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19 de nov. de 2014

O Brasil mostra a sua cara

Identidade real criado por Wellington de Oliveira Teixeira em 19-11-2014.
Identidade real, criado em 19-11-2014.

Não me convidaram pra essa festa pobre que os homens armaram pra me convencer a pagar sem ver toda essa droga que já vem malhada* antes de eu nascer.
Brasil, mostra a tua cara, quero ver quem paga para a gente ser assim. Brasil, qual é o teu negócio?, o nome do teu sócio?, confie em mim.

(Cazuza — Brasil)


Percebo muitos especialistas intrigados com o novo perfil do país, buscando destrinchar os fios coloridos embaraçados, do que antes era a face nacional. Eu não. Não creio ter havido mudanças na face, perdeu-se a maquiagem que parcialmente escondia a verdadeira identidade brasileira: um conjunto fragmentário de ideias, de monta semelhante as suas dimensões continentais.

Quebrou-se a magia que mantinha o olhar preso nas maquinações produzidas pelo Pra frente Brasil, todos juntos vamos!, repetido infinitamente para criar, de um bando de consumidores ávidos por inserir-se como parte de algo importante, um grupo coeso, mesmo que por breve período de tempo.

Perguntam-se em muitos textos: no período de campanhas eleitorais a população foi fracionada? Evidente que não! Ganhou foco. Desfez-se o filtro na lente que tornava a imagem um todo coerente.

Em grande parte, fruto dos descontrolados textos e imagens, completamente incoerentes mas adotados como verdades absolutas, as rachaduras no perfil mantido anteriormente escancararam-se. E da coesão momentânea restou apenas a indignação coletiva, e mesmo sendo esta tão parcial, por um esforço hercúleo da mídia dominante para cooptar, gerou a indignação seletiva.

Às disputas ideológicas, das correntes de direita-esquerda-nãosei, seguiu-se outra por controle do Executivo, do Legislativo e do Judiciário, visivelmente apresentada nas generalizações indevidas, nos discursos defendidos com garra e até mesmo com atos de manifestação de ódios, antes reprimidos.

Desfeitas as possibilidades de omitir as questões de interesses de classes e dos preconceitos, a corrida acirrou-se no sentido de buscar alcançar o ideário da população: ser contra a corrupção. E vieram à tona os esqueletos de um período que escondia sob os tapetes do judiciário (com j minúsculo mesmo!), casos inequívocos abafados ou controlados pelas instâncias de poder.

Do antigo jogo do Corra que a polícia vem aí!, esta instituição tão utilizada pela máquina ditatorial militarizada se esfacelou, implodiu diante da cidadania de alguns de seus melhores elementos que ousaram se posicionar contra os imensos desmandos que atingiam os direitos inalienáveis da população: dos cacos visíveis a grande população conheceu as milícias, as fraudes nos flagrantes forjados, e até a bola de cristal que permitia o aprisionamento indevido do cidadão com base em projeções futuras.

Para quem milita há anos em função dos direitos do cidadão ou aqueles bem informados historicamente, uma grande alegria: as tensões e distensões se visibilizaram, o país terá que lidar com elas de forma coerente sob pena de novos movimentos e manifestações de grande porte e nacionais só que extremamente polarizados e potencialmente agressivos.

Finalmente, o Brasil mostra a sua cara!

Wellington de Oliveira Teixeira, em 19 de novembro de 2014.

* A expressão droga malhada refere-se às substâncias que os traficantes acrescentam às drogas que vendem para torná-la mais potente e viciante ou apenas para que, ao aumentar seu peso, gere mais lucros. No texto da música, aos problemas herdados da Ditadura Militar, como a Dívida Externa que cada brasileiro, ao nascer, já carregava.

4 comentários:

Anônimo disse...

O conservadorismo na política brasileira tem se sofisticado, mas apenas na aparência (haja vista o deputado federal naturalizando o estupro). Não coloco a culpa da mazelas humanas na política ou na economia, pois acho que a matriz é existencial. Acho também que a observação nos diz algo, principalmente no que se refere à economia. A crença de crescimento sem limites, bem como o aumento desenfreado da produção e do consumo de bens privados (em consequência, em parte, da carência de bens públicos), levam a concluir que o modelo capitalista de existência é incompatível com a ideia de sustentabilidade. Alerto, contudo, que o problema é mais profundo. A apropriação, por conservadores, de conceitos com aparências moderna e sofisticada são meros artifícios alegóricos: mecanismos para justificar o conjunto de ideologias responsável por uma grande parte do atual sofrimento da humanidade. Um projeto de civilização que valha a pena não necessita ter coisas como taxa de câmbio, inflação, PIB, produtos e mercadorias (enfim, dinheiro!) como fim em si. São meros meios para a busca da felicidade: a oportunidade para todos relacionamentos mais harmônicos com pessoas e com a natureza.

Anônimo disse...

Acho que a mensagem ficou mal escrita e truncada. Considere a redação a seguir como retificação do post:
"O conservadorismo na política brasileira tem se sofisticado, mas apenas na aparência (haja vista o deputado federal naturalizando o estupro). Não coloco a culpa da mazelas humanas na política ou na economia, pois acho que a matriz é existencial. O problema é mais profundo. A apropriação, por conservadores, de conceitos com aparências moderna e sofisticada são meros artifícios alegóricos: mecanismos para justificar o conjunto de ideologias responsável por uma grande parte do atual sofrimento da humanidade. Acho também que a observação nos diz algo, principalmente no que se refere à economia. A crença de crescimento sem limites, bem como o aumento desenfreado da produção e do consumo de bens privados (em consequência, em parte, da carência de bens públicos), levam a concluir que o modelo capitalista de existência é incompatível com a ideia de sustentabilidade. Um projeto de civilização que valha a pena não necessita ter coisas como taxa de câmbio, inflação, PIB, produtos e mercadorias (enfim, dinheiro!) como fim em si. São meros meios para a busca da felicidade: a oportunidade para todos de relacionamentos mais harmônicos com pessoas e com a natureza."

Wellington O Teixeira disse...

[Acabei de perder a resposta que eu dei. Tudo bem, refaço-a]
Tenho concordância com o teor de sua colocação.
O destaque que dei às correntes de forças subterrâneas que vieram à tona nessas eleições de 2014 foi para salientar o quanto havia de preconceitos disfarçados na população brasileira de racismos e fascismos, haja vista a eleição do porta-voz dos representantes dessas forças.
O extremismo apresentado em posições manipuladas por meio de perfis falsos, aproveitando a invisibilidade da rede integrada mundial, ficou evidente.
E concordo especialmente com o fato dele ser apenas uma cara atual para aquele pequeno e poderoso grupo detentor do capital.
Sim, é fácil perceber a apropriação do discurso consumista sem compromisso com sustentabilidade até mesmo por grupos que possuíam movimento divergentes - tais como o funk - ficou evidenciada nas novas práticas de ostentação. Cooptados, a população pobre age como os capatazes da escravidão e tentam assemelhar-se ao senhorio: é necessário humilhar o seu mais semelhante próximo.
Nada como o eficiente discurso estadunidense do 'se não for o primeiro é um perdedor' para agitar as massas.
Planeta? Se ainda não aprendemos a jogar o lixo na lixeira ou separar o lixo orgânico do inorgânico, isso se torna uma realidade muito, mas muito longínqua.
Sim, é realmente uma questão existencial, só que a produção de subjetividades é quem dita essa existência atual e poucos conseguem se erguer e ousar deixar que a corrente do rio as leve para movimentos mais plenos e realizadores.

Anônimo disse...

Tentarei relacionar a discussão travada em “Potências muito subutilizadas” com a presente. Para tal, me utilizarei também dos artigos de Leonardo Boff publicados em http://www.jb.com.br/leonardo-boff/noticias/2014/12/08/onde-esta-o-no-da-questao-ecologica-i/ e em http://www.jb.com.br/leonardo-boff/noticias/2014/12/15/onde-esta-o-no-da-questao-ecologica-ii/. No artigo de 8/12/2014, Boff abordou o lado objetivo da questão ecológica, para superar o ambientalismo a partir de uma visão do planeta, da natureza e do ser humano como a porção pensante e sensível da Terra. É apresentado o argumento de que “restringir a ecologia ao ambientalismo é incidir em grave reducionismo”. Alega que é da natureza do sistema capitalista tratar a Terra como mercadoria, e que ações que não mudem tal paradigma para outros, voltados “a manter a existência de todos os seres especialmente os seres vivos e nossa cultura sobre o planeta”, são “como limar os dentes de um lobo com a ilusão de tirar a ferocidade dele”, ignorando que a ferocidade reside na natureza do lobo e não nos dentes dele. No artigo de 15/12/2014, o mesmo autor aponta que tal mudança é impossível “se não for completada por uma visão subjetiva, aquela que afeta as estruturas mentais e os hábitos dos seres humanos”. Defende que necessitamos resgatar a “inteligência sensível e cordial” (o amor), colocando no devido lugar o enriquecer da “inteligência intelectual e instrumental da qual não podemos prescindir se quisermos dar conta dos problemas humanos”. Em resumo, trata-se do “casamento da razão com o coração”. Pois bem. Em comentários à “Potências muito subutilizadas”, manifestei minha angústia diante do envenenamento da Baia da Guanabara, sugerindo que (mesmo sem saber como agir de forma ativista), em vez de sermos seus agentes estressores, passássemos a agentes de sua antifragilidade. Na presente discussão, e diante da provocação em pensar sobre um país que mostra a cara (uma que me assusta, seja por desconhecimento anterior da verdadeira face ou, pior, por horripilante auto identificação), ressaltei a base existencial dessa cara feia. Acusei de alegorias nefastas os conceitos aparentemente profundos utilizados como mecanismos de legitimação de ideologias que levam sofrimento desnecessário à humanidade. Em resposta aos meus comentários, você destacou que a produção de subjetividades determina uma existência pobre, revelada, entre outras manifestações, nos preconceitos disfarçados na população brasileira. Acho que as duas discussões são a mesma discussão. Penso que essa ideologia que nos contamina (aos brasileiros e a outros) no atacado, e que legitima dividir mundo entre opressores e oprimidos (em uma dança ecologicamente absurda), é o que faz, no varejo, gerar fenômenos como o de um garoto, pobre e perseguido, ver sentido positivo em coisas como funk ostentação. Concordo contigo quando afirma que o segredo é nos levar para movimentos plenos e realizadores. Da minha parte (e fazendo minhas as palavras de Ciro Marcondes Filho), acho que a questão é menos de virar a mesa e mais de tirar os que estão lá e ocupar seu lugar. Para isso, contudo, necessitamos da habilidade para distinguir o útil e desejável (enfim, o bom) e de liberdade para discutir e agir mediante nosso julgamento como indivíduos responsáveis pela nossa dor e pela dos outros. Para tal, vale uma ferramenta de julgamento útil, relacionada com o imperativo categórico de Nietzsche, qual seja, questionar se, diante de um comportamento em concreto que desejo realizar (jogar/não jogar lixo na rua, bater/acariciar no meu/minha namorado(a), trabalhar numa organização do construtiva/destrutiva e aderir aos seus valores, ostentar/presentear etc.), o que aconteceria com o mundo caso todos fizessem o mesmo. Se a resposta for algo, moral ou prático, de valor intuitivamente negativo, melhor pensar novamente.