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17 de dez. de 2013

Ousar ser mais que uma parte

Ousar, criado por Wellington de Oliveira Teixeira, em 17-12-2013 Ousar, criado em 17-12-2013

Seus atos, bem como os atos de seus semelhantes em geral, parecem-lhe importantes
porque você aprendeu a pensar que são importantes.
Aprendemos a pensar sobre tudo — disse ele — e depois exercitamos nossos olhos para olharem como pensamos a respeito das coisas que olhamos. Olhamos para nós mesmos já pensando que somos importantes. E, por isso, temos de sentir-nos importantes! Mas quando o homem aprende a ver, entende que não pode mais pensar a respeito das coisas que ele olha, e se não pode mais pensar sobre as coias que olha, tudo fica sem importância […] tudo é igual, e dessa forma sem importância.

Você teme o vazio da vida de seu amigo.
Mas não existe vazio na vida de um homem de conhecimento, posso garantir-lhe.
Tudo está cheio até a borda.
(Carlos Castaneda - Uma estranha realidade pp.79-85)


Pedaços estão para além de partes de um todo.

Sabe quando você tem uma tarefa a executar que possui camadas de um roteiro a seguir ou uma construção que depende do passo anterior para poder ser executada? Na universidade me ensinaram a classificar essas partes como pre-requisitos: assim, não seria possível alcançar o topo sem percorrer os degraus.

Relativo. Como tudo, aliás.

Nossa mentalidade mecanicista só (re)afirma aquilo que ela foi programada para aceitar. Nosso comportamento padrão recompensa-castigo: meu ratinho branco e velho companheiro, Tommy, das aulas de psicologia comportamental o expressaria. Estímulo e respostas que constroem como agimos e pensamos.

Meu ratinho, parceiro de curso básico — que, para desespero das meninas, me acompanhava dentro da jaqueta às outras aulas —, ganhou esse nome por que eu havia assistido ao filme(*) de mesmo nome onde um autista era brilhante em jogar pimball (ou pebolim, em alguns locais do país). Um autismo programado.

Como o nosso.

Somos brilhantes em reproduzir o cotidiano, suas rotinas, em nos apegarmos ao costumeiro até que não haja mais qualquer gota de prazer a ser retirada das nossas práticas. E, ainda assim, continuamos indefinidamente apegados à crença de precisarmos delas para continuar.

A ruptura, que sempre é possível, precisa acontecer. Mas passei da fase da iconoclastia por si mesma. Já não sou tão punk assim.

Minha fé no poder do desfazer algo vem do crer que a energia que gastávamos para manter determinada rotina pode ser empregada para fortalecer outras diferenciadas.

Gosto de período a período fazer modificações amplas no meu habitat - além daquelas pequenas e quase imperceptíveis a outros olhos. Mas não o faço por fazer. Me obrigo a detectar uma necessidade, que aparece quando meus atos se tornam inócuos, insossos, não representativos daquilo que estou no momento.

É nesse campo propício que invisto nas tentativas de criar um novo, não apenas um renovado estar na vida. E, para obter isso, ouso coisas que não havia tentado, ainda.

Recordo-me de haver sentido esse movimento quando quis aprender a tocar instrumentos de teclas. Foi um desafio imenso para quem não tinha recurso nenhum: as pernas eram as teclas, onde meus dedos simulavam tocar um piano.

Parece um contrassenso, mas deu certo. Aprendi. E depois vivenciei um conjunto de momentos tão maravilhosos quanto inesquecíveis. Inclusive amar além de qualquer possibilidade de resistir.

Bem, isso não é confessionário. Uso o acontecimento como exemplo de o quanto o voo pode ser longo quando nos decidimos a ultrapassar o maquinismo, aquilo que em nós acredita que a roda não pode ser reinventada, que os descobrimentos são apenas tirar a coberta de cima de algo.

Uso porque quero me incentivar a viver situações como a de agora: transição.

Quero ser um transeunte da vida, não um expectador em uma estação de trem, de ônibus, de avião ou de espaçonaves. Quero ir além e transitar seus pensamentos e gerar novas emoções em você também, como o resíduo de minha vida, como a energia que se expande para além de sua fonte.

Um dia eu quis ser veículo, instrumento do sagrado em mim. Hoje entendo que não há dissociação entre mim e o sagrado, já que seu sopro é minha vida.

Ainda bem que, um dia, Deus ousou e disse "Haja Luz!".

Wellington de Oliveira Teixeira, em 17 de dezembro de 2013.

* Filme baseado na ópera rock lançada em 1969 pelo The Who. Durante a II Guerra Mundial o Capitão Walker é considerado morto em batalha. Sua esposa Nora Walker fica com a tarefa de cuidar sozinha de Tommy, filho recém-nascido do casal. Nora se envolve com Frank Hobbs, mas em 1951 seu antigo marido retorna repentinamente e é morto por Frank. O garoto Tommy presencia tudo, mas sua mãe e seu padrasto insistem que ele não viu, ouviu e não vai falar nada a ninguém, e em consequência Tommy se torna cego, surdo e mudo. Já adolescente, Tommy se torna um campeão de pinball, trazendo fama e fortuna para sua família. Depois de curado, ele se torna uma espécie de figura messiânica e angaria um culto de seguidores, que no final rejeitam seus ensinamentos e o abandonam. (http://pt.wikipedia.org/wiki/Tommy_(filme))

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