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14 de nov. de 2014

Potências muito subutilizadas

Potencias subutilizadas, criado por Wellington de Oliveira Teixeira em 10-11-2014
Potencia subutilizada*, criado em 10-11-2014.

Julia nunca se perguntava por que coisas ruins aconteciam com pessoas boas, pois já sabia a resposta: coisas ruins aconteciam com todo mundo. Não que isso servisse de desculpa ou justificativa para fazer mal a outro ser humano. Ainda assim, todos tinham uma experiência em comum: a do sofrimento. Ninguém deixava este mundo sem verter uma lágrima, sentir dor ou navegar pelos mares da tristeza. Por que a vida dela deveria ser diferente? Por que ela receberia um tratamento especial, privilegiado? Até Madre Tereza sofreu, e ela era uma santa.
(Sylvain Reynard — O inferno de Gabriel, p.186)


Muitas vezes ignoramos que o sofrimento é um ponto de convergência da raça humana: todos sofrem. Gostamos de pensar que se formos bonzinhos não teremos castigos - e isso é até verdade, nos termos corretos -, só que avaliamos erroneamente o processo imensamente subjetivo da dor e dos valores.

Há muitas formas de não sofrer: há aqueles cujos corpos respondem quase que insensivelmente aos estímulos mais fortes; há os que estão em um nível mental onde as invasões são praticamente inexistentes; há os que se fecharam emocionalmente e, talvez, até tenham perdido a chave para a reabertura; há os que cauterizaram sua consciência.

Há muito mais formas de sofrer: diariamente morremos um pouco, nos incapacitamos fisicamente um pouco, fazemos investimentos que não nos trazem retornos, projetamos futuros e nos decepcionamos, somos envolvidos em situações que nos constrangem, nos sugam a individualidade e a alma.

Há a dor dos desesperançados, dos mutilados, dos enlutados, dos desenganados, dos mal amados, assim como a dos juízes do alheio, dos mantenedores dos ódios, dos insufladores de guerras pessoais ou globais, dos ressentidos…

Não gostamos dos nos incluir, mas todos, absolutamente todos desenvolvemos um pouco de tudo isso - é o nosso processo de evolução pessoal.

Talvez por isso, geneticamente estamos predispostos à sensibilidade ante o sofrimento alheio. Ele reflete o nosso, e, quando intervimos para minimizá-lo, fazemo-lo diretamente nos ajudando. Queiramos ou não há uma boa dose de egoísmo nesses atos: ficamos satisfeitos ao agir desse modo. Não desqualifique esse elemento: egoísmos tem matizes boas e ruins, dependendo da intensidade com que se efetua.

Seu dia está ruim? O período não está favorável, o mar não está para peixe? O fruto de seu intenso e esperançoso plantio não corresponde com uma breve e farta colheita? Isso faz parte do processo de aprendizado e aperfeiçoamento pessoal, não é castigo, não é lei do retorno às avessas. Chega o momento em que o peso que você ergue se torna leve e é necessário aumentar a carga. Isso tem consequências dolorosas, também, mas o fortalece e o capacita a uma nova fase bem mais ampla que a anterior.

Então é isso, solidarize-se com o sentimento e sofrimento alheio, mas não se perca nele. Avalie os seus, mas sem fazer comparações, uma vez que cada um tem seus próprios desafios. O caminho de hoje pode ter o sol iluminando um dia ameno e prazeroso, o de outro dia ser extremamente frio ou quente e desagradável ou incômodo. Mas você está lá, vivo, com possibilidades só suas desejando serem atualizadas e vividas plenamente.

No fundo, é sempre muito bom quando alguém percebe suas lutas e é capaz de se aproximar para, apenas com sua presença, partilhar seu momento e estimular suas capacidades de superação. A humanidade tem potências muito subutilizadas, mas estão lá, latentes, aguardando sua ida à fonte delas para dotá-lo de poderosos instrumentos de transformação. Como sempre, basta apenas uma decisão.

Wellington de Oliveira Teixeira, em 14 de novembro de 2014.

* Muitas filosofias, inclusive as de cunho religioso, tentam dar contar da questão da dor em forma de sofrimento. Aprecio aquelas que tentam encaminhar a questão por um prisma de construção e desenvolvimento pessoal, especialmente aquelas que tentam estruturar sua lógica invadindo os elementos causadores: há os que produzem bem ou mal, dependendo das condições momentâneas e dosagem, mudando completamente o entendimento da questão e tirando o foco do 'coitado' para o do 'focado', isto é, o modo como encaramos as questões é que causa o sofrimento, não qualquer coisa em si.

2 comentários:

Anônimo disse...

Por ser cloaca do Rio há séculos, lixo na Baia da Guanabara é coisa comum. Morte de peixes também (e aqui não estou naturalizando a agressão ambiental). Mais algo grave está acontecendo nesse momento. Como morador da beira da Baía da Guanabara em Niterói pude notar, de uns poucos dias para cá, uma elevação incomum no número de mortes de peixes. Em muitos casos, elas são precedidas de uma sinistra dança de agonia, no qual o animal fica nadando em círculos erráticos. Também observei, no último mês, o cadáver de pelo menos quatro tartarugas (duas na orla da Boa Viagem, uma no Bananal – entre a Pedra do Elefante e o Costão de Itaquatiara – e uma na Praia de São Domingos) e até de um boto (no início da praia de Icaraí, perto do Prédio da Reitoria da UFF). Denunciei os fatos aos órgãos ambientais do Estado e da União, bem como ao MPF. Mas, e aí? Os fatos me levaram a pensar no conceito de fragilidade do ambiente, o que me levou a pensar no conceito de fragilidade em sentido amplo. Cheguei a um conceito. Um sistema (qualquer sistema, ou seja, qualquer coisa tomada isoladamente) é frágil, em sentido geral, quando, submetido a uma tensão (geralmente por forças exógenas), sofre uma variação de estado com aumento de entropia. O palavrório é complicado, mas a ideia é simples e intuitiva. Qualquer mãe sabe: “Menino, segura essa caixa de ovos direito, senão quebra!”. A fragilidade do ovo leva a pensar no seu oposto. Mas, o que é oposto a fragilidade? Penso que haja pelo menos três respostas a essa pergunta. A primeira e mais intuitiva é que o oposto de frágil é resistente. Resistente é aquilo que toma pancada mas não quebra. Sofisticando o discurso, resistência é a qualidade de qualquer sistema que não sofre variação de estado de entropia quando submetido a tensão. A resistência, portanto, é relativa a tensão aplicada, de maneira que o que é resistente o é em uma determinada faixa de tensão, a qual, se superada, transforma o resistente em frágil. Um segundo antônimo para fragilidade é o conceito menos comum de resiliência. Resiliência é a qualidade daquilo que sofre variação positiva de estado de entropia quando submetido a tensão, mas que, respeitado certos limites e buscando energia em sistemas adjacentes, é capaz de retornar ao estado original de entropia. É a figura dos objetos elásticos que, deformando-se diante de uma força aplicada, voltam a forma original (reconheço que exemplo não é o melhor do ponto de vista do conceito de entropia, mas é imagem mental que me veio de imediato). Por fim, um terceiro conceito para o contrário a fragilidade (sistematizado por Nassim Nicholas Taleb) é o de antifragilidade. Em minhas palavras, um sistema é antifrágil quando, submetido a uma tensão situada dentro de uma faixa, sofre uma variação de estado com diminuição de entropia. E como se, tomado um dos ovos que o menino carrega emprestado, a cada pancada dada nele o fizesse mais forte. Os adeptos de academias conhecem bem o processo. Respeitados alguns limites, quanto mais se malha mais forte se fica. Mas, o que isso tem a ver com a morte de peixes na Baia de Guanabara? Eis a resposta: Vivo quase toda minha vida sob a influência da baia. Fui garoto da Brasilândia (em São Gonçalo) e passei a melhor fase da minha vida pulando entre as margens do rio Imboaçu. Até onde sei, boa parte da merda que produzi até hoje (cerca de 15 kg a cada dez dias por quase 43 anos!) foi (e talvez ainda vá) para a baia. O lixo que produzo ia, até bem pouco tempo, para o lixão da Praia da Luz (+ ou – 1,3 kg por dia!). Desde sempre ouço falar que a Baia da Guanabara vai acabar em merda. Mas ela resiste! Todo dia corro na sua beira e posso confirmar: é linda! Não merece os mal tratos que lhe aplicamos. E, por fim, em vez de sermos os agentes estressores, que tal passarmos a agentes da antifragilidade? Só não sei ainda como.

Wellington O Teixeira disse...

Começo tentando responde a questão final com 'já começou!'.
Ações em nível governamental são importantes em nível de alertar as autoridades locais para o fato de que a população está avaliando os acontecimentos e se posicionando.
Ações em níveis individuais, como interlocução pedagógica efetivam novas adições ao grupo dos que pensam tais fatores como inadmissíveis.
Mas há um ponto de entendimento que tenta correlacionar as forças interiorizantes e exteriorizantes dos fragmentos de realidade que nos atingem de modo a esclarecer nosso posicionamento no mundo visando entender o ser e o como um estar no atual real. Nele estão inseridas as questões da fragilidade, fortaleza ou resiliência: o modo como eu me insiro e me deixo tomar pelo que me cerca.
Algo me incomoda? Interfiro! Algo tira a minha paz? Me manifesto!
Esse movimento que depende exclusivamente do modo como a realidade se manifesta em mim é o que tento promover. Questões como diferentes modos de se ver ou se crer são ultrapassadas.
Há um movimento extensionistas nas universidades federais que tentam se inserir aonde o Estado se omite e, com sua interferência, algumas comunidades estão conseguindo conquistar um pouco mais de dignidade cidadã.
Quem sabe, a despoluição da Baía de Guanabara, uma das questões encampadas por vários pesquisadores seja promovida de outro modo que não o dinheiro para alguns e obras largadas que mantém a imundície diária que convivemos e que mata a fauna e a flora desse ecossistema tão frágil?