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10 de jul. de 2015

Espíritos indóceis

Espírito indóceis, criado por Wellington de Oliveira Teixeira em 09-07-2015
Espírito indóceis*, criado em 09-07-2015.

Um menino caminha e caminhando chega no muro. E ali logo em frente a esperar pela gente o futuro está.
E o futuro é uma astronave que tentamos pilotar, não tem tempo nem piedade nem tem hora de chegar.
Sem pedir licença muda nossa vida, depois convida a rir ou chorar.
Nessa estrada não nos cabe conhecer ou ver o que virá, o fim dela ninguém sabe bem ao certo onde vai dar.
Vamos todos numa linda passarela de uma aquarela que um dia enfim descolorirá.

(Toquinho — Aquarela)


Permita-se, por um momento, um olhar que ultrapasse a rigidez de uma interpretação única dos fatos e atos, essa crença em um jeito de viver a que todos devem se assujeitar e se conformar.

O inacreditável ronda qualquer dos nossos atos. O mínimo movimento espelha a constituição cósmica dos seres (atração e gravitação), em especial quando atraídos ao encontro do promotor do ainda impensável, o desconhecido.

Acreditar que expressar a potência da vida é resultado das forças adquiridas e do que se construiu com ela não é algo herético. É coerente com qualquer pensamento ético, religioso ou filosófico. É possível aos que deles absorvem mais positividade que degradações — já que todos os encontros carregam, sem si, prós e contras! — ampliar as vias mais esclarecidas, em vez de seguir a esmo.

Sim, ainda é possível ir às escuras, aventurar-se por vias de alta periculosidade para encontrar fontes promotoras de novas capacidades ou novidades. Desse risco provaram muitos dos pioneiros ingênuos. Outros, porém, por terem alcançado um alto grau de avaliação de contexto, seguiram outra trilha e conseguiram até dividir o Novo mundo, antes de alcançado — recorde o Tratado das Tordesilhas, entre Portugal e Espanha, das aulas de história.

Loucos somos nós, não eles. É o que a história comprova. Desde muito antes da controvérsia de quem gira em torno de quem nessa galáxia, se a Terra era redonda ou plana, as verdades estabelecidas impediam o avançar e constituir novos mundos.

Acreditar no antropocentrismo permitiu submeter tudo ao julgo humano. Exaurimos a vida de qualquer ser e as reservas naturais, em prol do desperdício — ignobilmente chamado de qualidade de vida. Possibilidade aberta não por intuição e lógica reunidas por mentes abertas ao novo, aplicadas por espíritos aventureiros e não dóceis ao repetitivo e cotidianamente enfadonho. Foi pelo desejo de manter o poder a qualquer custo, utilizando-se de uma cadeia de influências para produzir normas e leis que o perpetuem.

Ao contrário dos que se rebelam contra esse caos estabelecido por práticas insanas, o restante de nós, talvez docilizados demais, entorpecidos pela vontade de verdade absoluta e atemporal, fazemos coro aos que apedrejam e desqualificam aqueles que estabelecem uma jornada de vida diferenciada e propõem uma nova forma de relacionamento entre o homem e a natureza, entre o homem e o homem.

A imbecilidade humana só consegue ultrapassar suas imensas capacidades quando há interesses em jogo manipulando todos ao redor em benefício próprio. É a história do domínio, do subjugo. Tristemente reconheço que há muito isso é feito por convencimento: adotamos sem reclamar.

Hora de surgir novos heróis, incondicionados, inconformados, mas plenamente conscientes da necessidade de ir em busca de alternativas para produzirem nova conscientização. Talvez unicamente a eles caberá — enquanto todos nós outros não ousamos — descobrir aquilo que se oculta e nos controla e nos manipula diariamente; retirar a película que encobre nossos olhos impedindo o enxergar a realidade. Quem sabe aprendamos como deixar de reproduzir os absolutos sem sentido, com a justificativa de que sempre foi assim e assim deverá continuar a ser.

Wellington de Oliveira Teixeira, em 10 de julho de 2015.

* Pioneiro vem do francês pionnier, alguém que abre caminhos por locais desconhecidos: o precursor, o desbravador e o descobridor.
  • Militares denominam assim o soldado que vai adiante no terreno preparando o caminho para o resto do esquadrão.
  • Nos negócios, os empreendedores ganham essa denominação quando investem na inovação, delimitando novos horizontes.
  • Pescadores nomeiam dessa forma o cabo lançado à água da popa de um barco de pesca que, por possuir uma pedra amarrada na extremidade, evita que correntes fortes gerem guinadas no barco.
E nessa última qualificação me baseio para alertar para a questão do equilíbrio em toda forma de aventura e de investimento no desconhecido.

O Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova foi redigido por Fernando de Azevedo e assinado por grandes intelectuais brasileiros como Anísio Teixeira, Afrânio Peixoto, Lourenço Filho, Roquette Pinto, Delgado de Carvalho, Hermes Lima e Cecília Meireles. Era o entendimento da importância de propiciar uma educação de qualidade para todos. Helena Bomeny, pesquisadora do CPDOC da Fundação Getúlio Vargas, produz um texto bem ilustrativo em O Brasil de JK > Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova

Um comentário:

Anônimo disse...

Relacionado com o assunto do texto, recomendo a leitura do livro "O pequeno home das montanhas. Dersu Uzala: ecologia, semiótica e arte” (Antonino Condorelli. Natal: Oito Editora, 2014). O livro é um ensaio baseado na dissertação do mesmo autor.
Veja a dissertação em http://www.ppged.ufrn.br/arquivos/teses_dissertacoes/dissertacoes%20-%202011/ANTONINO%20CONDORELLI.pdf.
Nele se relaciona o livro “Dersu Uzala”, de Vladimir Arseniev, com o filme homônimo de Akira Kurosawa. Como resultado, são apresentadas reflexões acerca da relação do humano com o não humano, bem como de algumas mudanças na cognição possíveis de ocorrerem em sujeitos urbanos quando vivenciando experiências não urbanas.
Há também um artigo, do mesmo autor (Do mito moderno da natureza selvagem à atenção plena: explorando a trajetória de Cris McCandless em “Into the Wild”), que trata de temática semelhante.
O artigo é mais rápido de ser lido e pode ser visto em http://www.ccsa.ufrn.br/portal/anais/2010/artigos/gt7-07.pdf.
Não conheço pessoalmente esse tal Antonino, mas os textos dele que li até agora sistematizam de forma bastante apropriada ideias que se assemelham às derivadas de minhas experiências com o humano e com o não humano.