Pesquisar este blog

8 de set. de 2017

Lavas e remodelações

Remodelações, criado por Wellington de Oliveira Teixeira em 07-09-2017.
Remodelações, *, criado em 07-09-2017.

É a conhecida tese de que o inconsciente se estrutura como uma linguagem, sendo linguagem tomada aqui em sua dupla face de língua e de fala. Sistema abstrato de diferenças entre signos e sistema concreto de trocas sociais a linguagem, assim considerada, mostra-se compatível com o materialismo que Lacan pretende infiltrar em sua concepção de inconsciente. Um materialismo que é ao mesmo tempo uma crítica da positividade e da identidade, intuitivamente presentes na noção de retorno. O retorno do mesmo e o retorno como presença de objeto invertem-se, através da chave da linguagem, no retorno da diferença e no retorno da negatividade, atributos essenciais da noção lacaniana de simbólico.

(Christian Ingo Lenz Dunker — Um Retorno a Freud, p. 118)


São fundamentais os acontecimentos que trazem à tona, das profundezas da alma, os elementos essenciais relegados à segundo plano. Eles são os únicos capazes de renovar a superfície exterior de cada um, ao evitar a solidificação e a permanência de uma forma fundamentada no passado.

Não são nossos demônios. Esses magmas interiores são nossos anjos internos que batalham por nossa subsistência e resistem ao subjugo à máscara social. São ódios e amores parciais, pensamentos e sentimentos reprimidos, frases engolidas, gestos interrompidos e tudo o mais que é empurrado para o calabouço obscuro da inconsciência e mantido compulsivamente fora do domínio da existência.

Vez por outra, quando conseguem rachar a superfície polida – com isso, nos apresentando nus e crus –, exprimem essa parte de nosso ser que, divergindo dos moldes, escapa às modelações. Sim, são incompreensíveis, na maior parte dos instantes. São produtores de descontinuidades e de desarranjos das estruturas que adotamos visando a sobrevivência social. Isso não significa desqualificável, destrutivo em si. Pode-se denominá-los como rearranjadores.

O corpo social permite vivências nos campos da colaboração, da empatia, dos agrupamentos e coletivizações – práticas necessárias, capazes de estabelecer sintonias e equalizações –; em grau idêntico, tem potencial para constrangimento e impedimentos que obrigam a encobrir a manifestação das diferenciações e do que não está predeterminado.

Quando os fenômenos disruptivos ocorrem, social ou individualmente, o que vem à tona produz tanto estragos quanto benefícios. Utilizar as decomposições para reformular o estabelecido é como desmontar e remontar peças de um lego, é semelhante a fazer a reciclagem de produto potencialmente tóxico: algo sempre urgente e sadio.

A socialização impõe uma espécie de mordaça: há vozes dentro de nós que são caladas e lutam por se fazer ouvidas. Permitir que elas aflorem e se expressem de forma criativa (não como lavas de vulcão) é algo terapêutico e que não deveria ser um desafio para poucos. Comparável a uma viagem ao fundo do ego, a busca aos tesouros interiores pode ser a maior aventura que alguém se propõe.

Refazer-se continuamente supera os benefícios individuais: os rearranjos proporcionam as condições de manutenção de uma sociedade viva, continuamente renovada, ao permitir a absorção de novas e diferenciadas formas de ser. Pena que é próprio apenas dos que não se omitem, dos que se encaram honestamente e dos que encontram na sua contínua transformação um modo de evolução do ser.

Wellington de Oliveira Teixeira, em 07 de setembro de 2017.

* A elaboração de uma situação conflitante pode ter o viés da reordenação. Ao invés de se deter no passado, em si, ressignificá-lo para a atualidade.
Imensos fluxos contidos pelas exigências do cotidiano ou pelas regras sociais estruturam-se como magmas de um vulcão, no interior de um ser. Como o líquido em ebulição no centro do planeta, impõe o movimento e as transformações internas. Vez por outra, se expressam como erupção e seus jatos remodelam a superfície: ao tempo em que promove caos, desestruturações, os novos elementos trazem nutrientes que afetarão o ambiente próximo, via composição.
Certamente isso pode ser estendido, como uma metáfora, para as inter relações sociais. Ao lidar melhor com suas peculiaridades, suas diferenciações, um indivíduo tem o potencial para desfazer o enrijecimento social. Não que isso elimine as máscaras socialmente elaboradas, que sempre existirão, mas proporciona um uso consciente, sem a adesão e deformação da própria face.
Minha leitura é a de que esses elementos reprimidos podem ser aliados poderosos nos processos de desenvolvimento de um ser e da sociedade. Não como inimigos, não como refugos, esses elementos guardados e ocultos da superfície, podem atuar como potencializador de alguém, da mesma forma que um adubo reconstitui a potência de uma planta.

Nenhum comentário: