Pesquisar este blog

18 de mar. de 2015

A robotização bate a nossa porta

Robotização criado por Wellington de Oliveira Teixeira em 18-03-2015
Robotização, criado em 18-03-2015.

1) Orwell apresenta o futuro promovido pelos absurdos do presente (na época, anos 30 e 40). Tece críticas ao totalitarismo (stalinismo e o nazismo), à planificação social e à despersonalização do indivíduo visando torná-lo uma peça na engrenagem do Estado ou do Mercado, por meio de um controle absoluto do pensamento aliado e minimização do idioma. O cidadão-comum é controlado por teletelas e pelas diretrizes do Partido.
(George Orwell — 1984)

2) Huxley cria um futuro onde a sociedade se organiza por castas. Seres humanos são produzidos e pré-condicionados biologicamente a determinada função na sociedade. O condicionamento psicológico garante a aceitação das leis e a integração social, extinguindo a ética religiosa, a moralidade e o conceito de família, atuais. Os cidadãos recebem e consomem sua cota de Soma, uma droga sem efeitos colaterais aparentes que desfaz qualquer insatisfação pessoal. A individualização alcança seu auge máximo e inexiste.

(Aldous Huxley — Admirável Mundo Novo)


Supostamente um derivado da primitiva necessidade de sobrevivência do mais apto (nem sempre do mais forte), o uso de ferramentas para aperfeiçoamento de qualidades pessoais, utilizando jogos competitivos, ultrapassou em muito seus objetivos com a apropriação feita pelo capitalismo que criou a condicionante "se você não é o número um, você é um derrotado" e a difundiu para o mundo.

A cultura cinematográfica americana foi o instrumento mais utilizado pelo império (mesmo que em decadência) para produzir a aculturação em larga escala. Recriou em diversos países o tipo de egoísmo desejado pelo capitalismo selvagem: pisar em tudo, destruir o que possa ser obstáculo para ser o número um. Nesse modelo, o Eu X Outros é especialmente isolacionista.

Porém, essa cultura do isolamento do mais capaz entrou em colapso. O desenvolvimento dos meios de comunicação, produziu a necessidade de novos modos de interação. Já em seu início, os conceitos de rede mundial e globalização levaram as megacorporações a desistir de nacionalidades específicas em prol da transnacionalidade.

Como primeiro obstáculo, a transposição da cultura do isolacionismo para a do colaboracionismo. Teóricos do mundo passaram a desenvolver pesquisas e treinamento remodelares do arraigado conceito de suplantação e dominação produzidos nos indivíduos, em especial nos ambientes de trabalho. Plataformas de trabalho multi-integradas tornaram-se a ponte entre diferentes realidades e pessoas. Noções de mundo, culturalmente produzidas, também precisavam ser desfeitas — um processo semelhante ao unissex, dos anos 1970, em relação à moda sem gênero definido (como o jeans e as camisetas) e os novos padrões de beleza (androginia, dentre outros).

A possibilidade de ampliação da escala de trabalho para 24 por 7, isto é, ininterruptamente, também ganhou prioridade: o trabalho iniciado durante o dia, no ocidente, ao chegar a noite era continuado no oriente onde raiava o dia, reacendendo o ideal fordista de compartimentação das tarefas em prol da produtividade. Assim, independente de quem tenha iniciado um trabalho, ou onde o tenha feito, qualquer um podia dar continuidade, sem o adicional das horas-extras.

Novamente, ao invés de gerar integração na relações, a fragmentação tornou-se a tônica. Pessoas do mundo inteiro que nem sequer se conheciam faziam parte de um novo conceito de equipe. O mundo tornou-se uma imensa montadora de peças fabricadas em qualquer parte do planeta. Isso ampliou especialmente a escala de produção de softwares, impulsionados por conceitos como usabilidade e personalização.

Da beleza do conceito do trabalho colaboracionista à sua implementação, o aprofundamento do isolamento sistemático, na virada do milênio, começou a produzir seus efeitos: depressão e estresse, são apenas a ponta do iceberg. Da constituição do mais forte que assumia a proteção e manutenção de um grupo (semelhante a diversos casos na natureza) ao sugador do potencial dos outros, uma irrealização da humanidade representada pelo cada um por si - sem princípios ou referenciais - mostra a sua face na insegurança emocional cotidiana, no tédio face a vida, na ampliação da drogadição.

O ser humano, em sua trajetória de necessidade de singularização e coletivização simultâneas, se depara com a fragmentação e despersonalização. À semelhança do sujeito dos anos 1960 que só carimbava os papéis ou apertava um parafuso, perdendo as noções de todo e de pertencimento, esse novo ser assujeitado, descartável e aculturado se desintegra e, frustrada a sua necessidade de intimidade no convívio, não se referencia à nada, não constitui ideais sociais, vai perdendo sua humanidade e tornando-se uma máquina qualquer: a robotização bate a nossa porta, só que sem o Soma para anestesiar a consciência.

Wellington de Oliveira Teixeira, em 18 de março de 2015.

* Esse texto é parte integrante de uma pequena série que questiona as origens de diversos comportamentos atuais, especialmente os expressos em redes sociais. Os anteriores são:
  1. Despersonalização e discursos de ódio
  2. Previsibilidade se contrapõe à Humanidade

Um comentário:

Anônimo disse...

Você já viu o filme “Robocop II”. Bom em efeitos especiais (a cena em que o herói descobre a que se reduziu me causou arrepios!), medíocre no enredo, mas legal por nos fazer pensar acerca da robotização das pessoas. (Parênteses: rapaz, me liguei gora que vi o filme original no Cine Central, em Niterói. Estarei ficando velho? Que nada!). A ideia central do filme não é nova. Trata-se dos perigos morais e éticos que forças beligerantes formadas por autômatos implicam. Da antiguidade até hoje, exércitos e forças policiais foram formados por homens, dos quais eram exigidos abrirem mão de seus pensamentos críticos em vista das ordens dos “superiores”. Em que pese o sucesso dos alienadores, sempre houve, nas organizações militares ou paramilitares, elementos, no mais das vezes isolados, com o talento para subverter doutrinas e criar a diferenciação. Nos anos da guerra fria (e creio que isso ocorra ainda ocorra), drogas experimentais foram administradas em soldados, com vistas à supressão química de comportamentos autônomos. Hoje, com o avanço das tecnologias, os drones são exemplo da teleguerra, com o distanciamento físico e emocional do soldado em relação aos insurgentes e ao sofrimento dos campos de batalha. Se antes havia armistícios derivados da sensibilização das tropas, e das populações civis que lhes apoiam, ante a barbárie da guerra (as das quais participam os EUA geralmente perdem apoio popular no momento em que soldados americanos começam a morrer), hoje há o risco de guerras sem limites, salvo o da eliminação total do oponente. Bem, mas o leitor pode pensar que isso são coisas distantes de sua realidade. Ledo engano: o que acontece nas guerras internacionais das quais participam os EUA pode acontecer nas ações policias que ocorrem em nossas metrópoles.