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11 de jul. de 2014

Percebedores, porém, destruidores.

Percebedores, criado por Wellington de Oliveira Teixeira em 11-07-2014.
Percebedores, criado em 11-07-2014.


Por aí é fácil ver com que zelo é preciso precaver-se na investigação das coisas para
não confundir os entes reais com os entes de Razão. Investigar a natureza das coisas é diferente de
investigar os modos pelos quais nós as percebemos. Se confundirmos isto não poderemos entender
nem os modos de perceber nem a própria natureza, pior ainda, o que é mais grave, por causa disto
incidiremos nos maiores erros, como aconteceu a muitos até hoje.

(Espinosa - Pensamentos Metafísicos, parte 1, p. 23)


Ser capaz de abrir portas para a percepção é o desafio para qualquer ser, inclusive o humano, por conta de que o ato de perceber é o que, definitivamente, promove a conexão a uma realidade e por fim estrutura tudo o que há na vida. Faz pleno sentido para quem ultrapassa os conceitos antigos onde as percepções estão limitadas pelos sentidos básicos e fundamentais como o tato, o paladar, a visão, o olfato e a audição.

Observando-se em escala milenar, o cérebro humano desenvolveu-se e o sistema neuronal o acompanhou — fato cada vez mais estudado e confirmado pelas neurociências. Novos estudos retiram do campo dos folclores elementos como a intuição, dando-lhes status de novo sentido. Já se entende que ela não é apenas a capacidade de antecipação do perigo, geneticamente transmitida e repetida - encara-se o fato da sua evolução.

Dentre os diversos caminhos adotados pelos pesquisadores e estudiosos, os mais promissores parecem encaminhar para uma reavaliação das raízes das práticas de meditação, de expansão sensorial, de espiritualidade não estruturada como religião. Trabalhos com níveis de imersão controlados (tipo programas de aprendizado em ambientes em 3D, como os de pilotos) avaliam reações cerebrais e neuronais, além de outros indicadores corporais.

As teorias quânticas nos deram o vislumbre de novos campos de possibilidades, que já nos permitem desenvolvimentos relativos aos diversos entendimentos sobre a realidade enquanto algo estruturado momentaneamente, capturado e manipulado dentro de determinadas regras que não as de nosso convívio: há mundos desconhecidos a serem experimentados.

As novas tentativas não esbarram mais nas questões anteriores da utilização extensiva de drogas, uma vez que o cérebro é capaz de reproduzir os mesmos efeitos a partir de fontes químicas diferenciadas. O êxtase como um estado de completa nulidade e plenitude simultânea tornou-se um indicador desses novos caminhos e há muito mais para vir.

O pensamento atual avalia menos o para onde nos encaminhamos e mais o como efetuar o desenvolvimento dessas novas habilidades. Esqueça aquelas referenciadas em mutantes e os medos apresentados em filmes ficcionais de ação, e imagine a construção de novos modelos de aprendizados em função dos acessos aos novos mundos percebíveis.

Farei menção da indicação do índio Dom Juan, ao dizer que sem o Caminho do guerreiro não dá para ultrapassar o estado de consciência normal, necessário para a vida cotidiana, e acessar o lado misterioso de se vivenciar um estado de consciência intensificada. Apenas unindo os dois aspectos se desenvolve a plenitude de ser e estar.

Pode parecer algo simples, mas garanto que não o é. Coisas muito cotidianas são essenciais ao nosso preparo e aperfeiçoamento. Em seu ensinamento, Dom Juan diz: "Não se pode ser completo sem tristeza e saudade, pois sem tais coisas não existe sobriedade, nem benevolência. Sabedoria sem benevolência e conhecimento sem sobriedade são inúteis" *.

Nas práticas antigas exigia-se do aprendiz uma vida de treinamento e preparo. Os novos métodos, talvez, antecipem a realidade sem a necessária estruturação. A grande questão que fica é: vai valer a pena desenvolver tantas habilidades em seres destruidores, degeneradores do próprio habitat (inclusive o relacional), que buscam reproduzir mais do que criar e preferem a mesmice a se aventurar?

Wellington de Oliveira Teixeira, em 11 de julho de 2014.

* No livro de Carlos Castañeda, O fogo interior.

2 comentários:

Anônimo disse...

No livro “O mito de Sisifo”, o pensador francês Albert Camus faz uma especulação curiosa. (Como não estou com o livro na mão, estou escrevendo de memória.) Segundo ele, se considerarmos a morte como a cessação da consciência (ou algo parecido com isso), e ao contrário do que pode se afirmar a partir da intuição e de algumas tradições religiosas ou místicas, nunca temos a experiência da própria morte.
Conclusão curiosa! Dela podermos fazer algumas inferências. A primeira é a de que a morte em si não é um fenômeno pessoal. Isso não significa, contudo, que os processos que culminam na morte não o sejam. Outra conclusão é de que a morte em si é um fenômeno social, pois é partilhada somente pelos sobreviventes que a percebem.
Resumindo: segundo o pensador, somente temos acesso à experiência de morte dos outros.
Observo, contudo, que o conceito de morte aqui apontado confunde-se com a cessação da consciência e é apenas parcialmente relacionada à morte da carne. Afinal se, por algum processo ainda não compreendido na sua plenitude, a morte da carne não implique a da consciência, então faz sentido supor que o defunto desfrute da própria desencarnação.
Tendo em conta essa preliminar, e considerando seu texto como uma provocação para a busca pessoal e sustentável da ampliação da percepção, chamo a atenção para que o sucesso nessa empreitada implica necessidade de compreender os processos que culminam na morte como fenômeno partilhado.
Num sentido imediato, isso se trata de dar atenção aos moribundos, isto é, àqueles que se encontram nitidamente próximo à morte carnal. Quem tem uma pessoa próxima nessa situação não deve se evadir de contato. Ao contrário, deve chegar perto e, com carinho e respeitando a pessoa de quem se chega, tentar aprender o máximo com a oportunidade. (Sugestão de leitura quanto ao tema: “O livro tibetano do viver e do morrer” – não confundir com “O livro tibetano da morte”.)
(Depoimento pessoal: se há uma coisa de que me arrependo em relação à toda minha convivência com minha mãe é a de não ter me permitido uma aproximação mais profunda dela no seu leito de morte.)
Num sentido mais expandido dos processos que culminam na morte, trata-se de se ter atenção aos estágios de amadurecimento do indivíduo, aqui entendido o termo amadurecimento como o conjunto de resultados da expansão sustentável da percepção.
E aí chego ao cerne do meu texto: Penso que o risco de que novas janelas de percepção (realidades virtuais computacionais, uso de substâncias alucinógenas – opa! essa não é nova –, experiências religiosas – essa também não!) leve a uma deterioração ainda maior da relação do humano com seu meio ambiente está diretamente associada, na modernidade, a uma epidemia de falta de sincronicidade entre idade cronológica e amadurecimento emocional dos indivíduos. Essa falta de sintonia deriva de uma recusa geral em assumir papéis pessoais e coletivos de responsabilidade, necessários para uma sociedade saudável. Confundindo direito com desejo, nos mantemos numa eterna e pueril busca de prazeres superficiais e imediatos, privando a nós mesmos e as novas gerações de referenciais éticos e morais úteis. (Sugestão de leitura quanto ao tema: “A sociedade que não quer crescer – Quando os adultos de negam a ser adultos”, autor: Sérgio Sinay, Ed. Guarda-chuva.)
DESABAFO: Cara, o que vi na mídia e nas minhas experiências pessoais em relação à “Copa do Mundo fuck-FIFA 2014” e o que vejo em relação a aproximação das eleições nacionais me fazem crer que não há vida inteligente à minha volta!

Wellington O Teixeira disse...

Nota: fiz algumas considerações ontem e quando fui publicar aconteceu algo, no blog e tudo se perdeu. Como era madrugada, desisti e resolvi refazer hoje, mesmo que de modo diferente.
Há no seu comentário uma preocupação interessante com o compartilhamento enquanto processo de aprendizado das percepções. A socialização no processo de morrer, como um aspecto e em outro a capacidade de manutenção de uma percepção.
A morte ou sua proximidade enquanto algo que ensina pode ser um elemento chave, do mesmo modo como era na antiguidade e ainda o é nos conceitos de algumas remanescentes. Ela é democrática - ensina a todos. A dificuldade em absorver seus ensinamentos, muitas vezes por um medo da nulidade ou do desfazer do eu, vem sendo ampliada pela higienização da vida.
As práticas médicas de separação dos corpos e da ocultação da dor como construção dos tempos modernos aliou-se ao lucro que isso gera. A manutenção dos corpos, mesmo em estado vegetativo é de muito interesse, nem sempre dos familiares ou da própria pessoa — haja vista a disputa pelo direito à eutanásia — acaba atropelando aqueles contatos íntimos em um leito de morte cercado de afetividade.
Vivenciei processo semelhante de forma bem marcante com a minha tia-mãe de criação. Em seus últimos dias, bem fraquinha em função das falências causadas pela idade, porém extremamente lúcida, ainda fazia questão de nos confortar e de reafirmar sua felicidade e a tranquilidade com a partida. Trocamos muitas ideias que guardo comigo como percepções aglutinadas.
Com relação aos novos modos sociais, estruturados na falta do contato físico e estabelecidos nas fronteiras do ilimitado, estamos engatinhando a respeito. Somos, no Brasil, praticamente a primeira geração da imersão no virtual. Pais e responsáveis, além de educadores, não têm referências para lidar com esse grupo que aprendeu a ter tudo no imediato — clicou no mecanismo de busca, acessou o que quer que seja, instantaneamente —, o que antes levávamos horas ou dias para obter. Por outro lado foram jogados num mundo das questões morais relativizadas e permeadas do global, eliminando valores locais.
No fundo, nós mais velhos e despreparados não sabemos como conduzir um processo filosófico-pedagógico de ampliação da crítica de modo a gerar posicionamentos éticos fundados no ser e não no ter. Algo dificílimo com o mercantilismo insano das megacorporações na totalidade do tempo invadindo as privacidades e induzindo a desvalorização de quem não participa desse modo de viver.
Em minha avaliação, é o mesmo processo que despolitiza, que generaliza e banaliza o essencial, em função do imediato e prazeroso.
Mas não seja tão pessimista. A vida inteligente brota, teimosamente, por todos os nossos lados, diariamente. Não estamos disponíveis para encontrá-la? Talvez. Nosso olhar busca pontos já conhecidos para detectar? Bem provável. Nossa irritação com o que aí está, nos desvirtua? Com certeza.
Mas nossas ranzinzices não devem nos desviar do processo de coletivização. Exemplos falam mais que mil palavras, simplesmente pela disponibilização do diferente ou incomum.
Perderemos alguns valores e veremos a construção de outros. Talvez nos alienemos por pura falta de vontade de inclusão. Mas aí vem a morte e nos leva, como o faz com todos. A única questão é estar inteiro ao partir.