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14 de mai. de 2014

Tubulações em máquinas desejantes

Tubulações, criado por Wellington de Oliveira Teixeira em 14-05-2014.
Tubulações, criado em 14-05-2014.

Capítulo 1: As máquinas desejantes
Em toda a parte são máquinas, de maneira alguma metaforicamente;
máquinas de máquinas com seus acoplamentos, suas conexões.
Uma máquina órgão é ligada em uma máquina fonte:
uma emite o fluxo e a outra corta.
O seio é uma máquina que produz leite,
e a boca, uma máquina acoplada nela. […]
Em toda a parte, máquinas produtoras ou desejantes,
as máquinas esquizofrênicas, toda a vida genérica:
eu e não-eu, exterior e interior não querem dizer mais nada.

(O anti-Édipo: capitalismo e esquizofrenia — Gilles Deleuze e Félix Guattari*)


Não é preciso muita imaginação para se perceber que o corpo humano é um emaranhado de tubos. Tubulação passível de macro e micro observações nesta máquina desejante que é incrivelmente complexa em cada um dos seus mínimos detalhes. Mas, nada basta em si próprio, o desejo acontece nele e o faz ser o que ele é — ou não.

Funcionalmente falando, esses tubos transportam energia, lubrificação, sustentação e, alguns muito especializados, informação. Cada um, quando novo, precisa de cuidado no manuseio e utilização. Não exigir a utilização de sua capacidade ou tensionamento máximos, até que estejam preparados para isso, é o melhor modo de se evitar que rompam. Porém, mesmo com o uso cuidadoso, há o desgaste natural que ultrapassar a inércia impõe.

Porém, essa máquina vem com peças de reposição, os famosos sobressalentes, que vão substituindo as desgastadas com o passar do tempo. Um processo automatizado e muito bem coordenado de troca e eliminação dos resíduos indesejados.

Quanto ao arsenal de tubulações de um ser humano, eles entopem, perdem elasticidade, a pressão e a força, fazendo com que a qualidade com que desempenhavam suas funções se reduza. Mas criamos tecnologias para prolongar a vida útil de tais equipamentos. Pesquisamos composições que, quando reunidas com o combustível que abastece o corpo, tornam o processo de desgaste muito menor: limpeza, lubrificação, aditivos que estimulam um desempenho melhor. No entanto, mesmo com as tecnologias cirúrgicas e os novos produtos com base em nanotecnologias, isso ainda tem um limite — e é preciso respeitá-lo.

Mesmo em uma cultura de supervalorização das novidades, as antigas máquinas possuem funcionalidades, algumas das vezes, exclusivas. O filme Sete Vidas** nos apresenta o uso de prensas que imprimem cartões exclusivos ou gravuras. Grandemente valorizadas pela dificuldade extrema de se conseguir o mesmo efeito digitalmente. Exclusividade e raridade lhes promovem a importância.

De certa forma, no fim das contas, cada peça da máquina consegue se estabelecer e permanecer em função daquilo que produz: as efetivas permanecem, as ineficientes são substituídas.

Por menor que tenha sido o seu tempo útil, cada contribuição, sem exceção, permite que todas deixem o seu legado: um funcionamento que podemos chamar de vida.

Wellington de Oliveira Teixeira, em 14 de maio de 2014.

* Bruno Cava, em sua resenha de O anti-Édipo: capitalismo e esquizofrenia diz:
Toda a realidade se cria no desejo e pelo desejo, num movimento para dentro e para fora, que se diferencia inclusive em si mesmo, uma vastidão intensiva. Por sermos tocados pelo desejo, sempre há algo em nós que nos convoca para além do que somos. O desejo nos chama de um nome estranho e nós respondemos — outros.
[…]Por isso, nenhuma pessoa, nenhuma coisa, nada basta em si próprio. Sempre se pode ativar um excedente, uma carga delirante que desborda e embaralha.
Aqui, nenhum vitalismo à vista: tem desejo de vida e tem desejo de morte. Do contrário, as pessoas nunca se suicidariam.


** Sete Vida é um filme de 2008, onde o protagonista sofre depressão por se julgar culpado de um acidente que causa a morte de sete pessoas. Tentando se redimir decide salvar o mesmo número de pessoas mortas no acidente, doando partes de seu corpo.

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