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14 de set. de 2017

Modos de vida guetificantes

Despressurizando, criado por Wellington de Oliveira Teixeira em 14-09-2017.
Despressurizando, criado em 14-09-2017.

Os laços entre nós e uma pessoa somente existem em nosso pensamento. Ao enfraquecer, a memória os afrouxa e, apesar da ilusão de que desejaríamos ser vítimas, e com a qual, por amor, por amizade, por delicadeza, por respeito humano, por dever, iludimos os outros, nós existimos sozinhos*. O homem é o ser que não pode sair de si, que só conhece os outros em si, e se diz o contrário, mente.
(Marcel Proust — Albertina desaparecida, p.48)


As relações sociais nem sempre se estruturam por acordos pacíficos. Qualquer imposição, mesmo as bem sucedidas, produzem um amargo gosto em quem a engoliu porque se transforma em veneno. Claro que qualquer droga em uma pequena dose pode remediar, mas em doses maiores tende a matar.

A história ensina que os fluxos acabam se tornando pendulares, indo de um extremo ao outro, por conta da pressão exercida para exercer um ponto de vista dominante. E tudo que é forçado e indesejado se acumula, pressionando. Um incômodo que exige encontrar ou produzir brechas para escapar. Como um balão, se não o ar não for expelido, despressurizando a tempo, explode.

A eclosão de uma estrutura aprisionante pode exigir uma atividade em tal grau de potência que pode ser comparável a um tsunami, varrendo todas as superfícies. Mas ele surge silenciosamente, em meio a outras ondas. Quem diria que, por um acaso, algumas se reuniriam com outros elementos naturais e comporiam um dos maiores espetáculos da natureza? Destrutivo? Não apenas. Após sua passagem, a paisagem se recompõe, de um modo ou de outro. A única coisa que permanece é a dor da tragédia que se abateu.

Algumas pessoas reagem de forma violenta aos aprisionamentos, outras decaem por suas fragilidades e optam pela inexistência. Em qualquer dos casos, uma tragédia anunciada: as rachaduras vão se expondo porque a pressão exercida se amplia e vai sendo continuamente ignorada.

Como sociedade, é preciso desenvolver modos de convivência que não sejam guetificadores, separatistas e excludentes. Mesmo quando há questões morais. Não é preciso esforço para identificar que há diversas e não apenas uma moral, como os fundamentalismos tendem a afirmar. É preciso reaprender e ensinar o uso das sutilizas, da atenção particularizada, do buscar no outro o subsídio para entender as suas e as nossas próprias questões.

Como o ponto mais importante a se ressaltar, somente com envolvimento crítico, visando uma reabertura à vida colaborativa e cooperadora, será possível mudar a realidade e desestruturar os aprisionamentos, de forma pacífica; antes que o sejam pela via da revolta, dos confrontos e da destruição.

Não somos seres 'naturalmente' pacíficos ou guerreiros; somos um construto que vai se estabelecendo nos inter relacionamentos. Podemos nos agrupar para nos defendermos uns aos outros, por uma opção de vida. Do contrário, resta apenas essa luta para pisar no outro em nome de um modo de vida vendido como o melhor: a questão que você deveria fazer é '— Para quem?'.

Wellington de Oliveira Teixeira, em 14 de setembro de 2017.

* Esse pensamento propõe que o maior gueto imposto a um ser humano é própria existência, isolada e solitária. Mas, traz uma concepção de que é preciso gerar as estruturas do outro, torná-lo alguém, dentro de si mesmo. O processo é voluntário, e o único capaz de permitir um olhar diferenciado sobre nós mesmos e sobre o outro: entendendo-o como um igual e com isso, desconstruir os segregacionismos.
Gueto
(do italiano ghetto) região em que são confinados os membros de uma etnia ou de grupo minoritário, devido a pressões ou questões econômicas ou sociais. Na Segunda Guerra Mundial, guetos eram regiões urbanas que isolavam e concentravam a população judaica local. Os alemães estabeleceram pelo menos mil guetos na Polônia e na União Soviética.
Atualmente, qualquer estilo de vida ou tipo de existência resultante de segregação ou tratamento discriminatório.
O gueto de Varsóvia ficou famoso pela resistência que ofereceu à dominação nazista. Hoje, grupos ativistas promovem a desguetificação, questionando as segregações e preconceitos e promovendo uma sociedade mais igualitária.
Formação socioespacial delimitada, racial e/ou culturalmente uniforme, baseada no banimento forçado de uma população negativamente tipificada (..) para um território reservado no qual essa população desenvolve um conjunto de instituições que operam ao mesmo tempo como substituto das instituições dominantes da sociedade abrangente e como neutralizador contra elas.

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