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22 de ago. de 2015

Além da inferioridade de estimação

Inferioridade de estimação, criada por Wellington de Oliveira Teixeira em 18-08-2015.
Inferioridade de estimação, criado em 18-08-2015.

O senso comum
  • faz coincidir causa e intenção: subjaz-lhe uma visão do mundo assente na ação e no princípio da criatividade e da responsabilidade individuais.
  • é prático e pragmático: reproduz-se colado às trajetórias e às experiências de vida de um dado grupo social e nessa correspondência se afirma fiável e securizante.
  • é transparente e evidente: desconfia da opacidade dos objetivos tecnológicos e do esoterismo do conhecimento em nome do princípio da igualdade do acesso ao discurso, à competência cognitiva e à competência linguística.
  • é indisciplinar e imetódico: não resulta de uma prática especificamente orientada para o produzir; reproduz-se espontaneamente no suceder cotidiano da vida.
  • aceita o qu; existe tal como existe: privilegia a ação que não produza rupturas significativas no real.
  • ;
  • é retórico e metafórico: não ensina, persuade […]
(Boaventura de Souza Santos — Um discurso sobre as ciências)

A marca da ignorância humana está em acreditar que rebaixando outro ser alguém se torna melhor. Erroneamente atribuída à classe mais pobre, essa atitude vem sendo ensinada e adotada por elites imbecis que buscam artifícios para suplantar concorrentes — todos são potenciais ocupadores de seu lugar, inimigos a serem combatidos.

Perdoem-me a parte do exagero e, talvez, o preconceito, já que há exceções. Mas exceções só confirmam a regra.

Não é genético, é produzido por séculos de ensinamentos equivocados onde superar é destruir o outro. Uma simples observação da natureza bastaria para entender que a seleção dos mais aptos tem como finalidade fortalecer para perpetuar o grupo. É uma competição, sim. Não para esmagar.

Interpretar como humilhação atrapalha absorver a verdadeira ideia propiciada pela competição: é preciso melhorar o uso das habilidades pessoais. O conceito é generalizável, vale para a construção do mais belo, mais durável e mais sustentável, também.

O poder da observação, da renovação e da avaliação crítica que os melhores resultados permitem são ignorados. Por bons motivos? Claro que não! Ensinados a focar a perda e ignorar o aprendizado, um egoísmo sem nexo ganha a dianteira. Há equilíbrio no universo: algo se retira, algo é reposto; em vez de perdas, há transformação. Esse conceito em nível mais pleno fica prejudicado por uma vaidade que não leva a nada.

Sentimentos de inferioridade impedem o aperfeiçoamento, mas há prazer em cultivá-los, como se fossem animalzinho de estimação. Não fosse assim, por que a insistência em magoar-se quando se é superado em um determinado momento? De crianças a adultos, de pensadores a atletas; vai além quem aprende com seus erros (*).

Pode parecer piegas, mas não o é de forma alguma: igualitarismo de recursos cedeu lugar à necessidade da carta na manga não ligada a qualidades individuais. Dúvidas? Pense nos atuais jogos olímpicos: quem tem melhores equipamentos ou tecnologias à disposição tende a vencer a competição. Afinal de contas, quem venceu? O atleta ou os tecnólogos? Vitória num evento não reflete diretamente capacidades pessoais. O fariam se os recursos estivessem disponibilizados indistintamente, já que em condições iguais sobressaem os mais aptos, tornando-se exemplos para os outros, estímulo à superação.

Reflita a esse respeito. Ao invés de mestres, são necessários gestores de ego. O atual fluxo que rege as sociedades modernas produz pessoas ressentidas, maldosas e práticas contaminadas por uma ideologia perversa. Em algum momento, por desvio da natureza, adotou-se uma subjetividade rancorosa: o outro torna-se um inimigo que precisa ser derrotado, desqualificado, destruído. Há prazer e ilusão de que isso torna alguém melhor.

É por isso que ocupar o primeiro lugar é tornar-se o mais detestado. Significa isolamento e sofrimento. Os famosos e suas rotas suicidárias: drogadicção, consumismo desenfreado, desconfiança em proporção exacerbada por causa do dinheiro, poder e fama. Seu troféu? O pedestal da infelicidade.

A maior e pior marca do enraizamento interno desse processo são profissionais e educadores que não atuam visando que aprendizes os superem — para os mestres no passado, a incontestável comprovação de mais altas habilidades de fazer era transmitir.

Una-se a mim, porque é hora reverter esse quadro. Imagine todos potencializando todos, coletivamente. Os que vencem determinado obstáculo ensinam seus métodos de superação e aprendem novos. Em novo slogan, solidariedade é sinônimo de felicidade. O efeito do uso do velho ensinamento (ao próximo como a si mesmo) é benéfico e evidente: um mundo que se transforma por ultrapassamentos benéficos a todos.

Wellington de Oliveira Teixeira, em 22 de agosto de 2015.

* Boaventura defende no texto já que a ciência Moderna produziu conhecimentos (o cientista é um ignorante especializado) e desconhecimentos (o cidadão comum é um ignorante generalizado), a Pós-moderna deve conectar todas as formas de conhecimento, mesmo o prático ou vulgar do cotidiano, anteriormente ridicularizados. Mas destaca, ao reabilitar o senso comum, a necessidade de contribuir para o seu enriquecido por meio de um diálogo permanente com o conhecimento científico.
Um olhar acurado sobre a cultura e prática populares permite novos aprendizados às ciências. Sob o crivo da razão, seu funcionamento e reprodução são mais eficazes. Dessa visão, novos elementos renovaram nosso cotidiano: de artesanatos e perfumes ao uso de fibras de plantas na construção de casas ecológicas e resistentes.

Um comentário:

Anônimo disse...

Penso devemos mais atenção aos nossos intelectuais da tradição. O conceito de intelectual da tradição é uma ampliação da ideia corrente de intelectual para abarcar “pessoas que se distinguem pela maneira de observar os fenômenos com mais atenção e por criar métodos específicos para conhecê-los, decifrá-los, explica-los” (ALMEIDA, Maria da Conceição Xavier de. Complexidade, saberes científicos, saberes da tradição. São Paulo: Livraria da Física, 2010. Citado em CONDORELLI, Antonio. O pequeno homem das montanhas. Dersu Uzala: Ecologia, Semiótica e Arte. Natal: Oito Editora, 2014).