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19 de fev. de 2016

Relacionamentos assombrosos

Assombração, criado por Wellington de Oliveira Teixeira em 30-10-2015.
Assombração, criado em 30-10-2015.

Imbuia-se daquela visão. Imaginava-se a si próprio a jazer assim, igualmente exangue, igualmente extinto, e ao mesmo tempo lhe voltavam à memória os dois rostos, o seu e o dela, ambos jovens, de lábios rubros, de olhos ardorosos. Inteiramente o penetrava a sensação do presente e da simultaneidade, a sensação da eternidade. Nessa hora, Sidarta percebeu claramente, com maior nitidez do que nunca, que toda a vida é indestrutível e cada instante, eterno.
(Hermann Hesse — Sidarta, p. 98 )


Nossa percepção é formada inicialmente pelos estímulos captados pelos sentidos que ficam gravados interiormente. Não como uma uma reprodução simples como fotocópia, carimbo, gravura ou fotografia do elemento estimulador. O que assimilamos é o efeito do estímulo externo e do que ocorre dentro de nós naquele instante. Eles se combinam para gravar uma imagem daquele acontecimento. Cada momento é único, isso gera a singularidade, isto é, cada indivíduo expande diferenciadamente a sua genética.

A capacidade de relacionar essas imagens internas — imaginação ou memórias — é o que permite a construção da razão e da emoção*. Um processo que se repete dentro de nós a vida toda ao tocar, saborear, ouvir, cheirar e ver mas, especialmente, nos primeiros anos de vida. Assim é construído o núcleo do que definimos como eu.

Apesar da razão e emoção serem frutos da organização daquilo que foi absorvido, passamos a acreditar que são absolutamente verdadeiras. Não o são. São apenas fantasmas (como as imagens projetadas nas telas de cinema ou da televisão) e, como tal, mesmo sendo capazes de restituir em parte, não podem reconstruir a totalidade, o original. É, portanto, uma visão pessoal e tendenciosa.

Agora que você sabe isso, entenda que quando nos apaixonamos por alguém, esquecemos que foram as imagens formadas pelos contatos que estabelecemos com esta pessoa que nos tornaram seres apaixonados e que há um grande abismo entre o ser da imaginação e o real.

Nada impede, porém, de tentar usar o convívio para construir uma imagem mais acurada, mesmo que parcial e momentânea (seres saudáveis transformam-se diariamente, não se esqueça!). É um desafio que exige uma vontade soberana de ampliar a percepção do outro dentro de si. Ao encarar esse desafio, é possível a constituição de relacionamentos mais propensos a serem prazerosos e duradouros. Sem sombra de dúvidas, muito diferente da constituição de um contrato de relacionamento duradouro ou eterno que acaba virando uma história de fantasma e de assombração, até a morte.

Wellington de Oliveira Teixeira, em 18 de fevereiro de 2016.

* Emoções sinalizam de forma potente e rápida os acontecimentos, permitindo a reação ao ambiente. Por outro lado, comunicam (in)voluntariamente o que se passa internamente. São, por assim dizer, as formas de se mover ou agir diante da realidade.

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