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8 de mar. de 2016

Morrer sem perceber

Avançando, criado por Wellington de Oliveira Teixeira em 04-02-2016.
Avançando, criado em em 04-02-2016.

Desisti de esperar que o caranguejo aparecesse. Não que vê-lo não fosse me deixar feliz, mas não iria mais passar meus dias a esperar. Se me perguntassem por que eu tinha desistido de esperar, seria difícil responder. Apenas estava ocupada demais todos os dias, estudando, colecionando, estudando mais, com atenção muito concentrada. Percebi que, talvez, o caranguejo quisesse que eu descobrisse a diferença entre esperar e perder tempo e esperar e aprender com o tempo.
Uma manhã, o sol nasceu e brilhou sobre a praia. Percebi, então, que minha sombra estava ao meu lado. Devia sempre ter estado ali, mas eu nunca a notara antes. É estranho como algo pode estar em um lugar o tempo inteiro e não ser notado em momento algum.
De repente, ver a sombra pareceu um descoberta.

(Brooke Newman — A andorinha-do-mar: uma história de descoberta, p.67-68)


De repente, alguém fica entre entre direções opostas — entre o pólo positivo e o negativo, entre uma possibilidade de ser e outra, entre pensamentos excludentes. É como uma frequência trêmula na energia. Pode chamar isso de insegurança. Imagine a luz de uma lâmpada tremendo quando falta ou retorna a energia elétrica em sua casa — às vezes, a lâmpada se queima; em outras, se recupera, se sustenta, e volta a emitir sua luz constante e ilumina tudo novamente.

Isso acontece porque o 'não ser', provocado pela ausência de energia, despotencializa. Até restabelecer a sua funcionalidade, fluxos distintos de luz e de escuridão interagem sequencialmente: sim e não, aceso e apagado, forte e fraco. Essa ilusão de ser é como uma luz estroboscópica (muito usada em shows) que quanto maior a intensidade e velocidade com que é emitida, mais faz parecer que tudo está lento.

A dúvida é o momento intermediário entre a certeza e a ignorância e, por incrível que pareça, a vida também o é! O seu propósito é terminar (é bem conhecida a expressão 'a única certeza da vida é a morte'), mas no durante — esse intervalo onde as experiências pessoais acontecem — ela se desenrola visando alcançar o seu potencial máximo. É nele que o inesperado, o impensável, o inimaginável ou apenas imaginado e sonhado a constroem.

Transformar-se é, então, superar a paralisia, o imobilismo e a repetição, porque é exatamente isso o que acontece na morte. Quem não avança, já morreu, só não foi avisado disso. As imensas variações entre o prazer e a dor só existem quando há mudança.

Tudo com que interagimos nos leva a definir o novo ser que seremos: somos o resultado da interação entre o que sentimos e pensamos e os estímulos externos que alcançam os nossos sentidos (olfato, tato, paladar, audição e visão — há quem diz que há outros). Quanto maiores as experiências, maiores as chances de aprendizado e evolução.

Como isso nos atinge no cotidiano? Sabe aqueles encontros que geram ambiguidade (aqueles casos em que não sentimos firmeza em alguém que encontramos)? Eles resultam do fluxo de aparências. Não é, mas finge ser. Produz dúvida. Diferentemente de quem não esconde seu estado de incerteza e busca a superação — um verdadeiro processo de transformação — essas pessoas estão paralisadas, usaram por tanto tempo uma máscara que ela grudou no rosto: são fixas e falsas — exatamente como a a morte, onde parece haver alguém ali, mas não o há.

Seja consciente de que a vida é a pura transição entre um estado e outro de ser, mas não é algo vazio(*). Sem ela, não se produz os encontros que potencializam alguém para algo além. Desde aquele primeiro encontro que iniciou o processo de geração de um novo ser, tudo o que acontece objetiva a transformação, o desenvolvimento. Toda experiência visa acumular as energias produtoras da expansão do ser. Sem ela, não há evolução e obstruir ou impedir esse processo é paralisar a vida, é morrer sem perceber.

Wellington de Oliveira Teixeira, em 08 de março de 2016.

* Na porta de um cemitério a frase Nós que aqui estamos por vós esperamos. Essa frase intitulou um filme de 1998 de Marcelo Masagão. Questionando a banalização da vida e da morte produzida no século XX, expõe, de uma forma extremamente emocionante, os fragmentos biográficos de pequenos e grandes personagens. Qual a interferência possível, para cada um de nós, no coletivo e em nós mesmos?

2 comentários:

Anônimo disse...

Já reencontrou um amigo que não via há muito e, olhando nos olhos, descobriu que não havia mais ninguém lá dentro?

Wellington O Teixeira disse...

Certamente. E com tristeza. Sonho é luto para que todos possam evoluir. Quando isso não acontece, é um pouco frustrante.
Como não gosto de desistir, tento dar uma espetada para ver se algo sai da inércia que se instalou.