Pesquisar este blog

31 de ago. de 2017

Artifícios e arte

Artifícios, criado por Wellington de Oliveira Teixeira em 31-08-2017.
Artifícios *, criado em 31-08-2017.

O poeta é um fingidor. Finge tão completamente Que chega a fingir que é dor A dor que deveras sente.
E os que leem o que escreve, Na dor lida sentem bem, Não as duas que ele teve, Mas só a que eles não têm.
E assim nas calhas de roda Gira, a entreter a razão, Esse comboio de corda Que se chama coração.

(Fernando Pessoa — Auto psicografia)


O essencial está na expressividade obtida ao usar qualquer elemento à seu dispor para interferir em seu contexto pessoal ou social. Do contrário, a arte produz passividade e imersão ingênua.

Qualquer intervenção que se pretenda artística deve ter elementos catalisadores de incômodos e questionamentos, de produção de deslocamento: capturar a atenção e provocar estranhamentos é fundamental.

É um desafio complicado: captar o expectador e sua ótica, sem abrir mão de dar vazão a seus movimentos de transformação e de realização pessoal. Onde alguns usam a superexposição ou o exagero para denunciar o que escapa à visão, outros mimetizam a realidade extraindo-a do seu contexto usual para constituir novos contrapontos ao óbvio, ao comum, ao esperado.

Sessões onde o autor explica a sua obra tendem a ser inócuas. No entanto, narrar a experiência pessoal de composição pode ser efetivo: vivências e rotas trilhadas podem encontrar eco, mesmo que de modos díspares. Mas é fundamental compreender que quase nunca se obtém uma transposição da percepção em grande parte dos observadores (repleta de alucinantes rotinas, mesmices e tédios), tornando o inusitado muito raro.

Na selvageria da vida cotidiana, permitir um ponto de fuga, uma distração que seja, de modo a descansar olhos enrijecidos e perspectivas manipuladas é uma tarefa complicada, tanto quanto essencial.

Quando, para além disso, ocorrer um pequeno deslocamento no ponto de equilíbrio, um passo além e suas novas perspectivas, gerou-se um novo mundo. É que essa nova imersão tem potencial de libertar a alma dos cárceres privados impostos pelas sobredeterminações à vida.

Wellington de Oliveira Teixeira, em 31 de agosto de 2017.

* Para uma ampliação do tema, por outras vias de pensamento, sugiro a leitura de A invenção na arte - Devires e sensações na filosofia de Deleuze e Guattari.

Nenhum comentário: