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1 de abr. de 2014

Silêncios impostos

Covas profundas, criado por Wellington de Oliveira Teixeira em 31-03-2014
Covas profundas, criado em 31-03-2014

Os feiticeiros dizem que estamos dentro de uma bolha. É uma bolha em que somos colocados no momento de nosso nascimento. A princípio a bolha está aberta, mas depois começa a fechar-se, até nos ter trancafiado dentro dela. Essa bolha é a nossa percepção. Vivemos dentro dessa bolha toda a nossa vida. E o que presenciamos em suas paredes redondas é o nosso próprio reflexo.
(Carlos Castaneda - Porta para o infinito p.222)

Há, contudo, resistências a essas competentes produções de subjetividades, tentativas de se forjar e produzir territórios singulares.
[…] Duas categorias são produzidas e muito disseminadas nesses anos no Brasil: a do subversivo e a do drogado, ligadas à juventude da época. A primeira é apresentada com conotações de grande periculosidade e violência, visto ser uma ameaça política à ordem vigente; deve ser identificada e controlada. Tal categoria vem acompanhada de outros adjetivos, como criminoso, traidor, ateu, o que traz fortes implicações morais. O subversivo não está somente contra o regime, mas contra a religião, a família, a pátria, a moral e a civilização. Está contaminado por “ideologias exóticas”, por mandatários de fora.

(Cecília Maria Bouças Coimbra - Práticas 'Psi' no Brasil do 'milagre': algumas de suas produções***.)


Tentativas de esquecimento forjam no porão da alma silêncios impostos, nascimento e crescimento de monstros que fermentam pesadelos novos.

Cavernas cavadas como covas profundas escondem o grito contido, o soluço impedido e a pele lacerada.

Vento frio e cortante provoca o espirro febril e constante. As máscaras que asfixiam e se fixam nos fios da vida, esgarçados.

Velozes imagens na mente. O olhar é distante e ausente.

Sorrisos embotados, sentimentos embolados, sentidos massacrados. A aspereza dos sentimentos pendentes pede à vida um cuidado urgente.

Ferozes imagens dementes. O olhar é distante e ausente.

Da tortura e amigo distante, investiu em cabeças pensantes. Da vivência brutal, degradante, produziu pensamentos brilhantes.

Resistindo a quem mata ou prende apertando no corpo a corrente, até hoje é quem luta e defende a memória do amigo ausente.

Wellington de Oliveira Teixeira, em 31 d março de 2014.

* Dedico com um carinho imenso à Cecília Maria Bouças Coimbra, que ultrapassou a Ditadura no Brasil. Sua prática como psicóloga, ex-presidente do Grupo Tortura Nunca Mais-RJ, professora da Universidade Federal Fluminense, minha orientadora na monitoria e pesquisa deixaram marcas e memórias belíssimas em mim.

** O desafio de tentar uma nova forma para descrever o sofrimento que a ditadura causou me assustou, novamente.

*** O texto completo encontra-se disponível em http://www.cliopsyche.uerj.br/livros/clio1/praticaspsinobrasildomilagre.htm

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