazem, qualquer empreendimento vê multiplicado exponencialmente aquilo que o torna atrativo, respeitado e lucrativo.

Wellington de Oliveira Teixeira, em 1º de julho de 2017.

* A invencionice é lúdica, é expansiva. Contamina. E reciclar mentes e práticas é, antes de tudo, possibilitar a geração de expectativas de futuro não comprometidas com padrões ou lógicas preestabelecidos.
Valorizar os conteúdos formais é, primeiramente, atentar para a construção de modos diferenciados de demonstração, de aplicação e de apreensão: inserindo-os como meios de transformar as realidades;
Valorizar os profissionais é constituir ambientes e condições de atuação que permitam a expressão de suas capacidades: inconsistências, inadequações, passividade ou enganação ativa (finjo que te ensino e você finge que aprendeu!) incentivam a reciclagem;
Para qualquer projeto de transformação social – especialmente o educacional –, o marasmo, a mesmice, as práticas robóticas e repetitivas constituem o maior engasgo e, por conseguinte, os fatores mais deletério para qualquer empreendimento (inclusive financeiro) que vise respeitabilidade e sucesso.