Pesquisar este blog

30 de jul. de 2016

Pela renovação da 'mitoscondria'

Mitoscondria, criado por Wellington de Oliveira Teixeira em 30-07-2016.
Mitoscondria *, criado em 30-07-2016.

Mitocôndria
do grego mitos (fio) + a chondrós, em forma de grão + sufixo grego - ia, que serve para formar substantivos — é o centro de energia celular que permite sua reprodução.

Não se amoldem ao padrão deste mundo, mas transformem-se pela renovação da sua mente, para que sejam capazes de experimentar e comprovar a boa, agradável e perfeita vontade de Deus.
(Bíblia — Romanos 12:2-5 )


Os valores, a moral e os costumes socialmente preponderantes não implicam em verdades inequívocas. Entender esse conceito é o caminho para novos horizontes de inclusão social e de aprimoramento dos relacionamentos.

Um neologismo que construí, 'Mitoscondria', poderia designar o modo extremamente parcializado como os mitos se formam e como são apropriados pelas pessoas. Essa granulação, devida a transmissão oral e pessoal das ideias, certamente ocorre de forma idêntica na apropriação das práticas sociais e no que é estabelecido como verdade.

Especialmente a partir da adolescência, a construção de um conhecimento e pensamento pessoal rejeita a adoção da reprodução do senso comum e, pelo desenvolvimento do pensamento crítico, busca desestruturar o estabelecido, refazendo-o ao retirar elementos considerados ultrapassados ou de funcionamento inapropriado para a atualidade.

Essa recomposição permite o avanço dos conceitos e possível redução dos preconceitos: a constituição de novas formas de entender categorias sociais, relacionamentos pessoais e suas implicações em contextos diferenciados é apenas um dos exemplos.

É que não somos quebra-cabeças que sempre se reorganizam da mesma forma. As transformações alteram os encaixes e isso exige atritos para recriar novos. Para alguns, o enrijecimento dos padrões é fruto de uma estagnação, de um envelhecimento não sadio.

O envelhecimento como processo natural é a redução da eficiência dos processos corporais, prejudicando algumas das funções essenciais. No entanto, o metabolismo não é algo fixo. O corpo humano gera mecanismos de rearticulação de tarefas: se um órgão enfraquece, outros vêm em seu auxílio e contribuem com parte de suas funções. Por isso, podemos alcançar idade avançada com pouca redução da qualidade de vida. Mas a matéria não se eterniza e uma hora a máquina para, dando prosseguimento às transformações em escala impessoal — nada se perde.

Os valores pessoais e sociais passam por um processo similar de envelhecimento. Se não forem retroalimentados, definham e morrem. Na natureza é o nascimento de novos elementos que permite a renovação. A juventude, com suas novas práticas e mudanças, é quem impede os engessamentos sociais e a morte das culturas. Princípios se sustentam por gerações quando se adaptam a novos contextos.

O endurecimento, os radicalismos, os fundamentalismos que a cada época tentam impedir o fluxo das transformações, não o consegue. Apenas geram atritos ineficazes no impedimento das mudanças, mas que são extremamente eficientes em incapacitar ou destruir vidas e sua expressividade. Geração após geração, a juventude é marcada por rejeições e imposições que promovem uma psiquê doentia — reprodução das que nossos pais e nós sofremos. E isso, certamente, não precisa ir adiante. Renovai-vos!

Wellington de Oliveira Teixeira, em 30 de julho de 2016.

* O neologismo é explicado no texto.

17 de jul. de 2016

Por um troco qualquer

Cortina de fumaça, criado por Wellington de Oliveira Teixeira em 16-07-2016.
Cortina de fumaça *, criado em 16-07-2016.

Quando eu era pequeno eu achava a vida chata como não devia ser:
os garotos da escola só a fim de jogar bola e eu queria ir tocar guitarra na TV.
Aí veio a adolescência e pintou a diferença, foi difícil de entender.
A garota mais bonita também era a mais rica, me fazia de escravo do seu bel prazer.
Quando eu saí de casa minha mãe me disse:
'baby, você vai se arrepender, pois o mundo lá fora num segundo te devora'.
Dito e feito, mas eu não dei o braço a torcer.
Hoje eu vendo sonhos, ilusões de romance, te toco minha vida por um troco qualquer:
é o que chamam de destino, e eu não vou lutar por isso — que seja assim enquanto é!
(Lulu Santos — Minha vida)


O efeito torcida atua como a perfeita ilusão da harmonia, conduz momentaneamente a um vínculo que produz a sensação de pertencimento, de igualdade, de união. Para bem ou para mal, é efetivo. Sem crítica capaz de desmontar os contextos criados para trazê-lo à tona, tornamo-nos reféns de seus efeitos. Dentre eles, as manipulações que visam padronizações, que tornam as diferenças entre as pessoas em oposições com rótulos superficiais — héteros e outros, direitas e esquerdas, moral e imoral. Todas visam capturar grupos de indivíduos para serem utilizados como fantoches para poderes e interesses nos quais nunca serão incluídos ou participarão.

Tornou-se fundamental ao interesse de algumas elites desarticular ou desqualificar qualquer instrumento de capacitação para a crítica, opiniões divergentes ou minorias insurgentes. A massificação depende de homogeneização: todo mundo veste, fala, age e pensa igual. Se não tá na moda e é novo, não presta. Simplesmente usar o medo de ser um excluído como poder de convencimento para a adoção de suas ideias e práticas.

O mundo midiático atual produz incessantemente a realização dos interesses de poderosos conglomerados internacionais. Em nível tecnológico profissional a propaganda de manipulação estabeleceu modos de interferência mental que poucos escapam. Bombardeados diariamente com frases de impacto que não se sintonizam com o conteúdo que carregam, muitos ignoram o prejuízo que isso acarreta. Da divulgação de produtos reluzentes (mas contaminados com agrotóxicos) a boatos com aparência de fatos, estamos enredados numa teia de interesses alheios aos nossos, geralmente produzidos por quem pode controlar os políticos e a imprensa.

O efeito cortina de fumaça é amplamente usado na fase político-social atual. Este velho truque, utilizado por poderes constituídos ou paralelos, consiste em uma rede de produção e divulgação de falsidades ou de eventos para retirar a atenção de fatos importantes. Ele ganha importância na conquista de subjetividades: seu pensamento e o meu, sua prática e a minha, que estão em leilão para quem for mais hábil no convencimento.

As ações em prol de crítica, de qualidade de vida e de níveis autônomos de coletivização comunitária tornaram-se raras. Então, a resistência aos movimentos de desapropriação da vida precisa buscar e encontrar novas formas de expressão. Coletivos precisam se constituir como instrumento prático-pedagógico (vivências que ensinam) de critica, denuncia, defesa de interesses amplos — isso é efetivo e precisa ser incentivado.

As redes sociais possibilitaram modos de interconexão um pouco mais democratizados, mas muitos ainda carecem de instrumentação para o seu uso: a pedagogia crítica precisa ser a tônica, não apenas uma reação às manipulações; a mobilização como método precisa estimular a horizontalização das ações; os pequenos equipamentos de comunicação capazes de capturar e editar imagens, transmitindo-as instantaneamente devem habilitar qualquer pessoa a tornar-se um propagador de ideias. Como tudo, terá usos com finalidades opostas, sua validade está em retirar a apatia do cenário.

A fase de grandes e reais lideranças pode ter acabado com a produção midiática dos salvadores da pátria — os marionetes a serviço da ideologia do enriquecimento sem fim e do controle social. Só na construção do pensamento crítico se efetivará modos distintos e eficazes de apresentar o que, o porquê e o como transformar na sociedade de modo a permitir que todos tenham a sua oportunidade de expressão, sem prejuízo da do outro. Concordante ou discordante, todos devem se apropriar dos modos diretos de expressão. Nenhuma voz deve ser calada. Nenhuma expressividade deve ser impedida nem assumida, se estritamente necessário, apenas mediada: o outro é apenas mais um eu que não deve se perder por um troco qualquer.

Wellington de Oliveira Teixeira, em 17 de julho de 2016.

* Cortina de fumaça é uma nuvem espessa de fumo capaz de bloquear a visão. Figurativamente, correr a cortina sobre um fato é a ação de esconder ou omitir algo, visando disfarçá-lo. A atuação por detrás da cortina visa dirigir um negócio, uma intriga, sem se comprometer ao figurar nela.

6 de jul. de 2016

O ser e o desejar ser

Ser e Desejar ser, criado por Wellington de Oliveira Teixeira em 06-07-2016.
Ser e Desejar ser, criado em 06-07-2016.

Não vê que isto aqui é como filho nascendo? Dói.
Dor é vida exacerbada. O processo dói.
Vir-a-ser é uma lenta e lenta dor boa.
É o espreguiçamento amplo até onde a pessoa pode se esticar.

(Clarice Lispector — Água Viva, p.58)


A insatisfação em se ser o que se é produz o desejo de ser outra coisa, ter outra forma, efetuar-se de outro modo. Em graus distintos, de forma suave ou brusca, se busca e se produz um vir-a-ser(*) outro. E esse processo tem vertentes distintas: a da evolução do ser e a do seu aprisionamento.

Quando alguém fica enredado nas tramas e nas imposições sociais (como se vestir, se expressar, se mover e atuar) ou acredita que ser aquele modelo da propaganda resolverá todas as suas questões, um grande problema surge: a fantasia não cabe na realidade. Invariavelmente, a frustração domina e amplia o desejo de ser outro que não si mesmo. Isso se torna uma espécie de maldição na vida: o desequilíbrio se expressa constantemente pelo sofrimento e se somatiza, manifestando-se como sintoma de diversos tipos de transtornos ou doenças.

Por outra via, quando, por observação ou busca pessoal, alguém começa a alcançar níveis de competência superior, descobrir ou ampliar suas capacidades, equilibrar-se no meio social sem abrir mão de suas características e peculiaridades, o desenvolvimento do ser se efetua com harmonia. A transição de um estado de ser para outro é benéfica e amplia o grau de felicidade, manifestando-se de forma saudável nas relações pessoais.

Um projeto de vida que se possa definir como expressivo e potente não cede diante de ditames de moda ou modelação de comportamentos. É preciso ter a clareza de que esta proposta difere de reproduzir os padrões sociais ou se opor a eles e reforça um caminho de autoprodução e fortalecimento. Muito mais ação do que reação.

A atitude pedagógica, aqui, é aquela que afirma que viver reativamente enfraquece o ser, que tem uma via muito mais eficaz na construção de alianças para efetuar coletivamente o respeito as diferenciações alheias.

Wellington de Oliveira Teixeira, em 06 de julho de 2016.

* Vir-a-ser ou Devir.
  1. A mudança em si mesma, processo e transição de um estado a outro. Opõe-se ao estabelecimento de um referencial estático e perfeito.
  2. As mudanças sequenciais de modos de Ser. Opõe-se à imutabilidade do Ser.
  3. Um caso especial de mudança, vai do Nada ao Ser e, dele, ao Nada. Afirma-se o Ser imutável mas em contínua transformação.