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4 de set. de 2017

Subterfúgio humano

afetação, criado por Wellington de Oliveira Teixeira em 01-09-2017.
Afetação *, criado em 01-09-2017.

A eternidade é o estado das coisas neste momento.
(Clarice Lispector)


O aqui e o agora, como única forma de constituição do eu, traz gigantescos desafios à noção noção de ser, especialmente de ser de forma duradoura. Temos essa sensação-ilusão de sermos o mesmo desde a infância, mesmo com transições nem um pouco suaves. Há um certo apego a essa ideia. Em alguns, a obsessão pelo contínuo faz da rejeição ao que foge aos padrões uma questão de vida.

Seres humanos desejam profundamente acreditar no ser, mais do que no estar sendo. Somos incapazes de lidar conscientemente com os infinitos e variáveis modos de ser que carregamos e que podem ser atualizados a cada instante, disparados por cada encontro efetivado como composição ou decomposição de nossas potências.

Qualquer presunção de fixidez é vã. Cada forma de ser dura apenas uma certa fração de momento pois, a seguir, somos afetados por alguma força de vida e desviados da aparente trajetória traçada. Instantaneamente, mudamos de gente de bem para gênios do mal, ou qualquer variante intermediária. Somos pura transformação: amando-odiando, aproximando-afastando, cuidando-negligenciando, em todos os graus possíveis.

Tudo se define nos encontros que estabelecemos, a cada instante. Cada imagem, som, sensação tátil, aroma, sabor, capturados pelos sentidos é capaz de incendiar a alma; e rimos, choramos, amamos ou odiamos, inclusive todos os indeterminados. E isso é o suficiente para nos mobilizar, nos retirar da paralisia e da mesmice: somos os seres da afetação, aqueles que se deixam afetar e afetam o que quer que encontrem.

À despeito de tudo isso, nos agarramos a fixação, esquecemos o movimento e estabelecemos uma paralisação: apenas uma fotografia de certa imagem mental que foi impressa em nossa alma. Impactos vivenciados, que viram marcas na superfície de um encontro, podem estabelecer um certo padrão: assim surgem as opiniões a respeito de algo, alguém e sobre si mesmo.

A rotulação ultrapassa essa opinião acerca da marca da dor-prazer vivenciada. Ela surge como uma extrapolação visando determinar uma essência para algo ou alguém, a despeito de nada poder garanti-la: o desconhecido e o diferente tornam-se os maiores inimigos imaginários de quem não consegue lidar com o que produz incerteza.

Assujeitados a esse processo, o que evidência nossas transformações se torna quase imperceptível, ou mesmo ignorado: o bloqueio permite acreditar num si mesmo contínuo. A ilusão da permanência, nossa ou a do outro, é o subterfúgio humano para acreditar que tem algum controle sobre a própria vida.

A bem da verdade, nos despedaçamos e nos remontamos na totalidade do tempo de nossas vidas, em função dos distanciamentos ou aproximações, dos embates ou das pacificações, do que quer que nos aglutine ou desagregue.

A metamorfose ambulante não é a exceção, mas a mais profunda realidade experimentada por cada ser humano que ainda carrega a sanidade. Loucura é o estabelecimento de uma aparência forçada, dessa máscara social que ocupa o lugar da fuga do vir a ser em nome da permanência.

Wellington de Oliveira Teixeira, em 03 de setembro de 2017.

* Temporalidade e Transformações são a essência da vida física e, dependendo do ângulo ou prisma adotado, ganham cursos muito diferenciados de influência nas práticas. Somente aqueles que conseguem se determinar um certo desapego, um certo espaço para novas experimentações, conseguem se estabelecer como ser de encontros potentes. Esvaziar-se é necessário para que novos conteúdos tenham vez: tarefa hercúlea, que traz consigo igual medida de descobertas e de ampliação de horizontes.

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