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24 de jan. de 2017

De universos às paixões

Cruzamentos, criado por Wellington de Oliveira Teixeira em 24-01-2017.
Cruzamentos, criado em 24-01-2017.


O que é a vontade.
Dissemos que a mente humana é coisa pensante, donde se segue que por sua natureza apenas, e considerada apenas em si mesma, pode fazer alguma ação, como, por exemplo, pensar, isto é, afirmar e negar*. Mas tais pensamentos ou são determinados por coisas postas fora da mente, ou pela própria mente, pois esta é uma substância de cuja essência pensante podem e devem provir muitas ações de pensar. As ações de pensar que só têm a mente humana como causa chamamos de volições. A mente humana, enquanto é concebida como causa suficiente para produzir tais ações, é chamada vontade.
Há vontade.
Nota: Espinosa não distingue intelecto e vontade, mas unifica-os sob o poder de agir — as idéias e as volições são atos singulares de afirmação e de negação.

(Spinoza — Coleção os Pensadores, p.55)


A suposição de um Vértice dos incontáveis e imensos fluxos, visíveis e invisíveis, que atravessam as estruturas e os seres promove um referencial inicial (há incontáveis modos de nomeá-lo!). Com ele o entendimento de que todas as [im]potências derivam dos cruzamentos ou a superfície de cada encontro entre os fluxos e, também, a inferência de capacidades de ultrapassamentos. Há campos de forças em constante modulação, estruturando os elementos.

Adotei o conceito de Vontade como modo de nomear a potência que move e reúne elementos (inclusive pessoas) em uma determinada configuração: de universos às paixões (amizade, família, prática esportiva, meditação… e por aí vai) aqui na Terra. Vontade é o que sustenta os encontros. Vontade é o que permite ultrapassá-los. Simplificando, imagine um metal percorrido por uma energia tornando-se capaz de imantar outros metais.

Tudo o que tentamos estabelecer como algo é apenas uma potência momentânea, uma composição instantânea, uma percepção, submetido à ilusão de durabilidade.

Um modo excelente para demonstrar o quanto o nosso cérebro é iludido é assistir ao seriado Truques da mente. Já no início, um retângulo percebido com três cores demonstra-se ter uma única; um círculo, movendo-se apenas um sombreado, torna-se uma bola que quica sobre o papel. Quando assisti, fluiu fácil aos meus lábios um 'PQP'. Inacreditável!

Incrível mesmo é acreditar em sentidos que facilmente nos enganam, especialmente a visão. Mais. Triste é ver que as ilusões acontecem mesmo quando explicadas. Verdades individuais são construções que vamos realizando durante a vida as quais nos agarramos. Parece atemporal esse impulso de fundá-las, crer em sua proximidade e alcance.

Como espécie, é possível identificar a produção de referenciais constantes, as Regras de convívio, as Leis, as Utopias que tornam-se os sistemas de crenças que sustentam as bilhões de decisões diárias. Tentar relativizá-las é como tirar o chão de alguém. Mundos individuais se desfazem quando alguém se vê exposto à desconstrução de suas crenças: as apostas feitas em função de uma carreira, de um relacionamento, de uma religião.

Não é simples aparelhar a mente para aceitar que nada é fixo, que todos os pontos de vista se estruturam apenas por determinado instante por agrupar infinitas variáveis. Mais difícil ainda é expandir esse entendimento a qualquer relacionamento na vida: nenhum o é em si mesmo, ele se sustenta, ou não, em função de vontades e acontecimentos.

É possível apostar numa outra vertente incrível dessa lógica: se permitir encontros dos mais improváveis, absorver, expandir e transmitir energias resultantes delas — dentre elas, o fluxo poderoso de um sorriso, da expressão de um amor incondicional (algo feito, necessário só porque gera a realização pessoal). Mas, enquanto quisermos acreditar que a terra é fixa e o mundo gira ao seu redor (e, para algumas pessoas, ao redor de suas verdades), ou qualquer outra verdade estabelecida nos sabotaremos algumas das melhores de nossas potências: o prazer das interações, das trocas, das vivências compartilhadas, das descobertas.

Wellington de Oliveira Teixeira, em 24 de janeiro de 2017.

* Um trecho de Hermann Hesse que faz pensar muito é: 'Para o homem consciente só havia um dever: procurar-se a si mesmo, afirmar-se em si mesmo e seguir sempre adiante o seu próprio caminho, sem se preocupar com o fim a que possa conduzi-lo.'(Demian, p.120)
De certa forma, há um árduo caminho para os seres pensantes que ousam ladear outros e produzir coletividades: efetuar-se e expandir-se, sem apropriar-se de outras expressões de ser.

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