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20 de jul. de 2017

Entrar em consonância

Consonância, criado por Wellington de Oliveira Teixeira em 20-07-2017.
Consonância *, criado em 20-07-2017.

Consonância
Concordância: acordo, combinação, conciliação, concordância, concórdia, conformidade, entendimento, consenso;
Combinação: harmonia, eufonia, afinação, concerto.

Apreender é entrar em consonância com uma determinada percepção do mundo. Ocorre no exato momento em que se obtém uma certeza, implícita e até mesmo indescritível, e resume a significação instantânea de algo. Isto é válido para o que quer que seja com o que se esteja em contato, qualquer relação que se estabeleça.

Vários artistas, praticantes de esportes ou artesãos sabem bem determinar o momento em que houve uma apreensão do mundo e, com ela, o entendimento se fez prática de vida. Alguns inclinam-se a nomear esse modo de apreensão de inspiração.

Possivelmente, a vida produz essa espécie de 'insight' como um meio de capturar a atenção de alguém, de modo a apresentar-lhe as possibilidades de expansão que suas potências individuais possuem.

Apenas os que estabeleceram relações de equilíbrio entre essa realidade e a do cotidiano obtiveram uso ou funcionalidade para ela; há vários casos de pessoas com uma única obra desse nível e que ficam perseguindo o resto de suas vidas um outro momento de mesmo quilate.

De diversas maneiras, a vida reúne essências visando a sua expansão, dá-lhes um conjunto sensações de significados mais complexos, que escapam às interpretações de uso comum. Quando essas unidades de essência constituem as bases de comunicação, uma espécie de dicionarização comum, estabelecem as condições de desenvolvimento mútuo. Pense assim: um sujeito só se torna marceneiro se anexar a si os códigos da madeira 1.

De certa forma, esse é um processo de sistematização que permite um modo diferenciado de observação, uma nova forma de ver. E é essa visão que traz a expertise para alguém. Enquanto a maioria consegue perceber uma irritação na pele, um dermatologista vê um determinado tipo raro de infecção, que nem mesmo outros profissionais da área conseguiram.

Como em um dicionário, há signos e significados. Sem estar sensível aos sinais não há apreensão nem interpretação, tornando a experiência algo de senso comum, sem a incrível beleza que há para quem entra em consonância com eles.

É como a questão do homem de conhecimento para o Dom Juan (em Uma estranha realidade), a não ser que você entenda os modos de um homem que conhece, é impossível falar a respeito, pois o que se torna uma predileção para um homem de conhecimento é o que ele faz para saber.

Sendo assim, aquilo que é feito visando plenitude, simultaneamente gera o conhecimento essencial necessário. São os amantes do plantio aqueles que se tornam melhores jardineiros ou agricultores.

Caso seja esta uma via de pensamento potente, pode-se definir que não só encontros que produzem fortalecimento permitem o aprendizado. No entanto, só estes produzem realização. E um ser pensante, como um ser de conhecimento, só o é quando alia o prazer ao aprendizado, não por uma mera opção, mas pelo fato de que é algo inerente, algo que o impele e o projeta a realizar para se realizar a cada momento e indefinidamente.
Wellington de Oliveira Teixeira, em 19 de julho de 2017.

* A teoria do Corpo sem órgãos, trabalhada em O Anti-Édipo, propõe a questão de que alguém é apenas uma espécie de estrutura que contém algo variante: o ser é o conteúdo, que constantemente muda. Não há um único eu, mas transições. Cito dois trechos para provocar:

Primeiro: o conceito de que há forças de composição e de decomposição que vão modelando esses 'seres', que a cada instante nos representam e com o qual nos identificamos.
As forças de atração e repulsão, de pujança e de decadência, produzem uma série de estados intensivos a partir da intensidade=0 [intensidade igual a zero] que designa o corpo sem órgãos.
Segundo: é que não há como estabelecer apenas 'um ser', os processos dos encontros emoção-percepção interferem-se entre si, se tornando, por isso, a causa de cada momentânea constituição do ser.
Foi o que Klossowski admiravelmente demonstrou no seu comentário de Nietzsche: a presença da Stimmung como emoção material, constitutiva do mais alto pensamento e da mais aguda percepção. "As forças centrífugas não fogem para sempre do centro, mas aproximam-se de novo dele para se tornarem a afastar: tais são as veementes oscilações que perturbam um indivíduo enquanto ele procura apenas o seu próprio centro e não vê o círculo de que faz parte; porque se as oscilações o perturbam, é porque cada uma responde a um indivíduo outro que não ele, do ponto de vista do centro que é impossível encontrar. É por isso que a identidade é essencialmente fortuita, e que há uma série de individualidades que devem ser percorridas por cada uma, para que a casualidade desta ou daquela as torne todas necessárias".
(Klossowski citado por Deleuze & Guatarri — O Anti-Édipo, p.25)
(1) Conceito identificado na obra de Proust por Deleuze:
Aprender diz respeito essencialmente aos signos. Os signos são objeto de um aprendizado temporal, não de um saber abstrato. Aprender é, de início, considerar uma matéria, um objeto, um ser, como se emitissem signos a serem decifrados, interpretados. Não existe aprendiz que não seja "egiptólogo" de alguma coisa. Alguém só se torna marceneiro tornando-se sensível aos signos da madeira, e médico tornando-se sensível aos signos da doença. A vocação é sempre uma predestinação com relação a signos. Tudo que nos ensina alguma coisa emite signos, todo ato de aprender é uma interpretação de signos ou de hieróglifos. A obra de Proust é baseada não na exposição da memória, mas no aprendizado dos signos.
Dos signos ela extrai sua unidade e seu surpreendente pluralismo.
(Gilles Deleuze — Proust e os signos, p.4)

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