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29 de set. de 2015

Superficialidades, mas intensivas

Amálgamas, criado por Wellington de Oliveira Teixeira em 29-09-2015.
Amálgamas, criado em 29-09-2015.

Se lhes perguntassem, os habitantes de Leônia, uma das cidades invisíveis de Ítalo Calvino, diriam que sua paixão é 'desfrutar coisas novas e diferentes': A cada manhã eles 'vestem roupas novas em folha, tiram latas fechadas do mais recente modelo de geladeira, ouvindo gingles recém-lançados na estação de rádio mais quente do momento'. Mas a cada manhã 'as sobras da Leônia de ontem aguardam pelo caminhão de lixo' e cabe indagar se a verdadeira paixão dos leonianos na verdade não seria o 'prazer de expelir, descartar, limpar-se de uma impureza recorrente'. Caso contrário, por que os varredores de rua seriam 'recebidos como anjos' mesmo que sua missão fosse 'cercada de um silêncio respeitoso' (o que é compreensível: 'ninguém quer voltar a pensar em coisas que já foram rejeitadas')?
Pensemos…
Será que os habitantes de nosso líquido mundo moderno não são exatamente como os de Leônia, preocupados com uma coisa e falando de outra? Eles garantem que seu desejo, paixão, objetivo ou sonho é 'relacionar-se', mas será que na verdade não estão preocupados principalmente em evitar que suas relações acabem congeladas e coaguladas?
Estão mesmo procurando relacionamentos duradouros, como dizem, ou seu maior desejo é que eles sejam leves e frouxos […] postos de lado a qualquer momento?
(Zygmunt Bauman — Amor Líquido, p. 13)

Um paradigma não superado por outra via de pensamento, a proposição de sutis toques ou contatos superficiais, lidar com instáveis estruturas, permitir a fugacidade de interesses — a tal da metamorfose ambulante — reflete no mundo interno a incessante transformação do mundo externo.

Diverge de algumas práticas: no plano político, não se coligar nem aderir a qualquer causa; no plano das relações, na exposição completa dos recônditos da alma em redes sociais; no campo amoroso, aos CSSs (casais semi-separados). Só para esclarecimento, supostamente, CSSs são revolucionários que romperam a sufocante bolha do casal, seguindo caminhos próprios dedicando-se tempo parcial. Tudo separado e encontrando-se apenas para fazer alguma atividade de lazer seguida de um sexo casual — a evolução ao ficar junto.

Identifico na atualidade a aposta no eclético. A rigidez das formas, dos modos, dos conceitos não atrai mais. A fluidez das misturas em tempo ínfimo desconstrói qualquer adesão a estruturas específicas. Não me oponho a isso, questiono o que fazer com essas coisas que formam um bloco de massas aglutinadas uma sobre as outras, sem qualquer sentido, inclusive o prazer da montagem. Superficialidades não intensivas visando superar o tédio: apenas ajuntamento.

Penso no conceito social de amálgama: mistura ou fusão de coisas ou pessoas distintas para formar um todo. É como formar um grêmio, um time, uma equipe para produzir ou desenvolver práticas de lazer ou outras. A tal da mistura perfeita de eus promovida por amizade ou amor permitindo um rico processo de compartilhamento de vivências, riquezas de experiências e incorporações de diferenças.

Nenhuma amálgama precisa ser uma apropriação de sua subjetividade, pode ser algo pleno em cada momento. É que quando se desqualificam as possibilidades de absorção de novos modos de ser e estar, manipula-se individualidades a viver sob a sufocante determinação das classes que comandam o jogo das generalizações momentâneas: vista-se, fale, ande, vá a determinado lugar. Tudo assim, desconexo. Igualzinho aos produtos com prazo de substituição pelo novo modelo*, você não precisa vivenciar intensivamente as coisas, basta seguir a onda.

Wellington de Oliveira Teixeira, em 29 de setembro de 2015.

* Conceito de Obsolescência programada que move a indústria do lucro incessante.

Um comentário:

Anônimo disse...

As uniões estáveis entre duas pessoas, héteros ou gays, em que a fidelidade conjugal, no sentido tradicional do termo, é um dogma que implica dois caminhos aos cúmplices: a clandestinidade ou a autocastração (supressão da exteriorização da libido por iniciativa própria).
Em que pese eu ser capaz de, em hipótese, considerar algum valor transcendente nesse último tipo de comportamento, prefiro àquele a esse, uma vez que considero não haver comportamento sexual mais bizarro que a autocastração.
Minha experiência pessoal e minhas observações levam a crer que as possibilidades das experiências sexuais são inúmeras (sexualidade plástica). Mas, grosso modo, se manifestam nos homens de opção pelo clandestino (heterossexuais ou não) nos seguintes modos: masturbação, sexo com o parceiro ostensivo, sexo com parceiros eventuais (pago ou não).
Independentemente do modo escolhido em dado momento, trata-se sempre de uma válvula para fazer frente às tensões do “acordo” de fidelidade. Cabe, contudo, questionar a origem desse acordo, uma vez que há risco de padecer de vício na origem, pois se trata no mais das vezes de uma adesão irrefletida a um padrão social vigente. Ou melhor, questionar os motivos da manutenção de vigência da norma, lembrando sempre que o sexo tem um conteúdo anárquico considerado perigoso pelo sistema.
Não existe arranjo possível que seja capaz de suprimir o risco da “desilusão amorosa” (é incrível: tem gente que acha isso desejável!). Mas existem arranjos mais coloridos, mais estimulantes, que o casamento monogâmico. Uma opção seria, evidentemente, um arranjo semelhante ao proposto no artigo do Wellington, que permite considerar a união como circunstancial (um processo, não um produto), vinculada aos desejos de amor, paixão e segurança dos participantes. Mas, se você, como eu, ainda não atingiu o nirvana sugerido, não se castre. Pule a cerca e, se precisar, pague por sexo. Melhor isso do que uma vidinha sem graça!