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2 de out. de 2022

Lógica Ilógica

Juízo, criado por Wellington de Oliveira Teixeira em 03-05-2022
Juízo *, criado em 03-05-2022.

Um dia eu disse infantilmente: eu posso tudo. Era a antevisão de poder um dia me largar e cair em um abandono de qualquer lei. Elástica. A profunda alegria: o êxtase secreto. Sei como inventar um pensamento. Sinto o alvoroço da novidade. Mas bem sei que o que escrevo é apenas um tom.
[…] bicho de cavernas ecoantes que sou, e sufoco porque sou palavra e também o seu eco.

(Clarice Lispecto — Água Viva )


De um tempo para cá, a opinião pessoal infundada ganhou espaço em todos os meios e vem nomeada como pensamento independente e outras expressões para as inexpressivas e inexatas formulações que querem emitir. Ela se distingue ao extremo do rigor no pensamento e da lógica ilógica, que ela exclui desde seu âmago.

O que traz de potência própria é gerar incondicionais: vale o que se quiser dizer sem importar fatos, provas, veracidade. Mas isso não é o non sense stricto, nem um recurso extremo ao sarcasmo. Com o non sense, provocar novas formulações é um método eficaz: o absurdo promove a mobilização da razão, da emoção e do pensamento amplo. Com o sarcasmo, age-se no intuitivo e ensina-se, tanto quanto, a lógica formal, exatamente pelo contraponto.

Enquanto as imagéticas infantis produzem imaginários que dão conta de suas incertezas ou elaboram suas novas apreensões de mundo, esse novo modo de definir conceitos é utilizado apenas como um escudo que evita ver-se em exposição indesejada ao querer dizer algo – a respeito do que quer que seja. Tentei, mas não consigo evitar dizer desse modo: é medo, ignorância e burrice, reunidos.

Quando é possível gerar lógica por meio da ilógica, este pode ser um caminho estrangeiro para a expressividade e é bem vindo – ninguém perde nada ao tentar dar voz a seu raciocínio, por mais pífio ou ensandecido que for, estando disponível às críticas que estimulam a reavaliação, ao exame mais detalhado, a uma ampliação aperfeiçoada daquilo que, inicialmente, se expressou.

Razão não basta, todos concordamos com isso – é como Hidrogênio e Oxigênio que, sozinhos, não geram a água. Mas, ser insuficiente não significa ser dispensável. É na combinação entre si de diversos elementos que são constituídas as coisas, inclusive um pensamento: tem intuição, tem avaliação crítica, tem corência e tem expressividade.

De fato, raros são os que se superpõem a este tipo de processo e conseguem, já de início, apresentar uma forma mais coesa e explícita. Fazemos rascunhos que ocupam o lugar do anterior, durante quase todo o tempo da vida: a repaginação da própria razão.

Em que opinião pessoal difere desse processo ou da lógica ilógica? De imediato, nos últimos, há certeza de que o fato de não se obter uma definição plena não autoriza usar qualquer coisa em seu lugar. As versões seguintes, possivelmente evoluções, são desenvolvimentos dos elementos base, refinados – um processo de ir-se retirando as impurezas, os indevidos, os imprecisos, que tiveram lugar antes. A seguir, dar o polimento com a fluidez e a clareza.

Se usar uma alegoria puder ajudar a compreensão, pense que opinião pessoal é como um movimento cirular repetitivo que pode ser superado por uma espiral ascendente do pensamento usando-se da razão e da lógica ilógica – algo que é da própria natureza da Natureza.

Wellington de Oliveira Teixeira, em 01 de junho de 2022.

* Juízo é a faculdade de avaliar os seres e as coisas; é o ato ou ação da razão de examinar, avaliar e tirar conclusões, inclusive por comparação entre diferentes modos, situações ou pontos de vista.