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24 de ago. de 2015

Por um pouco de ulterioridade

Ulterioridade, criado por Wellington de Oliveira Teixeira em 24-08-2015.
Ulterioridade, criado em 24-08-2015.

O mundo é o seu caderno, as páginas em que você faz suas somas.
Não é a realidade, embora você possa exprimir a realidade, ali, se quiser. Você também tem a liberdade de escrever tolices, ou mentiras, ou rasgar as páginas.
O pecado original é limitar o Ser. Não o faça.

(Richard Bach — Ilusões. As aventuras de um messias indeciso, p.103-104)

Calma, amigo, aquele momento que a escuridão desce e cobre a visão tem duração e, daqui a pouco, a luz irá se insinuar o suficiente para produzir o ponto de referência tão necessário. É que chegou o momento em que é fundamental parar. O olhar deve se inverter, o dentro chama, aliás, grita.

E não importa onde você esteja, não se apoie em nenhuma estrutura que você já construiu, exceto sua plenitude. Sentir-se engolfado pelo nada não é algo sui generis, mas repetitivo e periódico: não perceber ou ignorar os avisos direcionando para adiante, ocupar a (tão em voga atualmente!) zona de conforto, que o seduziu, invocar o princípio da anterioridade… nada disso funciona mais.

A vida não é mar de cores o tempo todo — isso exigiria um nível de iluminação que seguramente a maior parte desse universo humano não conseguiu acender interiormente. Mesmo que apenas um daqueles mitos que nos levam adiante, aquilo que no senso comum é o irrealizável, o inalcançável, um ideal; nunca duvide de que é possível referenciar-se no adiante para construir um atual mais efetivo e pleno.

É que a vida sem esse senso de ulterioridade*, de possibilidades a serem atualizadas é um tremendo pé-no-saco (ou nos seios). Veja quantos juízes da vida e dos outros passeiam pelo mundo, ouça ou leia quantos discursos que transmitem apenas o ódio. Pessoas carregadas de um sofrimento interno tão grande que me comove.

Não quero fugir da responsabilidade de estar no aqui e no agora, de mim mesmo ou da dor necessária. Não é disso que se trata essa vontade de ulterioridade. Porque faz parte da vida, desde que nascemos, essa benção e maldição simultâneas do esforço para a conquista, do aprendizado da superação e a satisfação da conquista.

Certamente, lá na frente, também haverá muito choro, muito adeus, muito de tudo que nos é permitido como ser humano. É que, quando o muito do que causa dor vem e por muito tempo, é preciso um pouco de alívio imediato. Uma respirada durante o processo de ser engolfado por ondas potentes de experiências da vida.

Todos necessitam de um toque de diversão — induzido, se necessário — quais pequenos pedaços de felicidade que podem ser escolhidos como os proporcionadores da momentânea tranquilidade. Deserto demais enlouquece, cega, mata. E a vida exige equilíbrio: quando tudo escurece demais, é preciso produzir um ponto de clareza; e quando tudo está claro demais, é preciso produzir uma sombra de dúvidas. Só sujeitos enfraquecidos em seu poder de expressividade acreditam em tudo o que é dito; só sujeitos imbecilizados pela prepotência acreditam que sabem tudo. É preciso buscar constantemente o mais adiante e renovar a vida.

Wellington de Oliveira Teixeira, em 24 de agosto de 2015.

* Usar memória e inteligência visando reflexão sobre o futuro. O possível de acontecer depois, que está além de, situado do lado de lá do aqui.
Produzir uma percepção instantânea relativa à capacidade de aprofundar-se, de prosseguir, diretamente conectadas às possibilidades que poderão ser atualizadas no posterior, no além deste momento.

2 comentários:

Anônimo disse...

Zona de conforto que seduz e que reduz. Conforto?

Wellington O Teixeira disse...

Excelente a contraposição de palavras. Como em tantos outros acontecimentos da prática social regrados por normas castradoras, essa certa ilusão de tudo bem, a custa de uma imperiosa negação de si em prol da individualização (inserção plena no social) podem ser resumidas em uma expressão: assujeitamentos diários.