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29 de ago. de 2017

Consumidores consumidos

Consumidores, criado por Wellington de Oliveira Teixeira em 27-08-2017.
Consumidores *, criado em 27-08-2017.

Mesmo quando tudo pede um pouco mais de calma, até quando o corpo pede um pouco mais de alma, a vida não para.
Enquanto o tempo acelera e pede pressa; eu me recuso, faço hora, vou na valsa: a vida é tão rara!
Enquanto todo mundo espera a cura do mal e a loucura finge que isso tudo é normal, eu finjo ter paciência.
O mundo vai girando cada vez mais veloz, a gente espera do mundo e o mundo espera de nós um pouco mais de paciência.
Será que é tempo que lhe falta pra perceber? Será que temos esse tempo pra perder? E quem quer saber?
A vida é tão rara, tão rara!

(Lenine — Paciência)


O distanciamento da realidade é um poderosíssimo instrumento para a alienação ou para a restauração da alma e está intimamente ligado à atitude de quem o pratica. Há similaridade do método, talvez da motivação, nunca do projeto de futuro. Em ambas, forma ativa ou passiva, o equilíbrio da vida estará em jogo e a forma de inserção social, também.

Há séculos, a prática da meditação, da contemplação, do isolamento tem sido utilizada com objetivos variados, de monges a estrategistas. Esse intervalo que se proporciona à mente e ao corpo para fins de restauração permite a retomada do fluxo com nova perspectiva e sem a tensão que distorcia a avaliação das condições do momento.

Em tempo semelhante, o uso de substâncias entorpecentes cumpre sua função para um objetivo totalmente oposto: apagar a realidade, fornecer o esquecimento e o desligamento do cotidiano. Se por um lado, as happy hours, as noitadas e assemelhados funcionam como interruptores ou escape da rotina, fora do uso para lazer coletivo, o uso para o bloqueio do sofrimento pessoal, por incapacidade de lidar eficientemente com as exigências da vida contemporânea, torna-se um grave problema de saúde pessoal e pública.

Para além das questões espirituais, religiosas, psicoterápicas ou mercadológicas, a experimentação pessoal define um modus operandi e, por fim, o uso consciente ou perda de domínio próprio.

Está cientificamente comprovado que esses movimentos de afastamento recondiciona seus praticantes, restaura as suas capacidades já estressadas, a ponto de nos países mais desenvolvidos a redução da carga horária de trabalho ser objeto de avaliação positiva até mesmo do empresariado, que produz novos elementos para dar margem maior à sua efetivação, inclusive durante a jornada de trabalho diária. Não é bondade, é a maximização dos lucros que está em jogo.

Numa via de precarização da vontade própria, a drogadicção retira, vez após vez, um outro percentual de potência de agir, favorecendo apenas o reagir anestesiado, seguir o fluxo sem questionamento. Doses cada vez mais ampliadas para poder encarar o cotidiano: o trabalho, a família, a ausência de perspectiva de vida. Daqueles insigths, favorecidos inicialmente pelo uso de alguma substância, resta a incapacidade de elaboração criativa, a inserção não mais positiva em relacionamentos sociais e, por fim, a desvalorização pessoal, inclusive a trabalhista: a nova escória ou dejeto social.

Em meio a esse embate entre potência e impotência, entre atividade e passividade, entre alienação e estratégia de inserção, o modo de investimento nesta batalha de vida determinará ser sujeito ou assujeitado no que se refere a constituição e preservação de sua individualidade e de sua subjetividade. Mais e fundamentalmente essencial: ser capaz de participar sadia ou doentiamente de uma sociedade com paradigmas exacerbadamente consumidores do corpo e da alma.

Wellington de Oliveira Teixeira, em 29 de agosto de 2017.

* A insanidade é o resultado de elementos não passíveis de assimilação ou absorção de forma sadia, um sobrexposição ou superexposição às exigências pessoais e/ou sociais. O resultado se manifesta como alienação.
A degradação dos valores que potencializam a vida, em nome da homogeneização, padronização, do consumismo e da reprodução dos discursos, é a marca registrada da atual e decadente sociedade: pensamentos e ações cativos e escravizados.
  • Precarizar tudo: de diferentes formas, a sociedade atual compôs mantras sagrados, rendendo-se em idolatria ao deus Mercado – tudo é pouco para ele, pessoas são apenas engrenagens e todos são substituíveis.
  • Quanto piores as condições de vida, melhor: mão de obra mais barata, desistência de direitos em nome da sobrevivência; um passo do uso de seres humanos como cobaias, por alguns trocados das farmacêuticas, à destruição da sustentabilidade ambiental planetária.
Sobretudo, é preciso gerar corpos dóceis, inativos, silenciosos. A nova safra dos expectadores da vida: ela passa por eles, e eles não notam.

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