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19 de set. de 2014

Rotular é tornar o pontual a referência.

Senhor de si, criado por Wellington de Oliveira Teixeira em 19-09-2014
Senhor de si, criado em 19-09-2014.

Transcender
Os espaços, uma a um, devíamos
Com jovialidade percorrer,
Sem nos deixar prender a nenhum deles
Qual um pátria.
O Espírito Universal não quer atar-nos
Nem nos quer encerrar, mas sim
Elevar-nos degrau por degrau, nos ampliando o ser.

(Hermann Hesse - O jogo das contas de vidro, p.447)


Sem sua ousadia não há o que esperar da vida. Estou falando de forma direta, não alegórica ou metafórica. Desde que haja alguma forma de construção, há o possível, o viável, a invenção de si. São eles que se opõem ao estruturado, ao modelado e conduzem à ausência e ao vazio.

Essa espera não no sentido de esperança, ainda que, de algum modo, possa abarcá-la se entendida como projeção, como sonho, como elemento transformador por produzir mobilidade.

Um momento ímpar está acontecendo, em todas as épocas, em diversas esferas da vida, onde quer que os seres humanos estejam se transformando e buscando por mudanças. Costumes e práticas apenas são os indicadores de algo a que se opõem e se agitam grupos de pessoas indocilmente, envolvendo-se numa luta contra a mesmice.

E muito do que se vê pode ser considerado exagero, forçação de barra, imposição - principalmente se percebido de um ponto de vista mais tradicionalista. E aqui se resume a polarização, o antagonismo que tem levado ao extremismo pontual. Sim, é pontual. Mesmo com tanta propaganda querendo rotular todos por conta da ação de uns muito poucos.

Mesmo quando você age de forma mais exacerbada, vez ou outra, isso não dá a ninguém o direito de tachá-lo descontrolado. Se todos tem seus momentos assim, isso não pode torná-lo referência.

Então, por que os meios de comunicação (e muitos os que os reproduzem) tacham pejorativamente pessoas ou movimentos sociais que trazem uma reformulação do padrão que eles ditam? Dos brincos e tatuagens, aos cortes de cabelo e estilos de vestir - quase sempre acompanhados de linguajar, formas de musicar e poetizar novos -, toda era é uma nova era que modifica a anterior.

Desnecessário o gigantismo da tentativa de contê-la, quaisquer que sejam as vias. A repetição do Assim é o certo, quase sempre vem acompanhada da ignorância de que esta também foi uma prática nova. Não se pretende arrazoar, esclarecer, apenas determinar. Surgem vozes iradas, clamando o fim do mundo - há séculos fazem isso! - criando novos apocalipses para amedrontar e controlar. Baseados em que? Costumes.

O mais indelével dos direitos humanos, o ser senhor de si mesmo, quer-se dominado. O maior medo é, se mudar, as vozes que ditam o certo e o errado perderão seu poder. Tentam esconder o fato de que as rupturas sempre acontecerão e que é possível harmonizar o novo com o antigo, há espaço para ambos.

É preciso ousadia, repito, para abrir as asas, saltar no vazio e desconhecido, para descobrir a maravilha que é o voo. O menor dos insetos alados sabe disso. Mas, por mais que muitos dos antigos e os novos-antigos citem as águias, os condores em alegorias da transformação que permite a ampliação da potência de vida pessoal, continuam preferindo as caixas, os ninhos, as asas deformadas por falta de uso. E não admitem que os outros tentem. Fazem isso, ameaçando: 'vai, mas não volta'; se fizer isso, não será mais meu …'; 'isso é coisa de …'; 'filha minha …'; e muito mais.

Antes que eu me esqueça, ao exemplificar as forças conservadoras não é necessário citar qualquer grupo ou prática: todos temos a semente dela em nosso interior, também. Ser cuidadoso é dialogar, avaliar as questões, alinhar os prós e os contras. É se dispor ao apoio do seres que se individualizam. Esse processo eles o percorreram de qualquer forma, agora ou depois, apoiados ou solitários.

E quando uma nova forma de estar em sociedade ocorre, ela é assimilada aos poucos e torna-se parte do antigo modo. Entender e superar tal processo sem gerar mais seres podados, enrustidos, mal-amados, rancorosos, vigiadores do alheio é um desafio imenso.

A vida exige que o ser aflore. E quando o processo de vir à tona ocorre, nada o impede. Pode-se podar todas as manifestações, viver protegido ou escondido, tentar iludir-se ou aos outros. É uma opção. Mas há outra: pode-se lutar para se manifestar de forma única, também.

Wellington de Oliveira Teixeira, em 19 de setembro de 2014.

* […] Já faz tempo eu vi você na rua, cabelo ao vento, gente jovem reunida.
Na parede da memória, essa lembrança é o quadro que dói mais.
Minha dor é perceber que, apesar de termos feito tudo o que fizemos, ainda somos os mesmos e vivemos como os nossos pais.
Você pode até dizer que eu tô por fora ou, então, que eu tô inventando.
Mas é você que ama o passado e que não vê que o novo sempre vem.
(trecho de 'Como nossos pais' - Antonio Carlos Belchior)

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