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17 de abr. de 2014

A arte de dividir-se

Dividir-se, criado por Wellington de Oliveira Teixeira em 16-04-2014
Dividir-se, criado em 16-04-2014.

Não se descobre o absurdo sem ser tentado a escrever algum manual de felicidade. "Mas como, com umas trilhas tão estreitas?" No entanto, só existe um mundo. A felicidade e o absurdo são dois filhos da mesma terra. São inseparáveis. O erro seria dizer que a felicidade nasce forçosamente da descoberta absurda. Ocorre do mesmo modo o sentimento do absurdo nascer da felicidade. "Acho que tudo está bem", diz Édipo, e essa fala é sagrada. Ela ressoa no universo feroz e limitado do homem. Ensina que tudo não é e não foi esgotado. Expulsa deste mundo um deus que nele havia entrado com a insatisfação e o gosto pelas dores inúteis. Faz do destino um assunto do homem e que deve se acertado entre os homens.
(Albert Camus - O Mito de Sísifo)***

Exemplos diários de dissociação incluem veículos de comunicação destacando estresse pós-traumático de soldados que retornam de guerra, vítimas de estupro acometidos de amnésia sobre os detalhes e, na Justiça, o problema de definição de responsabilidade sobre os atos, nos casos de Transtorno Dissociativo de Identidade (múltiplas personalidades). **


Alguém pode me dizer como se faz divisões sem que haja resíduos, sobras, restos? Imagino que é por causa deles que, durante a noite, meu cérebro não pare (mas será que algum momento ele para?).

Um pedido: não me fale de consciente e inconsciente. Pelo amor de Freud! Quociente é o resultado da divisão. E se os sujeitos não são inteiros, vai sobrar para alguém um resto. Geralmente, amargo para engolir.

Quando alguém me diz que tem que dividir-se em dois para dar conta de suas tarefas, eu entendo. A figura propõe multiplicar ou dobrar a capacidade de resolução. E quando alguém me diz que está dividido, eu entendo. A figura propõe menos da metade da capacidade.

Ilógico? Pode ser, mas eu lhe garanto que a atenção de uma pessoa que está dividida não atinge a metade exata de suas tarefas, uma recebe menos que a outra de maior interesse. Essa é uma avaliação de senso comum, isto é, não está embasada na exatidão ou cientificidade. É uma atestado de sua existência por detecção e comprovação de um fato: é algo que acontece, realmente.

Imagine os alunos e trabalhadores que estão doidos para irem embora, na véspera do feriadão (é o seu caso?). A menina ou o menino que, em vez de realizar suas tarefas, divaga. Bem, aqui a divisão do tempo parece se prolongar, demora a passar, os ponteiros do relógio não estão favoráveis ao resultado desejado.

O que me provoca nesse processo é o fato de sermos capazes de produzir um outro de nós mesmos — ou algo muito próximo disso — nessas horas. Há pessoas que são capazes de repetir o que estavam dizendo, mesmo com a atenção totalmente fora de onde estavam. Outros, como em reuniões decisivas, que enquanto ouvem um argumento, já estão estruturando os contra-argumentos necessários para outra situação - simultaneamente. Fisicamente muito distantes do lugar em que estão o pensamento e a emoção: dissociados.

Buscando formulações menos avançadas, estou pensando especificamente em como fico dividido, em alguns casos, para tomar decisões. A velha e já manjada briguinha entre razão e emoção. É que estar de fora de uma situação dessas facilita o olhar mais frio e crítico. Mas estar dentro… bem… não é nada fácil.

Uma hora ou outra, estaremos contra a parede, com a corda no pescoço, pois não dá para ser um joão-bobo ou o grande boneco inflável que se mexe ao vento ('bonecão do posto tá maluco, tá doidão'!). Situação em que, não fosse o sofrimento estampado, seria risível.

Todo mundo sabe como pode ser paralisante esse embate dentro de si. Afinal de contas, ninguém quer perder ou se machucar. E a matemática da divisão diz que ela é o contrário da multiplicação e representada por uma fração. Ninguém quer ficar fracionado.

Já viu um divisor de sinal de antena? Ele tem uma entrada e várias saídas. E tem uma tarefa ingrata. Sua função é potencializar o sinal que cada saída receberá para não degradar a imagem resultante, mais ou menos o milagre da multiplicação.

Enquanto não houver uma rachadura completa ou uma soldagem bem feita, vale as tentativas. Dessa vez vou tentar uma 'viagem astral'. Meditar e ir aonde meu coração manda. Não vou contestá-lo. Mas, depois, vou segurar a onda com a minha razão. Ela sempre corre atrás da emoção, no meu caso, apesar de toda a minha racionalidade.

Então tá decidido: o jeito é equilibrar a situação porque se eu não tomar um partido, acabarei partido, igual a esse texto. O pior é que já tem muitos pedaços que restaram de outras divisões espalhados dentro de mim.

É preciso ser um artista para se manter inteiro, não é? Alguém tem um cola-tudo para emprestar?

Wellington de Oliveira Teixeira, em 17 e 18 de abril de 2014.

* Sobre divisão matemática, leia:
http://educacao.uol.com.br/disciplinas/matematica/divisao-o-inverso-da-multiplicacao.htm
http://pt.wikipedia.org/wiki/Divis%C3%A3o

** A Ação de dissociar na
Física: Desagregação de moléculas.
Química: Decomposição reversível dos corpos.
Psiquiatria: Ruptura da unidade psíquica, que constitui um dos principais sintomas psicóticos, notadamente da esquizofrenia. (Amplie seu conhecimento em http://www.psicosite.com.br/tex/sod/dis003.htm)

*** CAMUS, Albert - O Mito de Sísifo - http://www.planonacionaldeleitura.gov.pt/clubedeleituras/upload/e_livros/clle000131.pdf

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