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15 de jul. de 2013

Nosso interno-ambiente


Conhecimentos, fotografia base: desenho no banheiro do ICHF.*

"Pois então" — pensou —, "já que todas aquelas coisas passageiras me escorregaram por entre as mãos, acho-me novamente sob o sol, sozinho, como nos dias de infância. Nada possuo, nada sei fazer, nada posso realizar, nada aprendi. Não é mesmo estranho? Agora, que já não sou nenhum jovem, que meus cabelos já ficaram grisalhos, que minhas forças diminuem, volto à estaca zero, lá onde estive em criança!" Mais uma vez, esboçou um sorriso. Sim, seu destino era deveras singular. Ele ia abaixo e novamente se encontrava nessa terra totalmente vazio, tolo, desamparado. Mesmo assim, sentia-se incapaz de afligir-se por isso. Antes, pelo contrário, tinha vontade de dar uma gargalhada, de rir-se de si, de zombar desse mundo esquisito, estúpido.
(Sidarta - Herman Hesse, p.81-82)


A novidade é a coisa mais antiga no mundo.

Está na moda o conceito de inovação. Ele carrega em si a ideia de criar algo novo, diferenciado, transformador, ruptor de uma sequência ou de um modo de ser, estar ou desenvolver.

Empresas procuram a preço de outro pessoas com o talento de produzir o inesperado e, para isso, vão buscar em locais ou práticas mais inusitados. Vou propor apenas um exemplo: músicos para empresas de tecnologia. Você deve saber que a Lady Gaga é a nova diretora de criação da Polaroid e que o William Adams, mais conhecido como Will.i.am (do grupo Black Eyed Peas), vai colaborar no desenvolvimento de novas tecnologias da Intel.

Algo estranho, que percebo por trás desse movimento de transformação, é a produção da insaciável sede consumista: o capitalismo vendendo que velho é ruim, novo é bom. Quer saber, o pior é que acreditamos nisso: dizemos que um celular ou laptop de 2 ou 3 anos atrás é uma porcaria.

Na contramão disso, o espanhol Benito Muros está sendo ameaçado de morte por causa de sua criação: uma lâmpada que dura no mínimo 25 anos - que tem por base uma que existe em um parque de bombeiros de Livermore (Califórnia), acesa há mais de 111 anos.

Poucos, talvez, conheçam o conceito, mas a Obsolescência Programada é um acordo de muitos fabricantes para desenvolverem produtos de curta durabilidade de modo a obrigar-nos a adquirir novos produtos que seriam desnecessários se produzidos como antigamente. Você pensa: até aí, tudo bem, tem sempre novidade no pedaço. Mas esquece de que o seu inconsciente absorve, também, esse conceito para as outras áreas de sua vida, inclusive a afetiva.

Apresento de forma não-moralista a questão dos relacionamentos: vejo, a todo momento, imagens e frases nas postagens de redes sociais, nos diálogos ao vivo, que há o desejo de encontrar alguém para amar, para construir um vínculo e (para alguns) constituir uma família e viver uma experiência até a morte como em UP Altas Aventuras. Na prática, apresentamos imagens dos pequenos vôos das baladas, dos encontros fortuitos em finais de semana, dos namoros que duram até a primeira briga e o status do face serem alterados. Essa incoerência surge de onde?

A questão do novo que os negociantes expõe exaustivamente em seus comerciais é a coisa mais velha que o mundo já produziu e se chama transformação: nada se perde, tudo se transforma.

Assim, o inverno dá lugar à primavera, o frio ao calor, a cobra troca a pele e você suas células mortas, as unhas, cabelos... Isso se chama renovação.

Mas a natureza ensina que não é necessário desqualificar o antigo: ele é a estrutura eficaz que permite as mudanças. É na harmonização entre o antes e o depois que se estrutura um presente.

Algumas pessoas optam pelo caminho do monge e se retiram da agitação para meditar. Querem, com isso, não impedir o novo, a novidade de vida, mas melhorar a base deste processo abrindo mão do desnecessário. Isso se chama purificação.

Como eu disse, meu objetivo não é moralização de uma forma de ser social, mas propor uma avaliação dela. A sua própria avaliação. A experiência e a observação ensinam que só precisamos ter elementos que nos ativem a capacidade de pensar, o resto somos nós que fazemos, inclusive trilhar um outro caminho.

Por falar nisso, os antigos chamavam isso de metanóia ou mudança de mente que determinava um novo rumo para a vida.

Viu?, antigos tem muito para a ensinar-aprender com os novos. Essa é a proposição simples e diária da natureza: a busca do equilíbrio.

A palavra que eu queria dizer, que só agora me tomou é transitoriedade. Exatamente o que acontece com tudo. É o Iazul! (Tudo passa!) da história de Malba Tahan**.

Existe algo na ordem do necessário que determina que parte do antigo permaneça no novo e a essa forma de permanência nós humanos aprendemos a denominar de eu. Hora de melhorarmos nosso interno-ambiente.

Wellington de Oliveira Teixeira, em 15 de julho de 2013.

* Me encanto com a gurizada do ICHF - Instituto de Ciências Humanas e Filosofia da UFF. Essa é uma amostra do que eles produzem por lá e nos incentiva a reavaliar toda a estrutura de conhecimento.

** "Quando o homem atravessa período de felicidade, de alegria, de sorte e tranquilidade, deve pensar no futuro e ser comedido em suas expansões, sóbrio em suas atividades.
Convém que o afortunado não esqueça: IAZUL (isso passa). A roda do destino é incerta. A vida é cheia de mudanças.
Há ocasiões, porém, em que nos sentimos tristes, enfermos, feridos sentimentalmente, caminhando sob nuvens de infortúnios.
Para que o ânimo volte ao nosso espírito, proferimos cheios de fé, fortalecidos de esperança: I A Z U L! Isso passa. Sim, tudo passa.
Virão dias melhores, dias calmos e felizes. A prosperidade e a boa sorte voltarão a iluminar a nossa jornada. A saúde será reconquistada. E a serenidade procurará pouso em nosso coração."

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