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4 de jul. de 2015

A corrosão já se estabeleceu na alma

Enferrujando, criado por Wellington de Oliveira Teixeira em 04-07-2015.
Enferrujando*, criado em 04-07-2015.

Para um iniciante, o mestre Zen normalmente apresentará esse Mu-Koan ou um entre os dois seguintes:
"Qual era o seu rosto original — aquele que você possuía antes de nascer?"
"Você pode produzir o som de duas mãos batendo uma na outra. Mas qual é o som de uma das mãos?"
Deparamo-nos aqui com um surpreendente paralelo com as situações paradoxais com que se defrontam os físicos no início da Física atômica. Como sucede no Zen, a verdade achava-se escondida em paradoxos que não podiam ser resolvidos pelo raciocínio lógico mas demandavam ser compreendidos nos termos de uma nova percepção: a percepção da realidade atômica. Aqui, o professor foi, unicamente, a natureza que, à semelhança do Zen, não fornece quaisquer afirmativas, mas apenas enigmas.
(Fritjof Capra — O Tao da física: um paralelo entre a Física moderna e o Misticismo oriental, p.44-45)


Ousássemos um pouquinho mais olhar a engrenagem que nos move e que sustenta todos os movimentos de vida, certamente encontraríamos os sinais evidenciando a corrosão que se estabeleceu.

Talvez não haja disposição para usar abrasivos para restaurá-la: causará dor, exigirá esforço. A gente vai se acostumando, até mesmo com os vazamentos tão indesejáveis que a oxidação expõem à realidade tornando os elementos decorativos, colocados para disfarçar, ineficazes.

Deixamos de cuidar da estrutura. O essencial agora é o supérfluo. Gastamos as forças que nos elevariam a um patamar mais pleno para colocar um brilho para chamar a atenção. Queremos a concordância, a admiração, o pertencimento, acima da integridade como ser.

A mágica da diferenciação se perdeu nos rituais da repetição. A sensibilidade foi emudecida para que fizéssemos coro com a maioria. Incoerência não incomoda, hipocrisia é admirável, desde que a fama amorteça o esvaziamento que vai provocando.

Ainda resta um certo brilho, uma aura resistindo ao apagamento, mas a proximidade do espedaçamento e do esgarçamento interior se anuncia com rapidez, ecoando como um brado, um socorro, um alarme denunciando o irretornável.

Uma nova espécie está surgindo, docilmente maleável ao domínio e à manipulação. O que algum dia era execrável e impensável tornou-se o novo alvo para a vida.

O mundo das essências, enquanto originalidade e singularidade, perde o seu espaço, a passos largos, e nenhum plano de contingência foi estabelecido para evitar sua extinção. À semelhança do que acontece no planeta, os recursos que permitiriam a restauração encontram-se perigosamente escassos.

Do fundo do meu coração, não quero ver o resultado desse processo, não quero conhecer esse sujeito que um dia foi humano, não quero experienciar a nulificação da alma, muito menos a cauterização do espírito. Enquanto não me encontro apto para alçar outros voos, nado contra a corrente, ouso o libertário ato de questionar e criticar, promovo outro modo de ser e estar, quem sabe, de restaurar à vida a sua plenitude roubada.

Wellington de Oliveira Teixeira, em 04 de julho de 2015.

* o processo de oxidação estabelecido em peças metálicas resulta da falta de manutenção, especialmente quando há exposição direta aos ambientes impróprios e desuso. Se caracteriza pela desconstrução gradual e inexorável do material ao ponto de perder toda a sua resistência e propriedades iniciais.

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