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18 de out. de 2015

Sob óticas diferenciadas

Sob óticas, criado por Wellington de Oliveira Teixeira em 18-10-2015.
Sob óticas, criado em 18-10-2015.

O filósofo escocês David Hume (1739), em seu Tratado da natureza humana faz uma formulação — chamada de Guilhotina ou Lei de Hume — que tornou-se clássica: como podemos passar de uma afirmação descritiva sobre como as coisas são no mundo (uma afirmação "é") para uma afirmação prescritiva que nos diz o que deveria ser feito (uma afirmação "deve")? De forma mais resumida, como podemos derivar um "deve" de um "é"?
O filósofo inglês G. E. Moore em sua obra
Principia Ethica (1903) chama de falácia naturalista identificar conceitos éticos com conceitos naturais […] Termos éticos, tais como "bom", são propriedades "não naturais" — propriedades simples e não analisáveis, acessíveis apenas por meio de um senso especial de moral conhecido como "intuição" […] Para aumentar a confusão, afirmar que o fato de algo ser natural (ou não natural) oferece base suficiente para supor que esse algo também é bom (ou ruim).
Talvez o mais simples e mais importante dado sobre a ética seja puramente lógico. Refiro-me à impossibilidade de derivar regras éticas não tautológicas… de afirmação de fatos." (Karl Popper, 1948)

(Ben Dupré — 50 ideias de filosofia que você precisa conhecer, cap. 12, A Guilhotina de Hume, p.52-53 — resumido)
Princípios regem nossa forma de pensar e agir, mesmo quando não nos damos conta deles. É que a moral é constituída de pequenas decisões que agem como uma pedra num fluxo de água, desviam o curso. Me permitam invadir um campo do qual não sou especialista, a filosofia. De Platão à Kant — para citar alguns nomes consagrados ocidentalmente —, e ainda hoje, muitos desenvolvem pensamentos que tentam dar conta de pormenores que se tornaram obstáculos gigantes para a realização de julgamentos por parte da humanidade.

Pense que cada situação cobra antecedentes, antes da tomada de decisões. Uma delas é: o fim pode justificar os meios enquanto houver algo que justifique o fim (Leon Trotski, 1936)? No cotidiano, inocentes são sacrificados para que outros sejam salvos. É o caso do avião de passageiros, com uma bomba que vai explodir em uma cidade com milhares de pessoas. Vejamos o curso de pensamento a ser adotado pela tripulação:
  • Um dos pilotos acredita que ações tem valor em si mesmas, são certas ou erradas. Agir corretamente é algo incondicional, independente de consequências. É algo imperativo. Matar pessoas inocentes é intrinsecamente errado. É necessário continuar, aterrissar e manter a consciência tranquila de não ter matado voluntariamente ninguém.
  • O outro, que a ação correta deve ser julgada pelas suas consequências — os fins justificam os meios. O melhor é explodir o avião no ar, longe da cidade, sacrificando todos no seu interior mas salvando um número de outras vidas muito maior.
Agora pense: se algum fundamentalista ou ideólogo político ou fanático religioso diz que determinada ação, mesmo com um fim inapropriado, é correta — "infiéis, judeus, negros, homossexuais, adúlteros, fornicadores, devem morrer!" — algo que recorrentemente acontece na história; o que aconteceria? Uma vida, qualquer que seja, vale menos que outras? Tanto para os Deontologistas como para os Consequencialistas ações estão sob determinada ótica, ética, ou determinismo moral.

O modo de se perceber a vida e seus acontecimentos interfere com nossas práticas, não apenas em casos radicais. No entanto, não nos propomos avaliar crítica e previamente os valores que adotamos*; por isso, quando encaramos situações complicadas, acabamos ficando à mercê do senso comum momentâneo. Pode até minorar a questão justificando que a maioria fez assim mas isso certamente faz perder a individualidade, ignorar a responsabilidade pessoal por suas ações, cauterizar a consciência.

Wellington de Oliveira Teixeira, em 18 de dezembro de 2015.

* Ben Drupé nos apresenta algumas posições éticas:
Absolutista: certas ações são certas ou erradas sob quaisquer circunstâncias;
Consequencialista: ações podem ser consideradas certas ou erras usando como referência puramente sua efetividade em alcançar certos fins desejáveis ou certas condições;
Deontologista: ações são intrinsecamente certas ou erradas, sem considerar suas consequências; um significado particular costuma ser vinculado às intenções de um agente e às noções de deveres e direitos.
Naturalista: conceitos éticos podem ser explicados ou simplesmente analisados quanto aos "fatos da natureza" que podem ser descobertos pela ciência, mais frequentemente os fatos sobre a psicologia humana, tais como o prazer.
Não cognitivista: moralidade não é questão de conhecimento, pois não se ocupa absolutamente com os fatos; ao contrário, julgamento moral expressa as atitudes, emoções, etc. da pessoa que o faz.
Objetivista: valores e propriedades morais existem independente de qualquer humano que o apreenda; afirmações éticas não são subjetivas ou relativas a qualquer outra coisa, e podem ser verdadeiras ou falsas, se refletirem corretamente a maneira como as coisas se situam no mundo. Conceitos éticos são metafisicamente reais.
Subjetivista: há fatos éticos, mas estes não são objetivamente verdadeiros ou falsos; o valor não tem seu fundamento na realidade externa, mas em nossas crenças sobre a realidade, ou em nossas reações a ela.

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