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8 de jul. de 2014

Cabo de guerra ou conflitos de uma vida a dois

Nuances, criado por Wellington de Oliveira Teixeira em 03-07-2014.
Nuances, criado em 03-07-2014.

Todas essas ondas e águas, carregadas de sofrimentos,
precipitavam-se em busca de suas metas, que eram muitas,
as cataratas, o lago, o estreito, o mar
e, uma a uma, as metas eram alcançadas, mas a cada qual seguia outra;
da água formava-se a bruma, que subia ao céu, transformava-se em chuva,
a cair das alturas, virava fonte, virava regato, virava rio
e novamente iniciava sua jornada, novamente fluía rumo à meta.

(Herman Hesse - Sidarta, p.113-114)


Deixe-me perguntá-lo: alguma vez você ficou variando a resposta para uma determinada questão, pelo fato delas serem condizentes com seu pensamento mas inviáveis simultaneamente? De uma maneira estranha, o que se relaciona aos relacionamentos amorosos acabam sempre permitindo essa ambiguidade. Contradição ou não, os fluxos do desejo se reagrupam dentro de nós e alteram nosso modo de agir em cada situação, mesmo nas semelhantes ou repetitivas. Estou falando daquelas separações parciais que ocasionalmente ocorrem quando há uma divergência, discordância ou briga.

Conforme o tempo passa, há uma tendência de abrirmos mão da questão original nos momentos quando estamos mais aditivados pela libido. Parece estranho, mas mudamos em função da proximidade ou de uma longa distância.

Um elemento modificador é o tempo de separação. Pode ser menos eficaz e até mesmo secundário nos casos onde outras opções ficam disponíveis e acessáveis. Marca isso aquelas pequenas fugas para uma balada noturna, após a discussão e o que chamo de pequenos rompimentos. Funcionam até que fica claro que substitutos não são capazes de alcançar o padrão original. Nessa hora, ocorre um retorno.

Mesmo que você não seja psicólogo, pode entender o mecanismo, não é? Pois bem, e quando sua posição não muda? Você padece com todos os efeitos e ainda assim — pelo fato de a questão ter significado importante — você prefere pagar o preço à aceitação.

É esse conflito interior é o que resolvi analisar (inclusive, fazer uma autoanálise faz muito bem!): forças da libido versus forças dos valores pessoais. Presto o devido esclarecimento de que a libido abarca o amor romântico-sexual enquanto que valores pessoais incluem aqueles sociais.

Para desenvolver a proposta de avaliar vou utilizar o conceito de uma atividade chamada cabo de guerra: uma corda com um nó central tem em ambas as pontas pessoas puxando-a em sua direção. É feito um traçado central e se alguém de algum lado for puxado até ela e ultrapassá-la, perde.

Como você deve ter suposto, o nome da brincadeira é bem alusivo aos acontecimentos: diariamente transformamos algumas das que seriam consideradas pequenas questões em motivo para uma disputa. O objetivo da reflexão não é alcançar uma solução-padrão para a questão, por isso, tenha sempre em mente que a resposta deve ser uma construção condizente com cada caso.

Como tesão e sentimentos amorosos falam por si, uma vez que a sua falta se presentifica em qualquer momento (dia ou noite), irei focar na importância dos valores para a manutenção de uma personalidade. Dependendo do nível de rigidez pessoal ou do esforço despendido na produção de um determinado valor, ele passa a ter um status de identidade, a tal ponto que, sem ele, o sujeito não consegue mais referir-se a si mesmo: não se sente mais o mesmo, e essa despersonalização provoca sofrimento, depressão, em casos extremos suicídio. Por isso, essas duas forças antagônicas e de grande potência produzem uma disputa que pode se estender por uma vida inteira.

Sem nenhum comprometimento com aquela antiga proposta estratificada de relacionamento, quero indicar a transição para as novas questões. Se por um lado havia papéis e liderança definidos e seguidos à risca nos antigos relacionamentos, a nova faceta exige equilíbrio na relação e cada participante precisa equilibrar-se e colaborar no equilíbrio do encontro: dois remadores em um barco pequeno na correnteza.

Em versão bem humorada, a personagem do Jô Soares, o Irmão Carmelo, não queria mais efetuar cerimônias de casamento por conta do 'casa-separa, casa-separa' da vida moderna. Numa tradução possível: Como pessoas que não conseguem ser independentes e capazes de lidar com suas realidades poderão constituir relacionamentos equilibrados? Na realidade, não o fazem. Criam uma espécie de gangorra para lidar com a questão, hora um está por baixo e por isso busca forças para se erguer, mas o faz rebaixando o outro. Por alguns poucos momentos as forças se equilibram, mas isso nunca se mantém.

Bom, creio que você entendeu os pormenores — causas e consequências — e está pronto para avaliar suas próprias disputas. Como já estou acostumado a ouvir 'você não me respondeu a questão!', vou lhe dizer assim: se o que você tem com alguém é de grande valor, aponte a questão para essa pessoa e descubra o quanto de valor você tem na resposta recebida — mesmo que seja uma questão semelhante. Assim, a busca pelo ponto de equilíbrio será uma tarefa conjunta onde limitações poderão ser contornadas.

O não ter dado a devida atenção a um valor resolve-se com um 'me desculpe', mas o silêncio, a omissão numa tentativa de abandonar a questão impede o prosseguir da relação. Aqui difere da gangorra. Não há quem se rebaixe, há pessoas conscientes de seus fortes e fracos que desejam se relacionar de uma forma plena, onde ambos tenham a oportunidade de ficar satisfeitos. Em todas as maneiras.

Wellington de Oliveira Teixeira, em 08 de julho de 2014.

* Cabo de guerra é uma atividade esportiva que faz parte dos Jogos Mundiais. http://pt.wikipedia.org/wiki/Cabo_de_guerra

4 comentários:

Anônimo disse...

Tendo em vista que, para meu modo de pensar, seus textos (os quais venho acompanhado) e suas gravuras (às quais presto menos atenção) são um pouco obscuros, quero me congratular contigo diante deste, o qual denota cristalinidade incomum.
Quanto ao tema abordado, o qual resumo como “solução de conflitos entre os que se amam”, curiosamente hoje aconteceu comigo algo relacionado. Gostaria, portanto, de tentar enriquecer seu texto com um depoimento pessoal.
Tenho um amigo querido, de longa data, verdadeira referência ética, intelectual e afetiva. Ao longo das experiências por nós partilhadas, foi alguém que, em regra, causava prazer de estar perto, despertando em mim vontade de ser uma pessoa melhor.
O início da amizade era de evidente assimetria de poder. Uma vez que eu era uma criança e ele já maduro, e tendo em conta o ambiente institucional em que ocorreu o primeiro contato, tal assimetria era esperada e foi bem-vinda.
O tempo passou, ambos amadurecemos.
Ao longo de décadas, a assimetria foi diminuindo. Desenvolvemos um relacionamento baseado em um ambiente de afeto, fraterno, fundado na honestidade e respeito recíproco pelas opiniões. Um prazer e um privilégio!
Aprendi com o processo de amadurecimento que conflitos são parte natural da existência humana. Estes, apesar de sempre serem um tipo de “pequena morte”, não implicam necessariamente rompimento de relações. São, de fato, oportunidades de enterrar cadáveres já em decomposição, e de nascimentos para novas e mais ricas realidades. (Se me lembro bem, você já escreveu algo sobre a pequena morte – ou é lugar-comum mesmo!)
Hoje aconteceu um desses bons fenômenos, e espero ter enterrado mais um defunto fedorento!
O funeral, contudo, teve início há algum tempo. Por algum motivo que ainda não consegui identificar clara e completamente (mas que certamente passa por um medo pueril da solidão), permiti-me expor a uma série de pequenas violências, que causaram danos os quais foram se acumulando. No início era a negação – o fingir que não via. Depois passou-se à fase do “deixa pra lá, é assim mesmo”. A seguir, algumas tentativas racionais e conscientes de esclarecimento, mas de baixo impacto e nenhum resultado. A morte era, portanto, o próximo passo esperado.
Diante do risco de uma morte por inanição ou letargia, optei por tomar as rédeas e executar uma eutanásia. A morte provocada, espero, abrirá novos horizontes, permitindo a renovação que se faz necessária para o momento.
É claro, há o risco de afastamento definitivo. Penso nessa possibilidade, ainda assim, como algo positivo. Melhor do me perder na ladainha do “ele se chateando vai embora e não volta mais”.
No mais, a vida é bela e continua!
Forte abraço,
Éric.
PS.: Apesar de considerar seus textos obscuros, venho lendo os mesmos com interesse e admiração. (Bato, mas assopro!)

Wellington O Teixeira disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Wellington O Teixeira disse...

Meu guri, sua contribuição é bem interessante ao avaliarmos o viés da multiplicidade dos relacionamentos e da lenta estruturação dos equilíbrios.
Estava estudando a ética do encontros do Espinosa e me recordando de ideias que ele desenvolveu. Uma delas, a verdade só se dá no encontro, ninguém a possui. A outra, é que eu sou apenas o que surge dos encontros que faço (fome, sede, sexo, sobrevivência afetiva etc.). Outro pensador, o Nietzche se apropria e amplia a questão, ao citar que a busca é por encontros que potencializem a plenitude.
Mesmo as pequenas disputas e brigas quando promovem o desenvolvimento de uma ou ambas as partes, permitem um bom encontro. Conforme analisamos um relacionamento em sua linha de tempo, percebemos variações nos modos de cada um e no estado em que se vai para o encontro. O resultado é certamente uma correlação da variação destas forças intensivas (modo e estado).
Por fim, algo que cada dia mais percebo, há uma certa quantia de energia que cada um pode dar. Se ocorre um relacionamento, qualquer que seja, é porque houve satisfação de uma necessidade.
A validade disso, como você percebe, ultrapassa questões como idade, conhecimento ou outra. A ordem das trocas é infinitamente maior. Por isso prefiro até chamá-la de conexões. Como ligações telefônicas, acontecem apenas se há disponibilidade e aceitação. O conteúdo varia em intensidade e qualidade. Quando incomoda, desliga-se.
Aí é só aguardar uma nova ligação.
Fico feliz por ter sua colaboração - como sempre!
Grande abraço.

Anônimo disse...

Agradeço as gentis palavras e a carona que me permites no seu ciber-veículo de expressão literária, e espero com meus comentários contribuir para o enriquecimento de seu ciber-espaço de encontros. Do ciber-amigo, Éric. (Tô moderno demais!!)