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14 de set. de 2014

Coisa de momento

Coisa de momento, criado por Wellington de Oliveira Teixeira entre 10 e 14 -09-2014.
Coisa de momento*, criado entre 10 e 14 -09-2014.

A noite de sábado começava, era a primeira vez que passeava sozinho em Zurique e
aspirava profundamente o perfume da liberdade. A aventura espreitava-o em cada esquina.
O futuro tornava-se de novo um mistério. Voltava à vida de solteiro,
essa vida que anteriormente estava certo de ser o seu destino,
pois era a única em que poderia ser tal qual era realmente.
Vivera acorrentado a Tereza durante sete anos – ela havia seguido com o olhar
todos os seus passos. Era como carregar bolas de ferro amarrada nos calcanhares.
No momento, subitamente, seu passo estava mais leve. Quase voava.
Estava no espaço mágico de Parmênides: saboreava a doce leveza do ser.

(Milan Kundera - A insustentável leveza do ser, p.35-36)


A gente diz coisas sem se dar conta da extensão daquilo que dissemos.

Coisa de momento: dimensionado pelo êxtase que atravessou corpo, alma e espírito; que traz à tona o que nunca consegue aflorar além de parcialmente; que faz a palavra humano ganhar verdadeiro sentido. Genuinamente pleno, inescapável, indubitável. Mas, como tudo que é de ordem superior, é como um flash imenso que oblitera tudo o mais que se encontra além do foco do nosso olhar.

Depois, com o que chamamos de realidade do dia a dia, aquela magia se esvai por termos que usar os básicos sentidos da sobrevivência. E entramos novamente na matrix para termos as experiências comuns e ansiarmos enormemente por uma nova oportunidade de ultrapassarmos o invólucro que englobou a força vital e nos separou da ordem universal.

Particularidades nos tornam indivíduos, com todo o preço que se paga por isso, em especial a perda da conexão que nos integra ao todo.

E a gente sobrevive depois de conseguir uma fagulha para nos reincendiar, por um lapso temporal mínimo, e assim propulsionar a sequência dos momentos que se constitui o cotidiano. Só que somos capazes de um espectro muito maior; a amostra grátis que aqueles momentos nos proporcionam confirmam.

Então, isso é seguir em frente: ignorar a eternidade que nos cerca e nos assume em cada gesto. Certamente, seria loucura tentar dar conta dela nesse corpo tão maravilhoso mas tão reduzido ainda no uso de suas capacidades. Por isso, ansiamos experimentar a química fantástica que os sentimentos produzem alterando todos os padrões cerebrais — milhões de vezes superior ao que qualquer droga conseguiria — e vivenciarmos a irrealidade.

Só por isso, mais outra e outra vez, que, continuamente, resolvemos acreditar no eu, na ilusão das percepções. Tudo o mais é reduzido a apenas fantasia de um momento.

A eternidade aqui não valeria um único sequer momento sem este instante mágico, onde se reúne tudo o que se é até que o eu desaparece ou consegue se ultrapassar.

Wellington de Oliveira Teixeira, em 14 de setembro de 2014.

* As pequenas experiências de plenitude ampliada, simultâneas da nulidade do eu, como no êxtase físico ou espiritual, são fundamentalmente o que permite a perpetuação da vontade de produzir novos encontros.

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